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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Bruna e Yolanda

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publicado em 05/06/2022 às 10h38
Numa postagem da atriz e escritora Bruna Lombardi, ao lado de sua tia Yolanda, de 93 anos, que falecera naquele dia, ou antes, não sei, chamou a atenção pela delicadeza da imagem. Lembrei de um cireneu. Não exatamente Simão Cireneu, que ajudou Cristo a carregar a cruz.
Poderia ser apenas um álbum de família, mas a cena me transportou para coisas que não existem mais. Meu pai, por exemplo, tinha muito amor pelos seus irmãos. Lembro quando minha mãe brigava com uma de suas irmãs, ele ficava para não viver. Tia Sinhá ousava e ficava passando na outra calçada, só para vê-lo de longe. Ele corria para abraçá-la. O vento estremecia.
Bruna Lombardi cita em sua postagem, o escritor Agualusa, autor de “O vendedor de passados”, uma história da natureza, da verdade e o poder transformador da criatividade, cujo personagem é uma lagartixa. Aí pensei no poema do Bandeira.
O escritor angolano José Eduardo Agualusa, nos mostra a morte de uma forma bonita, como um arco-íris que se dissolve no céu. Uma pessoa que vive até 93 anos ou mais, já pode saber, deve saber, o que viveu e que desaparecerá solene. Assim foi a passagem do ex-senador Ivandro Cunha Lima.
Na postagem carrossel de Bruna Lombardi, um vídeo dela com a tia Yolanda, as duas olhando para o mar, quando Yolanda começa a falar: “A coisa mais bonita e importante da vida, é o silêncio. Amor, a verdade está no silêncio. E no sentir a profundidade na parte do universo, que vem até nós como beijos do sol, claros e felizes de nos encontrar” Eu achei tão bonito!
Fiz uma pausa. E veio o silêncio.
Isso de escrever sobre Yolanda para um mundo velho, admirável novo, nessa irrealidade que tece histórias de outras vidas intercaladas, não teria sentido ficar em silêncio.
Quando só pudermos ler o mundo com a ajuda de outros sons, talvez tudo nos volte a parecer estranho e comovente. Talvez.
Bruna Lombardi com a tia olhando o mar, uma cena de primeiro plano, a história de quem contempla as ondas, pelo silêncio da cena, mas o silêncio precisa de uma voz.
Sabemos que o mar não dorme, igual as cidades, em seus vários andamentos, pela manhã, à tarde e à noite. Pensei em Vinicius de Moraes e li em voz alta: “De manhã escureço/De dia tardo/De tarde anoiteço/De noite ardo”.
Bruna Lombardi traz a descoberta de Yolanda para minha cabeça, quando a vida pode ser mais, pode extrair a beleza da banalidade de um dia em que uma pessoa muito querida morre.
Eu me entusiasmo e me emociono com as histórias dos outros, portando-me como o velho repórter que sou ou um antropólogo a entrevistar quem quer que seja. A vida tem esse fio do tempo.
Muitas vezes, o cenário do outro, do qual tento fazer parte que não existo sozinho, escuto uma canção que também é silêncio. Uma tia chamada Yolanda, que é nome de uma canção, já é motivo para uma crônica.
Nesses últimos dias fiquei em total silêncio. Não é uma proeza, mesmo que o final me prenda para algo feliz, bem feliz. Nada é mais harmonioso que o tempo.
Eu vou por aí a buscar o amor do gato malhado e da andorinha, do livro que Jorge Amado escreveu em 1948, um amor impossível, já que os gatos adoram devorar os passarinhos. Tudo são narrativas.
Kapetadas
1 – O outro lado da moeda não muda o valor da mesma. Medite sobre isso meu
amigo.
2 – Primavera, verão, ou to no, inverno?
3 – Som na caixa: “Esta canção não é mais que mais uma canção/Quem dera fosse uma declaração de amor”, Chico Buarque e Pablo Milanes.

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