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Kubitschek Pinheiro – MaisPB
O novo livro do escritor e pesquisador paulista, Paulo Rezzutti, “D. Pedro II – A história não contada”, traz um apanhado de cartas e documentos inéditos que relevam fatos do último imperador do Brasil. Depois de desmistificar D. Pedro I ( 2015) e D. Leopoldina (2017), recolocar as grandes personagens femininas de nosso passado em seu devido lugar de destaque em “Mulheres do Brasil” ( 2018) e narrar o romance que abalou o Primeiro Reinado em Titília e o Demonão (2011), Rezzutti apresenta um D. Pedro II muito além do imperador e do mito no novo volume da série A história não contada. Rezzutti é membro titular do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e trabalhou como consultor técnico na exumação dos corpos dos primeiros imperadores do Brasil. Todos com selo da Editora LeYa. São muitos os aspectos inéditos ou ignorados em outras biografias que vêm à tona em D. Pedro II – A história não contada.
Um deles é a eterna busca pelo pai ausente e a importância de D. Pedro I na educação do filho. Pela leitura das cartas que trocava com D. Pedro II, fica claro que, mesmo depois de partir para o exílio, seu pai procurava ensiná-lo, principalmente no que se refere a respeitar o tutor José Bonifácio e os professores, mas também sobre como governar e a importância do respeito à Constituição. Além disso, em diversos momentos, o filho repetiu roteiros feitos por “D. Pedro I, no Brasil e no exterior, buscando sempre entrar em contato com pessoas que o teriam conhecido. Isso é apenas detalhe do novo livro de Paulo Rezzutti.
Em entrevista ao MaisPB, Paulo relata a parte essencial e humanista do imperador, atos, gestos e palavras, seja pela mania de, como muitos viajantes daquele tempo, “grafitar” seu nome pelos locais onde passava (no Egito, chegou a deixar sua assinatura nas Pirâmide de Quéops), ou pela relação com suas amantes, com sua família. Rezzutti reproduz grande parte dessa correspondência, incluindo material inédito em livro, evidenciando que, ao contrário do que se imagina, D. Pedro II, ainda que muito mais reservado e menos escandaloso que o pai, também se envolveu com diversas mulheres ao longo da vida. E muito mais: PR traz à tona a personagem do tutor José Bonifácio, o rosários das amantes, entre outros cenas da nossa história.
MaisPB – Parece que a série “a história não contada” não tem fim, né?
Paulo Rezzutti – Não, contar histórias nunca tem, e existem ainda muita outras histórias para serem contadas.
MaisPB – Agora você traz D. Pedro II – A história não contada, com vastas cartas e documentos inéditos. Onde você consegue essa riqueza de informações?
Paulo Rezzutti – Pesquisando em museus e em arquivos, particulares e públicos, principalmente no arquivo da própria família imperial, ainda é possível lançarmos outros olhares e novas interpretações a esses seres humanos e à vida que eles tiveram, o que acaba clareando determinados momentos da nossa história ao demonstrar por que ocorreram de determinado modo.
MaisPB – Quem na verdade foi o último imperador do Brasil, Dom Pedro II?
Paulo Rezzutti – Uma pessoa bastante complexa, apaixonada pelo Brasil, que sentia uma terrível falta do pai e que seguiu até o fim dos seus dias a determinação de D. Pedro I de que deveria estudar e dar orgulho ao seu país. Era uma pessoa que sentiu o peso do poder desde cedo e que, ávido por tomar as rédeas do trono, depois percebeu o fardo que era ser um governante vitalício, que morreria reinando caso não tivesse sido expulso do país com o golpe militar de 15 de novembro de 1889.
MaisPB – Seu livro mostra um Dom Pedro II muito além do cargo de Imperador e do mito que cerca seu nome. Poderia falar dessa descoberta?
Paulo Rezzutti – Eu procurei, como procuro em toda a minha série de biografias, mostrar o lado humano do personagem, despido de coroa, cetro e das “teteias”, como o próprio imperador se referia às condecorações. Procurei mostrar os interesses dele, como ele via a situação política e o Brasil, como ele se interessava por mil coisas diferentes, de música a astronomia, sua sede de conhecimento imensa que o levou a se conectar com vários escritores, sábios e cientistas ao redor do mundo.
MaisPB – Sua obra humaniza o personagem, com signos, palavras, gestos?
Paulo Rezzutti – Sim, foi essa a intenção. Trazer para perto de nós o último monarca brasileiro e mostrar que ele era cheio de qualidades, mas também cheio de defeitos, era impaciente, enfim, era humano como nós.
MaisPB – Como é escrever sobre um personagem que viveu uma eterna busca pelo pai? Parece algo dolente?
Paulo Rezzutti – Ele não era uma pessoa queixosa, muito pelo contrário, não foi fácil pegar esse interesse dele, essa busca pelo pai, é tudo muito sutil. Como ele conseguiu de certa forma construir a sua reputação como imperador e ser humano por meio de seus gestos e escritos, tive que me valer da análise das atitudes subliminares para chegar a essa carência, essa busca eterna pelo pai.
MaisPB – O pai de Dom Pedro II, mesmo ausente, passou conhecimentos para o filho?
Paulo Rezzutti – Sim, por meio de uma constante torrente de cartas. É interessante observar que D. Pedro I escrevia do exílio para o filho de duas maneiras, como pai afetuoso, morrendo de saudades da criança que teve que deixar no trono, e, ao mesmo tempo, para o jovem imperador, dando conselhos que poderiam ser úteis a essa criança que governaria o Brasil.
MaisPB – Qual era exatamente o papel do tutor José Bonifácio?
Paulo Rezzutti – O tutor é uma figura legal, o representante do pai no caso junto às crianças e ao governo imperial. Cabia a José Bonifácio responder pela educação, formação, saúde e bem-estar dos filhos de D. Pedro I no Brasil quando o primeiro imperador partiu para o exílio. José Bonifácio basicamente era o responsável pela educação e criação de D. Pedro II e das princesas, irmãs dele, que ficaram no Brasil, mas esse arranjo durou pouco tempo, pois o Patriarca da Independência se envolveu em política e acabou sendo destituído pelo Parlamento brasileiro, quando um outro grupo passou a ser o responsável pelo jovem soberano e suas irmãs.
MaisPB – No seu livro encontramos um gestor que respeitava a Constituição, bem diferente de hoje, né?
Paulo Rezzutti – Muito diferente. Tinha um respeito à coisa pública e ao povo brasileiro que devia servir de norte até hoje, mas infelizmente poucos homens públicos segue o modo do imperador. Era econômico, dizia que “despesa inútil é furto à nação”, se negava a aumentar o subsídio governamental que a Casa Imperial recebia. Contraía empréstimos particulares para fazer suas viagens ao exterior, pagava do próprio bolso o estudo de jovens brasileiros em outros países. Era contrário a silenciar a imprensa; quem começou com censura a ela foi Deodoro assim que chegou ao poder.
MaisPB – Vamos falar mais desse lado humano de Dom Pedro II?
Paulo Rezzutti – Ele adorava canja de galinha, quando pequeno foi um dos primeiros brasileiros a experimentar sorvete no Brasil. Tinha uma letra horrorosa. A filha mais velha dele, a princesa Isabel, dizia que ele tinha que voltar a fazer aula de caligrafia porque ninguém entendia o que ele escrevia. Ele tinha uma pressa, uma urgência em tudo o que fazia que era absurda. Numa visita a uma região do Espírito Santo ele chegou ao local antes de todo mundo, a banda nem estava no local combinado para receber e ele já havia partido. Na Rússia, acordou um convento inteiro para poder visitá-lo, chegou antes de as irmãs acordarem.
MaisPB – Como anda o romance que escancarou o Primeiro Reinado Titília e o Demonão? Seria interessante que fosse filmado ou fizessem uma série, não é?
Paulo Rezzutti – Seria realmente muito interessante. Ele é um livro pelo qual eu tenho muito carinho. A descoberta das cartas do D. Pedro I para a sua amante, a Marquesa de Santos, só pela descoberta, já poderia ter tido algum interesse para se transformar em algo audiovisual, mas, por enquanto, ninguém apareceu propondo nada. Ele continua sendo reeditado desde que foi lançado em 2011, e no ano passado ganhou uma nova revisão e edição e passou a integrar a minha coleção “A história não contada”.
MaisPB – O que Paulo Rezzutti anda fazendo nessa pandemia?
Paulo Rezzutti – Lives, feito um doido, tanto no meu Instagram quanto no meu canal no YouTube, que chegou a 100 mil inscritos algumas semanas atrás. Tenho buscado trazer aos meus seguidores e leitores mais informações, não apenas sobre os meus personagens, mas sobre história de uma maneira mais ampla.
MaisPB – Como é essa de“grafitar” o nome pelos locais por onde Dom Pedro II passava?
Paulo Rezzutti – Pois é, ele seguia o costume dos viajantes da época de deixarem seus nomes gravados. Estudando os diários dele, vi que ele “grafitou” o nome dentro e fora da Pirâmide e em um templo no Egito e consegui uma foto de um lugar na Finlândia, chamado Imatra, onde ele gravou o seu nome num granito que pode ser visto até hoje. Essa foto fecha o meu livro.
MaisPB – As amantes sempre existiram e existirão, não é: Como era a relação de Dom Pedro II com suas amantes?
Paulo Rezzutti – Ele também teve, só não descobri ao certo se ele teve filhos fora do casamento. A discrição era o que o separava do pai. D. Pedro I não fez questão nenhuma de esconder a sua principal amante, a Marquesa de Santos, já o filho foi muito mais discreto, mas tão ávido em suas conquistas quanto o pai. No meu livro, eu mostro as cartas das amantes para ele e dele para elas.
BOLETIM DA REDAÇÃO - 03/07/2025