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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Bethânia de Cacharrel

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publicado em 17/09/2022 às 07h00
atualizado em 16/09/2022 às 20h05


 Ilustrando a vida, Maria Bethânia arrepia e provoca descobertas ao longo dos 100 minutos do filme “Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu”, do jornalista e roteirista Carlos Jardim. 

Jardim realiza, explode coração, mas não deixa brecha para que a gente saiba quem realmente é Maria Bethânia, num depoimento inédito gravado no teatro do Hotel Copacabana Palace. É preciso ter elegância para ser MB. É preciso ter coragem.


Sobra sensibilidade na construção do filme, e bate a vontade de continuar ali, esperando pelo bis, desde o início, o fim e o meio, diante do que cultivamos na conversa da cantora, que está no palco pela primeira vez descalça.


 Com a voz e as canções, ela conta que ainda menina, em Santo Amaro, adorava subir em árvores no quintal da casa, ela e o irmão Caetano, e das copas avistaram o telhado do casarão dos Veloso, e claro, estavam seguros, não exatamente pelos galhos da árvore, mas pela família, que é a maior árvore da vida.


     Ela diz que Caetano é quem comanda seu navio, desde pequena, e ele ensinou tudo a ela. Com Maria Bethânia não tem releituras, ela é a estrada e o mundo afora. Bethânia é livre, não tem idade, nem cor.


      Nesse filme de Jardim, a artista aparece em quase todas faces e fazes da vida e carreira. É lindo ela cantando ao lado da mãe, dona Canô, na Igreja de Nossa Senhora da Purificação. É belo ela festejando “Olhos nos olhos” 
com Chico Buarque, no Canecão. Ela recorda e reclama o abandono do  lugar que já foi palco de grandes nomes da música brasileira e fez parte da história do Rio de Janeiro e  hoje está em ruínas. Olho no olho.


 
Há uma cena do filme em que Bethânia aparece cantando de cacharel,  aquela gola alta, como se estivesse num filme de Godard. Bethânia é como se fosse uma cidade, muitas cidades.


Tudo nela é genuíno. E pode ganhar um tom de birra, ela é muito rigorosa, ela quer e preenche a luz perpendicular que vemos nos seus gestos, reforçando a ênfase do sagrado e nunca ninguém vai saber quem é Maria Bethânia.


Mesmo dizendo no filme que ela é humana, mas quando está no palco é Atena, que se avizinha a um desejo exibindo sensualidade e vigor de tantas Bethânia
s numa só. Bethânia é o que sua boca pronuncia.


A artista lembra de Fauzi Arap, que gostava de ouvir ela falando e foi ele quem trouxe a concepção de espetáculo que se tornou marca da cantora, misturando as canções e textos declamados. 

Em muitos momentos, ouvimos a voz de Fernanda Montenegro em off, sobre fotografias, declamando textos sobre Bethânia escritos por Fauzi Arap, Ferreira Gullar, Nelson Motta, Reynaldo Jardim e Caio Fernando Abreu. A reverência das palavras e solenidade natural presente na voz Fernanda Montenegro, faz conexão com a cantora,  que na conversa, fixa olhar sobre a vida, seu ofício, sobre o nosso país.

Vão-se passando os anos na representação infinita, que serve para nos guiarmos. É singelo a cena dela com a Mãe Menininha do Gantois e vai ficando em nós, sua voz, o aprendizado.

Daí esse culto a Maria Bethânia, misteriosamente surgindo, indo, como algo que toca na pele da gente.

Kapetadas

1 – A vitória sempre vai incomodar seus adversários. É por isso que eu não incomodo ninguém.

2 – Os dias têm o mesmo tamanho. Mas alguns se tornam grandiosos.

3 – Som na caixa: “Começaria tudo outra vez”, Gonzaguinha

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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