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Educador Físico,  Psicólogo e Advogado. Especialista em Criminologia e Psicologia Criminal Investigativa. Agente Especial da Polícia Federal Brasileira (aposentado). Sócio da ABEAD - Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas e do IBRASJUS - Instituto Brasileiro de Justiça e Cidadania. É ex-presidente da Comissão de Políticas de Segurança e Drogas da OAB/PB, e do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas do município de João Pessoa/PB. Também coordenou por vários anos no estado da Paraiba, o programa educativo "Maçonaria a favor da Vida". É ex-colunista da rádio CBN João Pessoa e autor dos livros: Drogas- Família e Escola, a Informação como Prevenção; Drogas- Problema Meu e Seu e Drogas - onde e como lidar com o problema?. Já proferiu centenas de conferências e cursos, e publicou dezenas de artigos em revistas e livros especializados sobre os temas já citados.

Drogas, descriminalizar ou não?

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publicado em 30/05/2023 às 07h00
atualizado em 29/05/2023 às 16h24

Por considerar que este é um tema bastante atual e polêmico, e que está em pauta nos últimos dias, face a estar na mesa do Supremo Tribunal Federal – STF, para julgamento, decidi entrar na discussão.

É certo que a humanidade consome drogas há milhares de anos, mas se tal hábito no passado tinha como finalidade principal remediar doenças ou fazer parte de rituais religiosos, na sociedade contemporânea a maior parte deste consumo é com finalidade meramente recreativa, o que tem preocupado as autoridades públicas e a comunidade em geral, pelos incontáveis danos e prejuízos que esse comportamento abusivo tem acarretado a toda a humanidade.

Este é um tema complexo, e, portanto, reclama uma discussão profunda de todos os seus aspectos, não devendo sua análise ser reduzida a um mero posicionamento contra ou a favor, como normalmente acontece.

Nesta discussão, por vezes a sociedade confunde a descriminalização (deixar de ser crime, mas podendo continuar proibida), com a liberação das drogas (venda livre, sem restrições). Portugal, por exemplo, descriminalizou o consumo de todas as drogas, mas muitas continuam proibidas, e dependendo do caso o usuário / dependente poderá ser submetido a medidas socioeducativas rígidas.

Os defensores da legalização geralmente usam os seguintes argumentos para defenderem suas posições: o dependente químico é um doente e, portanto, precisa de tratamento, não de repressão; a legalização tiraria o lucro do traficante; a guerra está perdida é melhor liberar; o uso de drogas é um direito individual do cidadão; os impostos cobrados com a venda das drogas legalizadas financiarão o tratamento dos dependentes etc.

Por outro lado, aqueles que são contra a legalização rebatem com argumentos não menos convincentes como: mesmo sendo um doente o dependente precisa ser corresponsabilizado; a legalização não tirará o lucro dos traficantes, pois estes continuarão vendendo drogas mais potentes ou não incluídas no rol das legalizadas; a guerra não está perdida, o que falta é investimento em campanhas educativas preventivas; os impostos cobrados não seriam suficientes para bancar o tratamento dos dependentes, a exemplo do que ocorre com os tributos cobrados de drogas já legalizadas, como álcool e tabaco, que se constitui num grande prejuízo à nação.

Ainda segundo a corrente contrária à legalização, as drogas mais consumidas na atualidade são exatamente as lícitas, como o álcool e o tabaco, e contra estas não há guerras, mesmo assim são as que mais provocam danos sociais e de saúde em todo o mundo.

É importante registrar que, segundo a Organização Mundial de Saúde, cada um real arrecadado pelo governo brasileiro com os altos impostos do cigarro (tabaco), são gastos aproximadamente 1,52 (um real e cinquenta e dois centavos) para tratar as doenças relacionadas a esta droga. Em relação ao álcool não é diferente, pois os tributos arrecadados com a produção, distribuição e comercialização das bebidas alcoólicas correspondem a 2,4% do Produto Interno Bruto brasileiro, e os gastos diretos e indiretos para remediar os danos provocados por esta substância chegam a 5,4% do PIB nacional.

A verdade é que, quanto mais fácil o acesso a uma droga, e quanto mais tolerante a sociedade for em relação a um determinado comportamento, maior a probabilidade que este venha a se repetir e aumentar. Daí a justificativa para que álcool e tabaco sejam as drogas mais consumidas em todo o mundo, e no Brasil não é diferente.

Não há dúvida que a maioria esmagadora da sociedade brasileira, independente da sua opinião, contra ou a favor da descriminalização do uso de drogas, deseja uma diminuição no número de mortes de jovens no nosso país e a interrupção do lucro fácil dos traficantes. Mas será que isso acontecerá caso tal consumo deixe de ser crime? Aparentemente não foi o que aconteceu em países como: Holanda, Uruguai, Portugal, por exemplo, que promoveram tal flexibilização. A Holanda legalizou com controle, o consumo de maconha desde 1976, mas, segundo afirma o jornalista Lucas Morais Gualtieri, em artigo intitulado: “O fracasso das experiências internacionais na legalização das drogas”, publicado em https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania, datado de 07/062021, …”a legalização aumentou significativamente o consumo desta droga, não acabou com o comércio ilegal que vende a maconha potencializada, e consequentemente cresceu o número de dependentes e internações hospitalares”, na Holanda.

Em relação ao Uruguai, e de acordo com os próprios dados apresentados por órgãos governamentais daquele país, o consumo de maconha passou de 9,3% em 2014 para 14,6% em 2018, após a legalização. A imprensa uruguaia tem relatado que, apenas um em cada três consumidores uruguaios adquire a maconha no mercado regulamentar, portanto, os traficantes continuam se locupletando, e o número de homicídios triplicou nos últimos anos.

Já em Portugal, país cuja cultura é similar à nossa, o consumo de todas as drogas foi descriminalizado em 2001. Reafirmo, que neste país houve descriminalização do porte para consumo pessoal, e não liberação.  Foi abolida a figura do crime, mas o consumo de muitas drogas continua proibido e passível de punição com medidas socioeducativas muitas vezes rígidas. Pela legislação portuguesa, os usuários são encaminhados para as Comissões de Dissuasão da Toxicodependência (CDT), compostas por assistentes sociais, promotores, psiquiatras etc., onde são propostas intervenções médicas, tratamento, cuidados específicos, inclusive internação involuntária e também punições como: multas, suspensão da carteira de motorista, do porte de arma e outras.

Neste país, embora os dados estatísticos sejam muito divergentes em relação às políticas sobre drogas, a maioria dos estudos atesta que, após a citada descriminalização, aumentou consideravelmente o consumo de maconha, contudo com o passar dos anos houve uma tendência à estabilização. É importante frisar que, paralelamente a esta política de descriminalização, Portugal trouxe atrelada também iniciativas diversas de melhoria dos espaços públicos (iluminação pública, limpeza e ambientação das ruas), e implantação de equipamentos sociais e de saúde, próximos aos locais onde tais usuários se aglomeram, para atendimento destes.

Assim, na minha ótica, esta política implantada por Portugal, certamente é a que poderia ser adotada pelo Brasil, haja vista que, apesar da lei de drogas nacional ainda taxar como crime o consumo de certas drogas, praticamente não mais existe penalização. Mas, reafirmo, que um dos requisitos importantes numa política educativa sobre drogas é a diminuição global do consumo destas substâncias. Portanto, o mais importante é a implantação de políticas educativas que visem desestimular o consumo indevido de todas as substâncias psicoativas, inclusive as terapêuticas, a exceção de quando estas forem prescritas pelo profissional competente.

Ademais, arrisco dizer que, dificilmente teremos sucesso apenas com a adoção de uma política nacional legalista sobre drogas, seja esta repressora ou liberalista. O sucesso de qualquer que seja a política pública depende do maior ou menor envolvimento tanto do poder público quanto da sociedade civil organizada com a causa.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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