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Fatos políticos guiam o novo romance de Carlos Eduardo Magalhães

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publicado em 12/08/2023 ás 11h13
atualizado em 12/08/2023 ás 17h05

Kubtschek Pinheiro – MaisPB

Carlos Eduardo de Magalhães é um escritor brasileiro, diverso, em permanente sintonia com o universo dos temas históricos e contemporâneos. “Das coisas definitivas” é o décimo livro do escritor paulista Carlos Eduardo e é seu livro de estreia na Editora Record.

É um romance denso, uma sacada direcionada para a segunda metade do século XX, cuja personagem central, Julio Dansseto, embora fictício pode ser encontrado em vários brasis. Tá cara que o autor deu ampla vida ao protagonista entre fatos importantes da política brasileira que determinaram os rumos do país. É um livro de coisas, costumes, signos e medos.

O autor trabalha a morte da personagem com esmero e ela está no centro dos acontecimentos do romance de Magalhães, que se ergue sobre a desconstrução de uma época e de uma família, de um modo de ser e ver o mundo das coisas definitivas, quando nem sempre são definitivas.

Outros personagens destacados vivem em torno do vulto de Dansseto – trágicas histórias de Isa, sua esposa, e Nina, sua filha; de Takashi Makaoka, um especialista em sistemas que deseja mudar o mundo, mas não muda, de Natasha e Jéssica, jornalistas interessadas em tudo, mas grudam na personagem Sidney, um rapaz que acordou um dia acreditando ser um artista famoso. É demais. E também Ana Paula, prima da mãe de Sidney e esposa de Roberto Bamalaris, o militar que fez a proteção dos Dansseto nos anos finais da ditadura militar iniciada em 1964. É uma obra completa.

Carlos Eduardo de Magalhães  –  Nasceu em São Paulo, em 1967. É autor de doze livros. Pela Grua, tempublicados os romances Super-homem, não-homem, Carol e Os Invisíveis (semifinalista do Prêmio Oceanos 2016 e PNLD Literário 2018), Petrolina (PNLD Literário 2018), Os jacarésMera FotografiaPitanga e Trova, e o livro de histórias Cama de pregos. Teve textos publicados em coletâneas e periódicos. Alguns de seus trabalhos saíram no Uruguai, nos Estados Unidos, na Índia e na Bulgária. Desde 2008 dirige a Grua Livros.

É também autor dos livros O primeiro inimigo (2005), Dora (2005), Pitanga (2008) e Trova (2013), entre outros. Tem trabalhos traduzidos para o inglês, espanhol e búlgaro.

O MaisPB conversou com o autor e traz caminhos diversos até o leitor chegar as coisas definitivas que, claro nem sempre são definitivas.

MaisPB – Seu romance é denso, moderno e cheios de signos. Foi escrito no vácuo em que ainda estamos vivemos, a pandemia no Brasil? Aliás, quanto tempo durou a convivência com os personagens?

Carlos Eduardo Magalhães – Obrigado, Kubitschek, pela leitura e pela oportunidade. O livro começou a ser escrito lá por março de 2018 me tomou três anos. Boa parte dele foi escrita entre julho de 2020 e março de 2021, mês que eu havia programado de terminá-lo. No primeiro semestre de 2020, ele andou bem pouco, a pandemia levou minha concentração.

MaisPB – Eu não li seus outros livros, mas esse me pegou, viu? A narrativa de “Das Coisas Definitivas” traz imagens de um Brasil profundo, perdido desde a ditadura militar. Vamos começar por aqui?

Carlos Eduardo Magalhães – Que bom, fico contente que tenha gostado. A abertura política no Brasil coincidiu com minha entrada na adolescência. Lembro-me nitidamente de assistir na TV as pessoas voltando do exílio, em 1979, na anistia, eu tinha 12 anos. Em casa, meus pais eram críticos ao regime militar, embora não fossem militantes de partidos políticos. ARENA simbolizava o que havia de ruim. Não cresci sobre os efeitos da censura do Estado, e em casa era um ambiente libertário e que prezava a cultura. Na adolescência e começo de juventude, li muito sobre a ditadura militar, sobretudo os relatos que iam sendo publicados, do Fernando Gabeira, Zuenir Ventura, Alfredo Sirkis, dentre outros. Isso na certa me influenciou. Meu romance O primeiro inimigo tem por tema a tortura na ditadura militar, e ali foi uma espécie de fechamento do tema. Mas creio que seja uma marca geracional. Pensei então em uma família de humanistas que teria vivido com força essa época, se opondo a ela, e daí nasceu os Dansseto. Um segundo vetor foi a de alguém que acorda tenho a certeza que é outra pessoa, no caso Gaetta Dordé. O terceiro, é de uma pessoa que muda o mundo nas sombras, o Takasho Makaoca. Juntei as três ideias de histórias e resultou no Das coisas definitivas.

MaisPB – O esqueleto geográfico do livro traz a parte urbana e a natureza, o esconderijo do homem que vai o campo para viver em paz. Estou certo?

Carlos Eduardo Magalhães – Está sim, o personagem que abre o livro, o João Robert da Cruz Bamalaris, é um desconstrutor que vai no campo uma paz que não havia encontrado em sua vida tão atribulada. Um desmonte de estruturas de séculos anteriores (o nosso presente) cujos significados haviam já se perdido. Numa espécie de desmonte dele próprio, ele talvez busque no campo uma construção de si mesmo.

MaisPB – Os personagens são incríveis – o João Robert, Takashi Makaoka, Gonçalo Ching, Natasha, o pai dela, o avô dela, uma infinidade de ligações perdidas, além do imenso Julio Dansetto. Como foi a convivência com esses personagens, durante a construção do romance?

Carlos Eduardo Magalhães – Poxa, obrigado. Procuro viver cada personagem que escrevo. Procuro a voz de cada um, como se cada um fosse protagonista do romance. Eles vivem intensamente em mim e demora um tempo para irem se apagando. É importante sumirem para que outros personagens possam vir.

MaisPB – Seria Montaigne o fio condutor ou é apenas uma ilustração para iluminar os assombros da vida das personagens?

Carlos Eduardo Magalhães – Montaigne foi mais uma ilustração, como se o personagem João Robert tivesse se inspirado nele para se isolar no campo, para pensar e escrever.

MaisPB – Eu posso dizer que seu livro é baseado em fatos reais?

Carlos Eduardo Magalhães – Apesar das referências reais, como o comício das Diretas Já, a geografia de São Paulo, uma ou outra cena que de fato vi, como um punk sendo perseguido pelos skinheads, ou uma passagem pelo meio da cracolândia quando errei o caminho ao sair de carro da Sala São Paulo, uma sala de concertos no centro da cidade, o livro é inteiro ficcional.

MaisPB – A escravidão está na sua obra e em todo Brasil – nunca vai acabar. Concorda? 

Carlos Eduardo Magalhães – Na história humana, em civilizações que não se tocaram, o homem escravizar o homem parece uma constante. Mas gosto de acreditar que vai acabar sim, que esse mal conseguiremos abolir. Já não é aceito como normal na maior parte das civilizações, pra falar a verdade não sei de nenhuma que hoje defenda abertamente a escravidão. E era algo normal a pouco mais de 150 anos, hoje, ainda bem, é visto como brutal.

MaisPB – E aí, será que teremos Direito ao Esquecimento?

Carlos Eduardo Magalhães – Não sei, talvez ela aconteça pelo excesso. É tanta informação, tantas pessoas aparecendo, que o esquecimento virá daí. Como um copo de areia perdida na areia da praia.

MaisPB – O livro fecha exatamente com a assertiva de que as coisas definitivas não fazem sentido, mas não fazem mesmo, né?

Carlos Eduardo Magalhães – Concordo, me parecem que não fazem mesmo, sobretudo a mais definitiva de todas, que é a morte.

MaisPB – Como você trabalha, já está pensando noutro romance, ou vamos deixar as ideias nos levar?

Carlos Eduardo Magalhães – Para mim, é como se houvesse um represamento que vai acontecendo e um dia a represa estoura e eu escrevo. Preciso de uma história que me parece boa de ser contada e que leve a uma espécie de transe, que me traga pra dentro dela. Quando termino um livro, vem um vazio, a jarra vazia. Demora um pouco pra entrar em outro livro. Mas estou trabalhando em um novo romance, agora, tenho curiosidade para ver no que vai dar, espero terminá-lo no primeiro semestre de 2024.