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Kubitschek Pinheiro MaisPB
Fotos – William Thompson
Quem nunca ouviu Antônio Carlos & Jocafi cantando “Você abusou, tirou partido de mim, abusou” e tantos outros sucessos, vai gostar da novidade: eles estão de volta para apresentar às novas gerações o “Afro Funk Brasil”, numa seleção de canções revisitadas. mais de 40 anos depois, em novas gravações ao lado da Orquestra Violões do Forte de Copacabana.
“Afro Funk Brasil” traz novas versões das faixas: “Simbarerê”, “Kabaluerê”, “Chamego de Iná”, “Glorioso Santo Antônio”, “Quem Vem Lá”, e a inédita “Ogun Ni Lê”, esta última, com a participação do parceiro musical da dupla, Russo Passapusso, responsável também por batizar o projeto de “Afro Funk Brasil”. O EP sai via Altafonte, com arranjos e produção musical de Luiz Potter, regente da Violões do Forte. Em novembro, AC e Jocafi e Russo também lançarão um disco de inéditas, “Alto da Maravilha”. A capa e o projeto gráfico são de Filipe Cartaxo.
O primeiro single que saiu, “Glorioso Santo Antônio”, foi gravado pela primeira vez no terceiro disco da dupla, “Antonio Carlos & Jocafi”, de 1973. Após tornar-se um grande sucesso nos Estados Unidos, sendo regravada por artistas como Los Sobrinos de Juez e Carlos Oliva.
O EP saiu em LP e foi lançado na Feira de Vinil do Rio de Janeiro, no dia 25 de setembro passado.
Na Bahia dos anos 70, nasce o afrofunk
Em alguns cantos do mundo, em meados dos anos 60, o funk começa a nascer com inspiração no jazz, no R&B e no gospel. Já no Brasil, onde tudo se reinventa com muita criatividade, o funk ganha nossas tintas culturais e rimas fortes na efervescente década de 1970, mesma época em que os baianos Antônio Carlos e Jocafi viviam o auge da sua criatividade musical.
Os artistas conversaram com o MaisPB e trazem as novidades do EP e de outros álbuns que serão lançados ainda este ano.
Antônio Carlos
MaisPB – Como aconteceu essa ideia do Afrofunk?
Antônio Carlos – Nós sempre fizemos essas músicas, desde o primeiro disco, que tem ‘Kabaluerê’ que está no filme de Pelé e fará parte da trilha sonora do filme do Ronaldo Fenômeno. Marcelo D2 gravou. A boa ideia veio de Marcia Belchior que é nossa produtora, então, juntamos todas essas canções num disco só.
MaisPB – Essa é a tendência?
Antônio Carlos – Sim, já estamos fazendo o AfroSamba número 2.
MaisPB – Como se deu a aproximação com o Russo Passapusso, líder do BaianaSystem?
Antônio Carlos – Ele é uma figura, é como se fosse um filho, ele é muito mais que um amigo – o Russo e Márcia Belchior são responsáveis por essa volta da gente. Duas pessoas com 77 anos, eu Jocafi, para ter vontade de fazer música, tem que ter um apoio muito grande. Então, resolvemos trabalhar. Nós fizemos agora um disco nos Estados Unidos, em Los Angeles, outro disco. E estamos preparando mais dois discos, um com Russo e o AfroFunk 2.
MaisPB – Conta aí desse encontro com Russo?
Antônio Carlos – O Russo cresceu escutando nossas canções. A mulher dele trabalha na TV Educativa da Bahia. A gente estava fazendo um show no Teatro Rubi e para divulgar, fomos convidados para ir ao programa dela. Russo pegou os discos e levou para a gente autografar, daí nasceu uma amizade grande. Veio a pandemia e começamos a trabalhar juntos.
MaisPB – Quase que vira um trio, Antonio Carlos, Jocafi e Russo?
Antônio Carlos – Rapaz, nós já temos mais de trinta músicas juntos, tudo em parceria com ele, foi amor à primeira vista.
MaisPB – Quem foi que não cresceu ouvindo Antonio Carlos e Jocafi?
Antônio Carlos – Pois é, muita gente. Fico muito feliz com isso. O Nordeste é muito diferente do Sul, aí eu sei que nós nordestinos somos muito mais musicais, que os Cariocas que não nos escutem.
MaisPB – Nesse EP tem uma inédita, Ogum Ni Lê?
Antônio Carlos – Essa canção não é de Russo, é só minha com Jocafi. Ela veio na linha de , ‘Kabaluerê’ e tem uma outra que vamos gravar, que se chama “Tá com medo por que?”. Já gravamos nos Estados Unidos e vamos incluir AfroFunk aqui no Brasil.
MaisPB – Teve um tempo que você e Jocafi saíram do Rio e foram morar na Bahia?
Antonio Carlos –Não, a gente ia e voltava. Na verdade, os baianos nunca abandonam a Bahia, porque a Bahia é a maior compositora, a Bahia é quem faz isso, a cultura negra, que é só música, cultura. A herança musical que a gente tem da Bahia é uma coisa fantástica. A música tem o gosto da Bahia. Compositores baianos, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, são muito evoluídos.
MaisPB – Vamos falar do clássico Você Abusou?
Antônio Carlos – Essa ai a letra é minha e a melodia, de Jocafi. É uma das músicas mais famosas do mundo. Eu gosto dessa canção.
MaisPB – E essa orquestra do Forte de Copacabana nesse EP?
Antônio Carlos – É uma história muito bacana, essa orquestra é uma criação de Márcia Belchior e eu sou o diretor para ensinar aos meninos. Eu aprendi música depois de velho. No início eu não sabia musicar, mas a partir de 63 anos, comecei a estudar música para ensinar aos meninos. Eles tocam de verdade, nada de meia-boca. Eles são filhos musicais. Eu ensinei harmonia, improvisação. São 25 na Orquestra mas 50 estão aprendendo.
MaisPB – E o glorioso Santo Antônio?
Antônio Carlos – Esse refrão é Bahia, é das novenas de Santo Antônio e nós usamos muito isso em nossas músicas. Tem uma canção da gente que Luiz Gonzaga gravou “Chuculatêra fervendo, De café cheinho ou meio, Me dê dois tons de conversa, morena, E baixe a saia dos joêio. Mamãe se eu subir eu caio, Nas gaia do cajueiro“ canta ele pelo telefone. “Isso aí também é domínio público lá da Bahia”.
MaisPB – As músicas de vocês estão sendo gravadas pelos artistas jovens. A cantora Céu gravou “Teimosa”. Como vocês vem essa iniciativa?
Antonio Carlos – Tem coisa mais gratificante? Não tem. É muito bom um jovem do nosso lado. Céu é muito querida, é uma benção. Xenia gravou também.
MaisPB – E o disco que você vai lançar com o Russo?
Antônio Carlos –Esse disco vem muito forte, já saiu uma faixa com participação de Gilberto Gil, chamada Mirê, Mirê.
MaisPB – Como aconteceu a música em sua vida?
Antônio Carlos – Tudo começou a partir do meu casamento com Maria Creuza e nesse tempo não tinha Jocafi, ele era meu concorrente. Eu fui primeiro para São Paulo com Maria Creuza, em 1967. Ele fazia a música dele e cantava, eu fazia a minha e Maria Creuza cantava, até que apareceu na nossa vida um cara chamado Ildázio Tavares, meu parceiro. Através dele, Jocafi pediu para eu colocar letra numa música dele e ficamos amigos. A partir daí começou o afrofunk, nós tínhamos uma música chamada Ossain (Bamboxê) e foi essa música que deu início ao afrofunk da gente, essa canção tem mais de 50 anos.
MaisPB – Qual foi a canção sua que Maria Creuza defendeu no Festival de 1967?
Antônio Carlos – Em 1967, ela cantou “Festa No Terreiro De Alaketu“, que até Elis Regina queria cantar, mas na época eu não poderia deixar minha esposa na Bahia e ir para São Paulo sozinho. E ela cantou muito bem.
MaisPB – Vocês vinham muito à Paraíba?
Antônio Carlos – Oxente, dezenas de shows. Cantamos muito no Teatro Santa Roza e foi lá que tive a melhor notícia, de que uma das maiores cantoras do mundo Celia Cruz havia gravado “Você Abusou”. Ela adorava a gente, eu e Jocafi. José Feliciano da minha época, homenageou a cantora Célia Cruz num show dela, cantando nossa música. É a melhor gravação de “Você abusou”, que Ella Fitzgerald cantou em Montreux Jazz Festival 1975.
Jocafi
MaisPB – É uma prerrogativa baiana fazer música com o teor africano?
Jocafi – Sim, a música da Bahia tem muito da cultura africana. Na verdade, foi a cultura africana que chegou ao Brasil e se envolveu com tudo – nossa comida, os pretos que vieram da África, que trouxeram essa cultura. Isso é sensacional, na parte da música foi a mais contundente. O forró vem da música africana, o baião, o coco, esses ritmos vêm de lá.
MaisPB – O Coco de Jackson do Pandeiro?
Jocafi – O Coco e a Embolada também é afro. Mas a parte mais importante veio da África.
MaisPB – Essa amizade com o Russo se solidificou total?
Jocafi – Ele é um dos líderes do BaianaSystem (uma banda brasileira de reggae fundada no ano de 2009), e é seu o cantor. É ele que bota na cabeça da gente essas maravilhas do BaianaSystem. É como se fosse filho da gente.
MaisPB – Teve um show em Salvador, no Teatro Rubi, em Campo Grande, que vocês fizeram e o Russo cantou?
Jocafi – Sim, as pessoas não esperavam e foi incrível. Depois nos apresentamos com Zeca Pagodinho, foi muito bom.
MaisPB – E de onde veio o Samba?
Jocafi – O batuque do samba veio da África. Eu divido o samba em duas partes: a feita na Bahia, que foi o descobrimento, a essência do samba nasceu na Bahia, o samba de roda, samba duro, misturados com o candomblé. Tinha Tia Ciata que vinha do Recôncavo baiano, em Santo Amaro da Purificação, terra de Caetano e Bethânia, ali naquele lugar, acredito que tenha nascido o samba e vinha para Salvador com o produto para serem vendidos na rampa do mercado e na ocasião eles mostraram o novo ritmo que era o samba de roda, capoeira. O povo do Recôncavo ensinou a todo povo baiano, os sambas de roda, que dá origem ao pagode e veio dar origem depois, ao samba do Rio de Janeiro, modificado, como um novo tipo de samba, que é o que nós conhecemos hoje. Trata-se de um samba romântico que mexe com as coisas do coração.
MaisPB – Como foi a seleção das músicas que entraram nesse EP?
Jocafi – Olha, a ideia era não colocar samba. “Você abusou” é samba, por isso não entrou, não é funk. Nossos sambas têm o mesmo recado que o pagode dar.
MaisPB – Fala mais da canção, “Você Abusou”?
Jocafi – É uma canção muito bonita, bastante conhecida, Célia Cruz gravou, foi um estouro em toda latino-america, na Europa e nos Estados Unidos. Ela cantava em todos os shows.
MaisPB – Como foi que você conheceu Antônio Carlos?
Jocafi – – Eu conheci Antônio Carlos disputando o Festival da Record, quando Sérgio Ricardo quebrou o violão, era grande compositor, o que ele queria fazer ali, é o que se faz hoje, o hip hop. E o povo não entendeu, porque música é música, hip hop são poemas ditos recitados, são rimas, mas recitados, tem a música de fundo.
MaisPB – Você lembra das vezes que cantou aqui em João Pessoa?
Jocafi – Adoro a Paraíba, já estive em João Pessoas várias vezes e muito mais vezes Campina Grande, que a gente adora. Eu foco triste quando soube q eu o Hotel Tambaú está fechado, fui muito feliz aí. Fizemos o Projeto Pixinguinha, quando o governo federal se preocupava com a cultura do povo brasileiro. Quem fez isso? Sarney
MaisPB – E vem aí o Afrofunk dois?
Jocafi – Sim, vamos fazer com os meninos da Orquestra do Forte de Copacabana. Essa escola é nossa, são crianças carentes e eles são muito competentes, aplicados, tocam muito. Essa ideia veio da mulher do Antônio Carlos, a Marcia Belchior, que fez um projeto para divulgar o trabalho dos meninos – músico tem que tocar. Eles estão conosco no primeiro EP e vão seguir conosco.
MaisPB – Vocês nasceram em Salvador?
Jocafi – Eu nasci no subúrbio de Salvador, Antônio Carlos nasceu na cidade.
MaisPB – Você chegou a ouvir o disco “Meu Coco” de Caetano Veloso?
Jocafi – Ainda não. É porque antigamente a gente via o LP nas lojas e comprava os discos, de Caetano, Gil, João gosta, Gonzaguinha, Ivan Lins, por quem tomamos amor e carinho. E de alguma forma somos dessa geração. Pela competência – Chico Buarque, Edu Lobo, da geração anterior a nossa. Caetano e Gil são atemporais, não tempo para eles. Continuam jovens como sempre foram. Gil parece um menino, Caetano também.
MaisPB – Quantos discos foram lançados?
Jocafi – Acho que quase 40 – não sei mais. No final do ano vamos lançar o álbum “O Auto da Maravilha” e logo em seguida, vamos lançar um disco falando sobre o Rio São Francisco, toda sua história, desde sua nascente em Minas até o final entre Alagoas e Sergipe.
MaisPB – E o disco que vocês gravaram em Los Angeles?
Jocafi – Já foi gravado em 12 dias. Ainda não tem título, está em fase de mixagem tem que colocar coro. Los Angeles é um lugar lindo.
Mirê, Mirê
Russo Passapusso e Antônio Carlos e Jocafi lançaram também nas plataformas “Mirê Mirê” com participação especial de Gilberto Gil. A canção é o primeiro single do álbum “Alto da Maravilha” (Natura Musical/Silêncio), que será lançado em novembro.
Escuta aqui Mirê, Mirê
ENTREVISTA À REDE MAIS - 12/09/2025