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Kubitschek Pinheiro MaisPB
Fotos – Daryan Dornelles e divulgação
Milton Nascimento chegou aos 80 anos na última quarta-feira (26) Para festejar, a Editora Record lançou a antiga biografia do artista, que retorna às livrarias 16 anos após o lançamento, neste mês de outubro.
Feita com o aval do Milton, a biografia “Travessia – A vida de Milton Nascimento” escrita por Maria Dolores, jornalista e produtora cultural criada em Três Pontas, cidade mineira onde o cantor foi morar com a família, na infância, após o nascimento no Rio de Janeiro, é um documento valioso da vida e obra de Bituca.
Em posfácio de quatro páginas, a autora expõe os fatos mais relevantes da trajetória artística de Milton de 2007 a este ano de 2022.
Instigante trabalho jornalístico de Maria Dolores, a vida e a obra monumental de Milton Nascimento mostra que sua biografia ainda é uma travessia do artista, que está circulando o mundo com a turnê com “A Última Sessão de Música”
Milton Nascimento não é apenas um dos maiores artistas da Música Popular Brasileira: ele é um dos maiores artistas da música ocidental. O cantor e compositor é responsável por um repertório inovador e se tornou influente no mundo inteiro.
A autora Maria Dolores é casada, mãe de três filhos, produtora cultural e jornalista formada pela UFMG. Há mais de dez anos realiza projetos culturais e palestras em todo o Brasil e, durante a pandemia, retomou aquilo que mais gosta de fazer: escrever.
MaisPB – Vamos começar pela 5ª edição, lançada agora pela Record, exatamente no ano que Milton chega aos 80 anos?
Maria Dolores – Já há alguns anos o livro impresso estava esgotado. Apenas o e-book continuava disponível. E havia uma procura do livro por fãs e interessados em música e cultura brasileira. Os 80 anos do Milton foi a oportunidade para a editora lançar uma nova edição.
MaisPB – Essa edição chega atualizada ou segue as outras? Aliás, poderia falar das edições anteriores?
Maria Dolores – Desde a primeira edição, em 2006, o livro saiu pela editora Record. Esta edição atual, especial pelos 80 anos do Milton, tem um novo projeto gráfico, novas imagens e um posfácio com a inclusão do único álbum do Milton que estava fora do texto original, porque foi lançado em 2010, o disco “E a gente sonhando”. O posfácio traz um resumo dos principais fatos da vida dele até aqui. Mas o texto principal é exatamente o mesmo das anteriores.
MaisPB – Você acredita que tudo isso tem a ver com a cidade Três Pontas, o livro, seu texto, a história e o sucesso de Milton?
Maria Dolores Eu acredito que Três Pontas tem um papel fundamental nessa história. O Milton é um artista, um gênio. Ele seria Milton Nascimento onde quer que tivesse crescido. Na China ou em Niterói. Mas ele é o Bituca porque cresceu em Três Pontas. A história dele, a pessoa que ele se tornou e os caminhos que seguiu estão intimamente ligados ao fato de ter crescido nessa pequena cidade, ao sul de Minas, nessa família, com os amigos que teve, as pessoas que conviveu. O meu livro tem também tudo a ver com Três Pontas. Foi meu Trabalho de Conclusão de Curso da UFMG, e eu queria fazer meu TCC sobre um tema de Três Pontas, cidade onde também cresci. Entre os temas que achei interessantes, escolhi o Milton. Não poderia ter escolhido melhor.
MaisPB – O livro é diferente das biografias que lemos. Não é uma reportagem enorme, mas parecem ensaios do começo ao fim. Estou certo?
Maria Dolores – Não sei dizer. Pode ser que sim. Mas não escrevi pensando em ensaios nem em uma grande reportagem. Eu escrevi pensando em contar uma história, a história que eu descobri fazendo a pesquisa, conversando com as pessoas. Apesar de ser de Três Pontas, eu não tinha ideia da história do Milton. Descobri ao entrevistar o pai dele, Seu Zino. Fiquei encantada com tudo o que ele me contou. Pensei: “Gente, é um romance pronto, só falta passar para o papel”. E foi o que me propus a fazer, passar essa história para o papel.
MaisPB – Além das diversas entrevistas, a gente percebe que você leu muito para transformar seu texto, num bom livro…
Maria Dolores – Li sim, tudo o que encontrei que tivesse relação com o Milton, a música brasileira da época dele, das épocas. Li também jornais, revistas, acervos inteiros de documentos e livros de costumes, que falavam com as pessoas que viviam em cada lugar de determinado período, para saber, por exemplo, que tipo de programas de rádio ouviam. Foi uma leitura tanto técnica, da parte musical, quanto do entorno, para contextualizar a história do Milton nessa história maior, que é a do país, do mundo.
MaisPB – No miolo a gente percebe que ele topou na hora e você foi tocando o projeto. Foi muito bom ficar perto de Milton Nascimento durante as temporadas de trabalho e entrevistas?
Maria Dolores – Foi exatamente assim. A única combinação que nós dois tivemos sobre o livro foi um dia, quando perguntei: “Vou escrever sua biografia, você me dá as entrevistas?”. E ele respondeu “Dou”. Ele leu o livro só quando estava pronto, mas acho que gostou, porque quis cantar nos lançamentos e depois sempre divulgava o livro, dava de presente para as pessoas. Estive com o Milton durante 4 anos, fazendo entrevistas ou acompanhando em alguns eventos de trabalho ou pessoais, mesmo a rotina na própria casa, para ter material para o livro. Foi um período incrível, um privilégio.
MaisPB – Você o trata mais como Bituca. Criou esse hábito durante a produção?
Maria Dolores – Em Três Pontas ninguém chama o Milton Nascimento pelo nome, todo mundo só fala Bituca, que é o apelido. Então, foi um processo natural. Se eu chamasse ele de Milton seria artificial. Eu sou de Três Pontas, não havia outra forma natural de tratá-lo.
MaisPB – Vamos falar do show que ele fez em Três Pontas, para a cidade amada, tantos anos depois?
Maria Dolores – Foi um show incrível, porque foi diferente. Foi muito informal. Era um evento organizado por Márcio Borges, referente ao Clube da Esquina. O Milton acabou concordando em fazer uma participação, mas acabou fazendo um show. O evento foi no Centro Cultural que leva o nome dele, um teatro pequeno. Foi muito íntimo, mesmo porque não cabia mais gente, estava lotado, foi tipo estar de volta em casa, cantando na sala com os amigos. Por isso foi muito emocionante.
MaisPB – Legal a história dele com Ayrton Sena, né?
Maria Dolores – O Milton era muito amigo e também fã do Ayrton Sena. Foi uma amizade de pouco tempo, porque o Sena infelizmente morreu, mas foi bastante intensa, como quase tudo na vida do Milton. As relações tinham muita intensidade e magia. Coisas incríveis aconteciam com as pessoas quando estavam com o Milton, como foi o caso do Ayrton Sena.
MaisPB – É tão lindo o décimo capítulo que traz a história da canção “Paula e Bebeto”, que Caetano Veloso colocou a letra?
Maria Dolores – Essa música é uma das que mais gosto, tanto pela música em si, quanto pela história. O Bebeto é de Três Pontas, então tem mais esse peso. Mostra o quanto o que eu disse é verdade, o peso que Três Pontas teve na vida do Milton, na construção da história e da personalidade dele. Além disso, a letra do Caetano, baseada na história que o Milton contou sobre esse casal de amigos, virou um símbolo das formas de amar, do amor, das coisas importantes da vida.
MaisPB – Caetano no disco novo “Meu Coco” – na faixa “GilGal” o chama de o “imenso Milton Nascimento” – é imenso mesmo , né?
Maria Dolores – Sim, um artista imenso. Há alguns anos eu passei a organizar festivais de música, então trabalho e convivo com muitos artistas. Poucos tem o que o Milton tem, que é essa imensidão, essa coisa natural. A arte do Milton não é algo forçado, algo pensado para atingir esse ou aquele fim. É arte em estado puro, algo que simplesmente vem dele, surge nele. Por isso é imenso, porque é um talento raro.
MaisPB – Qual foi a reação dele quando recebeu a primeira edição?
Maria Dolores – Como disse, acho que ele gostou. Ele nunca falou: gostei. Nunca disse nada, mas quis cantar nos lançamentos do livro, sempre dava de presente para as pessoas, compartilhava, divulgava. Então eu acho que gostou.
MaisPB – E o Márcio Ferreira, que controlava a vida do artista…
Maria Dolores – O Márcio Ferreira teve um papel muito importante na profissionalização e internacionalização da carreira do Milton. Importante reconhecer isso. Mas, com o tempo, ele passou a controlar tudo na vida do Milton e isso acabou o deixando esgotado, doente. Infelizmente acontece muito na vida dos artistas, ter um empresário que acaba tendo um controle excessivo, passando dos limites do profissional.
MaisPB – Como teve acesso às fotos? O que mais lhe tocou nessa história de Bituca que está fazendo a última turnê da vida dele?
Maria Dolores – O Milton me permitiu fazer uma pesquisa em todas as fotos que havia na casa, as irmãs dele me permitiram pesquisar no acervo familiar, o pai dele me permitiu pesquisar nas fotos da casa, abrir gavetas. A empresária na época, Marilene Gondim, também me permitiu pesquisar as fotos que havia no escritório. Além disso, para todas as pessoas que entrevistava eu perguntava se tinham fotos. O Gilberto Gil me emprestou várias. No final, eu tinha muitas fotos, muitas imagens, muito mais que o possível para incluir no livro. Então a editora Record foi quem acabou fazendo a seleção final.
MaisPB – E o que mais lhe tocou?
Maria Dolores – O que mais me tocou na história do Milton foi o quanto ele conseguiu superar. Para mim, a vida dele é mais do que a história de um artista, é uma história de superação. Ele tinha todos os obstáculos possíveis. Filho negro adotivo de uma família branca numa cidade conservadora do interior de Minas. Sem falar em outros obstáculos que foram surgindo. E o Milton superou um a um. Por isso, é o que mais me tocou, a superação.
MaisPB – Ficou alguma coisa de fora?
Maria Dolores – Acho que não. Fico muito feliz em poder falar do livro. A história da nossa cultura, da nossa música, tem perdido espaço. Então é gratificante ver esse esp
ENTREVISTA À REDE MAIS - 12/09/2025