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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Viajar é bom…

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publicado em 03/06/2023 às 08h16

Gosto de viajar e gosto, sobretudo, de viajar de carro. O carro nos possibilita ir parando onde queremos e ir apreciando a beleza dos lugares. A viagem, por mais longa que possa parecer, torna-se prazerosa pelas descobertas deslumbrantes da paisagem, dos lugares, das pessoas, dos animais. Viajar é bom, embora tenha o seu lado complicado e irritante, quando temos de enfrentar as muitas adversidades da estrada e do pouso.

Viajamos, Alcione e eu, muito para a Bahia, sempre em visita a uma irmã querida, Milfa. Já palmilhamos os três caminhos possíveis para chegar até Alagoinhas, cidade em que ela mora, entre Salvador e Feira de Santana: a BR-101, a mais comum e que considero mais inviável, apesar de apresentar a menor distância; a via litorânea, pegando o litoral sul em direção a Pernambuco e Alagoas, estrada bonita, que termina às margens do rio São Francisco, proporcionando-nos uma travessia de balsa entre Penedo e Neópolis, já no estado de Sergipe. De lá, conectamos a BR-101, na altura da Polícia Federal, após a fronteira Porto Real do Colégio e Propriá, separada pelo Velho Chico. Trata-se de uma rota mais longa, compensada pela bela paisagem e pela passagem na foz do São Francisco, na praia do Pontal do Peba (AL).

A terceira via, por Paulo Afonso, é a mais longa, mas a estrada é melhor, livre dos caminhões de cana, que infestam a BR-101. A distância maior é compensada pela travessia da ponte entre Delmiro Gouveia (AL) e Paulo Afonso (BA), sobre o maravilhoso cânion do São Francisco, além do efeito psicológico de pular o estado de Sergipe. Esta via também nos oferece a visão de um relevo cristalino inigualável, a ponto de eu chamar uma das serras, entre Paulo Afonso e Jeremoabo, de “Minha Micenas”, numa alusão à mítica cidadela de Agamêmnon, em Micenas, na Grécia. É uma fortaleza natural, ciclópica, de pura pedra inexpugnável, cuja majestosa imponência se avista de longe. Por outro lado, vamos mapeando os lugares onde podemos fazer paradas, escolhendo os melhores pontos para almoço, lanche e sanitário. O Rei das Coxinhas, por exemplo, é parada mais do que necessária: bom lanche, bom almoço e banheiros sempre limpos.

Apesar do apelo sedutor das descobertas e do prazer de rever as paragens, sempre encontrando novidades, as viagens de carro pelo Brasil, ao menos no Nordeste, do Rio Grande do Norte à Bahia, que conheço bem, trazem também o desprazer. Não me entendam mal. Sou brasileiro, conheço o exterior, gosto de viajar ao exterior, mas não troco o meu país por nenhum. Não quero morar fora daqui, apenas reconheço o descaso com a nossa cultura e as nossas maravilhas, que, em havendo estradas boas, poderiam ser mais bem usufruídas.

Fizemos recentemente uma viagem a Arapiraca, para participar de um evento na Universidade Estadual de Alagoas. Evento maravilhoso, em que fomos muito bem recebidos e, sobretudo, acolhidos, pelo professor Douglas Gonçalves e sua equipe. A viagem de carro só nos confirmou o que já sabíamos e do que reclamávamos, nas viagens anteriores: estradas com buracos, sem acostamento, sem terceira pista em subidas, para os veículos lentos; algumas trafegáveis, outras carroçáveis, sem sinalização horizontal ou vertical, placas destruídas, quebradas, apagadas, ilegíveis, lombadas sem distinção da cor do asfalto, sem a devida sinalização ou com uma sinalização na própria lombada…

Mesmo para quem conhece as rodovias, às vezes é muito difícil não se perder no caminho, pois, em muitos casos, a sinalização da rodovia, o quilômetro em que estamos, informação decisiva, para que possamos nos comunicar, em caso de acidentes, não existe. O motorista vai no sentido da venta, adivinhando os caminhos ou parando para perguntar o sentido que deve tomar. Os problemas e aborrecimentos não param por aí. Existem os motoristas irresponsáveis, ultrapassando onde não devem, em alta velocidade ou em carros sem a menor condição de tráfego, completamente apagados. Há, ainda, vários postos de Polícia Rodoviária em que não se encontra viva alma…

Arapiraca é um tanto escondida. Depois de Santana do Ipanema, vai-se até Palmeiras dos Índios e o motorista vê-se obrigado a retornar 40 km. De Garanhuns, onde passamos a noite, a Arapiraca, são 130 km. Na saída de Garanhuns, perdemos a entrada por causa da chuva e da neblina, e o resultado é que acabamos por rodar mais do que o dobro: 270 km! Tudo por falta de sinalização. Chega uma hora em que o Google Maps não ajuda, colocando-nos em situações muito ruins e em alguns lugares que o francês chamaria de coupe-gorge, corta-garganta… Uma verdadeira odisseia. Nas estradas brasileiras, entregues à intuição e à paciência, temos que ter os cem olhos de Argos, sempre vigilantes, para não capitularmos à falta de informação e ao descaso dos irresponsáveis e imprudentes.

Os hotéis são um capítulo à parte. Muito do que prometem nos seus sites não existe. A realidade é outra: restaurante que só funciona no café da manhã, academia de ginástica fechada “para manutenção”, televisão a cabo, limitada a pouquíssimos canais, com chuviscos, interferências e imagem tremendo; falta de ducha higiênica, vazamentos no box do banheiro, água quente fora do controle, qualidade da água que acaba um sabonete em dois banhos, demora no atendimento a algumas solicitações simples, como toalha de mão ou mais uma toalha de banho… Faça-se justiça, no entanto, ao excelente Bristol, na entrada de Delmiro Gouveia, que não fica devendo nada a hotel algum.

É em situações assim que a frase a intitular este texto deve ser completada: viajar é bom… mas voltar para casa é bem melhor. E, em se tratando das condições precárias estradas brasileiras, a melhora é exponencial. Nada disso, porém, tira a satisfação de ganhar a estrada, de conhecer, de explorar, de ir descobrindo. Em agosto, Canudos nos espera.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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