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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Insuficiência e falta

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publicado em 16/08/2023 às 07h00
atualizado em 15/08/2023 às 15h18

“Só o insuficiente é fecundo”, afirma Goethe (foto). Posso pensar, portanto, que é a insuficiência ou a falta que nos movem no ato de criação.

Ferreira Gullar diz que a vida não basta. Daí, a necessidade da poesia. Então, a lacuna, o vazio, a ausência são o fermento essencial da fenomenologia estética.

Não tenho mais dúvida!

A música nasce da expectativa do silêncio, em meio às suas solertes fraturas e ocos relevos; dos sons que ainda não são sons; dos ruídos que se sonham melodias; das pautas inertes que se transformarão em sinfonias e adágios, em minuetos e sonatas, em berceuses e prelúdios.

Assim, no magma das coisas ordinárias, existe uma nota musical em estado de potência, portanto, de falta ou de insuficiência, pronta ou predisposta a se configurar em ato, palpável e rítmico.

Quando penso nas “Paixões” de Bach, por exemplo, não só tenho a prova de que Deus existe, também sinto a imensa falta do que era naquilo que é.

A criação brota de um desconforto do criador. Da grande e renovável sensação de incompletude que nos envolve na dor de ser e existir.

Os girassóis de Van Gogh não viriam de uma trágica constatação de que o natural ainda não é perfeito? E aquele cipreste, ao mesmo tempo agônico e enfurecido, não responderia à ineficácia do dom das coisas vegetais? E o vento no trigal? E os corvos fúnebres, que uivam o sombrio hino da morte, não seriam a mais pura expressão de uma falha ontológicas que contamina a natureza, os bichos e o homem?

Isso mesmo. “Só o insuficiente é fecundo”.

Se o campo se estende pelo reino das palavras, ver-se-á no poema a falta e a presença da poesia nesse jogo tenso entre plenitude e inacabamento.

O grande poeta José Antonio Assunção, colado à cadência de T. S. Eliot, diz que todo poema é um epitáfio. Contém, por conseguinte, mais a morte que a vida da poesia, embora a vã tentativa de torná-la viva e vívida, mesmo que em litografia tumular, revelando o conteúdo dessa ausência, o selo inominável desse vazio criador.

Parece ser justamente assim. O completo não cria nada. O feliz é frígido. O absoluto é falso. O total não existe. O real é pouco.

Afinal, conta, sim, o mistério da arte a proclamar as insuficiências do mundo. Os limites da vida, as fronteiras da morte.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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