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Entrevista: Nanego Lira, o ator multifacetado

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publicado em 29/04/2024 às 08h17
atualizado em 29/04/2024 às 09h08

Kubitschek Pinheiro

O nome dele poderia ser Higino Rolim, nome dado a rua que abriu seus olhos para as artes – lá na cidade de Cajazeiras, onde Nenego foi parido. Ele ainda pode ser confundido com o Primo Argemiro, o personagem de Vau da Sarapalha, porque Nanego Lira é um ator multifacetado, do teatro ao cinema e na televisão. 

Um ator de vários papéis. Nesse momento ela faz o padre  Zezo lá do Mar do Sertão, para o Rancho Fundo, um padre engraçado com o mau humor perpétuo que é peculiar do personagem, com os momentos de impaciência, já que ninguém pode contrariar um padre, que ele conta tudo a Jesus na cruz no altar da igreja.

Nanego Lira é um dos fundadores do Grupo Terra (em Cajazeiras) e criou vários espetáculos. Na metade da década de 80 mudou-se pra João Pessoa, integrando ao Grupo Piollin. No Piollin participou de montagens importantes, destaques para os espetáculos, “Os Pirralhos” e “Vau da Sarapalha”, este último um marco no teatro nacional.

No cinema, participou de curtas paraibanos como “Depois da Curva”, de Helton Paulino; “Arvore da Miséria”, de Marcus Vilar, e em longas nacionais como “Os Pobres Diabos”, de Rosemberg cariry; “Reza a Lenda”, de Homero Olivetto; “Zama” de Lucrécia Martel”, que está concorrendo ao Oscar pelo cinema Argentino e “Piedade” de Cláudio Assis, este último ainda por lançar.

Bonito, um menino grande, Nanego Lira é nosso Wagner Moura, sem precisar de metralhadoras.  Indagado qual a sensação de estar no set de filmes com atores e atrizes nacionais, ele é um deles, mas foi bem político ao responder – “A sensação é a mesma de um trabalhador ou uma trabalhadora que está no ambiente certo para desenvolver a atividade que gosta”.

Leiam a conversa que tivemos com Nanego Lira, que nos representa nos quatro cantos dos palcos e  que ainda vai chegar a Hollywood.

 

 Nanego Lira  Você tão talentoso quanto Wagner Moura (que está nos cinemas com o filme Guerra Civil).  Vamos começar por aqui?

Nanego Lira – Eita! Wagner, construiu uma carreira muito sólida e, como todos nós sabemos, para além do Brasil. Talvez, o que tenhamos em comum seja essa solidez, o fato de termos nos dedicado ao ofício de encenar. Mas confesso que fico mais à vontade em falar da minha própria trajetória. Desde o começo, ainda criança na rua Higino Rolim, em Cajazeiras, PB, que o teatro, as artes cênicas ganharam o tamanho da minha própria vida e isso reflete nos dias de hoje, nos trabalhos que venho realizando.

 

Espaço K – Vamos voltar para Cajazeiras.  Foi lá onde tudo começou?

Nanego Lira  – O meu mundo era a rua Higino Rolim. Mesmo tendo nascido em Cajazeiras, eu posso dizer que vim descortiná-la, quando ganhei uma bicicleta. Esse objeto mágico foi um presente dos meus pais para ser dividido com minha irmã mais nova, Paula. Ganhei mais pernas para descobrir e me encantar com o mundo, com a minha cidade, com as pessoas, com os “loucos, loucas” encantadores da cidade. Ganhei pernas, olhos, ouvidos… e essas experiências eram vividas com outras crianças moradoras da mesma rua e é evidente que tudo começou a se transformar aí, e o ponto de culminância era essa rua. Essa efervescência nos levou ao desejo de ampliar ainda mais os nossos horizontes e isso se deu com a leitura e da leitura veio o desejo de encenar. A rua Higino Rolim era o nosso teatro, nosso palco e os moradores, nosso público.

 

Espaço K – Nanego está na telinha novamente na novela Rancho Fundo – refazendo o papel do padre Zezo. Parece que o padre já existia dentro de você?

 

Nanego Lira  – Qual a criança de cidade do interior que não carrega um padre dentro de si (rs)?  A Vida numa cidade no sertão do nordeste, passava pelos três grandes poderes estabelecidos: a prefeitura, a igreja e o mercado. Tudo se passava nesse tripé e por meio dele acumulávamos observações, impressões, leituras de mundo. Sim, o Padre Zezo povoa espaços dentro de mim. Lembro que durante a minha infância, me chamava atenção o Monsenhor Vicente, sua autoridade, sua rigidez, a forma como cuidava de todos, especialmente as crianças, como se fossem suas e ao mesmo tempo, tinha as contradições humanas, como o Padre Zezo tem. Lembro que fumava charuto! Fumava a ponto de ficar com o cheiro impregnado nele. Mas, é importante destacar que essas memórias não ficam na superfície, elas precisam ser resgatadas e aí entra o texto escrito por Mário Teixeira. Um texto capaz de capturar essas memórias de uma vida que ficou lá atrás e que são absolutamente palpáveis. Ao ler os textos escritos para o Padre Zezo, por vezes, tenho a sensação que contei algo sobre aquilo ao autor de tão presente que se torna. Isso ajuda o artista em seu trabalho. 

Espaço K  – Outro dia você mostrou o personagem do Padre Zezo andando de bicicleta, era o ator, em momentos de folga?

Nanego Lira  – Aquelas imagens que postei sim, eram situações em intervalos entre uma gravação e outra, mas o Padre Zezo, vocês vão ver, é muito desenrolado e se movimenta na cidade em vários veículos diferentes. No entanto, me alegra poder fazer um Padre que, de alguma maneira, se compromete com formas mais adequadas de mobilidade e anda de bicicleta pela cidade. 

Espaço K – como é a sensação de estar no set de filmagens?

Nanego Lira  – Creio que a sensação é a mesma de um trabalhador ou uma trabalhadora que está no ambiente certo para desenvolver a atividade que gosta. É ótimo, desafiador. Para uma cena acontecer existe muita gente, muito trabalho e muitos processos que não são vistos pelo público, mas que estando em um set a gente sente essa força coletiva, essa presença do trabalho de tantas pessoas. Para mim, isso torna a coisa ainda mais bacana e prazerosa.

Espaço K – Quantos filmes e novelas você já atuou?

Nanego Lira  – Minha vida de ator é mais focada no teatro, essa é a minha primeira paixão e foi também o que abriu as portas para o cinema e a TV. No cinema fiz vários, mas destacaria: O Grão de Petrus Cariry, Zama da argentina Lucrécia Martel, Reza a Lenda de Homero Olivetto, Piedade de Cláudio Assis, Os Pobres Diabos de Rosemberg Cariry, Cinema Aspirinas e Urubus de Marcelo Gomes, São Jerônimo de Júlio Bressane, Revanche de Marcel Vieira, entre outros filmes maravilhosos, de pessoas incríveis que tive a oportunidade de estar próximo. Na televisão, além das novelas fiz também séries como: Hoje é dia de Maria, Uma mulher Vestida de Sol, Onde Nascem os Fortes, mas dentro de mim, fica um espaço enorme de possibilidades e espera de mais trabalhos como os que tenho tido a sorte de fazer. Mais cinema, mais televisão, mais teatro. Isso é o que me move. 

 

Espaço K  -O personagem Primo Argemiro, de Vau de Sarapalha demorou a sair de você?

Nanego Lira – Não acredito que existam limites, fronteiras tão bem definidas entre o ator e seu personagem. Emprestamos muito de nós aos personagens e ganhamos muito deles também. Não sou o mesmo Nanego que existia antes de Primo Argemiro, mas ele também não ficou ocupando espaço não. Se integrou, somou a mim e ao que carrego. Os personagens são experiências de vida que nos atravessam, nos transformam também. Não fico pensando em me livrar deles, porque em algum momento eles se dissolvem e me acrescentam.

O Vau da Sarapalha, Primo Argemiro, os companheiros de cena e os seus personagens estiveram no nosso dia-a-dia por 20 anos! Evidente que isso marca você, assim como marcou uma geração. Conheço muitas pessoas que assistiram ao Vau da Sarapalha quando crianças, depois na adolescência e depois na vida adulta. Já pensou o que é isso? O Vau marcou a nós, marcou uma geração e marcou uma estética nos palcos e nas telas de cinema do Brasil. Existem vários estudos que apontam isso. Portanto, o Primo Argemiro está ainda por aqui.

Espaço K – casado com uma mulher política – isso atrapalha a agenda dos dois?

Nanego Lira – Meu casamento com Márcia é fruto de um encontro daqueles que somam. Soma para mim, soma para ela… Somos todos seres políticos, uns se arriscam na trincheira mais cruel e mais difícil (especialmente para a mulher) que são as campanhas eleitorais, a política partidária propriamente dita, outros se colocam politicamente em sua arte. Não fiz, não faço e não farei qualquer trabalho ou a qualquer preço, pois considero o poder de escolher a arte que vou me entregar, uma atitude política. Fazer meu trabalho a partir da Paraíba, sem nunca ter  me mudado para os pólos como Rio de Janeiro ou São Paulo, para mim, é uma atitude política. Estou dizendo isso, para falar que eu e Márcia também nos encontramos aí, na política. Márcia, é uma professora que resolveu ampliar sua ação pedagógica com a política, e ampliou, basta ver sua gestão absolutamente exitosa no município de Conde. Isso a transformou no melhor quadro político que surgiu nos últimos anos na Paraíba, dado ao seu poder de inovação, seriedade e compromisso. São formas muito peculiares de fazer gestão. Márcia tem asas imensas para fazer o bem, desempenhando um bom papel na política. Infelizmente,  a violência, a misoginia, o lawfarre, cortaram o fluxo exitoso dessa trajetória, pelo menos por enquanto. Eu também, ampliei a minha arte com minha visão política mais apurada. Não nos sobrepomos, não nos apagamos, seguimos juntos caminhos diferentes, e isso é o que chamo de encontro.

 

Espaço K – Você vem de uma família de artistas – qual deles o Nanego mais admira, Buda, Soia, Bertrand?

 

Nanego Lira – Minha família, originalmente era de 15 irmãos, ficamos 11 por muitos anos e hoje somos 10, não dá pra dizer com clareza quem mais admiro. No início fazia teatro com Soia, Paula e Salvinho, os mais velhos já estavam em João Pessoa. Com minha vinda para João Pessoa e a montagem do Vau da Sarapalha, convivi de forma muito intensa com Soia no palco, em viagens, por 20 anos. Depois tive oportunidades de trabalho tanto com Buda como com Bertrand – A Poeira dos Pequenos Segredos, foi um filme de Bertrand que adorei fazer e que recentemente esteve em todo Brasil na Mostra de Cinema e Direitos Humanos. Mas dizer que admiro mais um ou outro não cabe, pois são pessoas diferentes, com expressões muito diferentes dos seus trabalhos. A família, como um todo, é uma experiência de muito aprendizado e a “Lirolândia” é um lugar de amor e ódio que é a minha referência e me traz instrumentos para a vida e para a arte.

 

 Espaço K  – Tem tempo para uma atividade física, dorme cedo, gostaria de ser pai?

Nanego Lira  – Eu sou pai. Sou pai de Flora e de João. Quando conheci Márcia Flora tinha pouco mais de 2 anos e João nasceu quase dois anos depois que nos casamos. 

Quanto à atividade física, confesso que não sou das pessoas mais dedicadas não. Caminho quando tenho vontade, puxo um pesinho (de leve) quando dá na telha, mas não exijo muito de mim não, a vida em si já puxa pra frente e pra trás.

 

Espaço K – Qual o recado você daria para um ator iniciante nesse mundo cruel em que estamos vivendo?

Nanego Lira  – Não sou bom de dar conselhos, como canta Seu Pereira “eu não sou boa influência pra você”, é assim que me vejo. Só acho que a gente precisa fazer o que gosta e antenado com a vida coletiva. A única coisa que vai combater o individualismo é o exercício da coletividade. Daí pra frente, cada um faz suas escolhas e que sejam muito felizes com elas. Agradeço esse nosso papo e um beijo especial pra quem conseguiu ler até aqui.

 

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