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MÚSICA

Pau de Dar Em Doido celebra 22 anos 

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publicado em 10/04/2022 ás 14h38
atualizado em 10/04/2022 ás 15h47

Kubitschek Pinheiro MaisPB

A história é longa. O som produzido pela banda paraibana “Pau de Dar Em Doido” chegando aos 22 anos neste ano, ainda tem muita estrada. Foi exatamente mexendo nas pastas do pai, Seu Orlando, que faleceu em 1997, que Ilsom encontrou o outro lado do pai, que não conhecia, embora o tenha visto improvisando sons.

Mas foi lá no baú, que Ilsom encontrou dezenas de cordéis inteiros escritos, citações a Augusto dos Anjos  (seu pai tinha a 1ª edição do EU). Ou seja, estava diante de motivações e indicações culturais – outra gestação sonora, outro filho e o mesmo pai indicando sinais. “Fiquei com muito daquilo na minha cabeça por um tempo”, disse.

A sacada, segundo ele, “virou necessidade e vários sons começaram a aparecer na minha cabeça. Eu comecei a falar sobre isso com alguns amigos. Leco pra tocar guitarra, ia sempre a banca dele na praia do Cabo Branco com o violão e mostrava as bases pra ele tocar”,

E a banda foi se formando. “Chamei Ricardo pra tocar bateria. Eu não pensava em cantar, a ideia era que alguém fizesse o vocal. Chamei Biu. O primeiro ensaio (ou tentativa disso) foi na RCM (oficina do pai de Ricardo), uma doidera”.

“Eu queria só tocar baixo. Tiramos altos sons, rolou até uns Mundo Livre S/A.  Tentamos marcar mais alguns ensaios, mas não dava certo, sempre tinha alguém que não podia e Biu começou a ter outros interesses, Leco encheu o saco e a parada miou até que encontrei Ricardo na feirinha e tomamos uma grande!”

 Quer saber mais?  Quer saber quem mais passou pela banda?  A primeira formação?  A banda hoje? O músico e artista Ilsom conversou com o MaisPB e traz toda essa saga, os dias de festas e as porradas, o nascimento da banda e a banda disparada, tocando nos palcos brasis. Pau De Dar Em Doido significa evolução, alto astral e fortes canções.

MaisPB – Você acredita que com a viagem de seu pai, em 1997, veio a vontade de fazer som, e encontrar os cordéis, além das citações  de Augusto dos Anjos?

Ilsom – Foi uma ruptura dolorosa, sem dúvida, mas tudo aquilo que enfim eu me dava conta, já me havia sido apresentado. Quando ele me levava a feira em Cortês, quando colocava Luiz Gonzaga, Trio Nordestino pra tocar na radiola, quando deu pra ler João Cabral de Melo Neto, Augusto dos Anjos, quando me mostrou os emboladores e os violeiros…   …foi como se um grande quebra cabeças tivesse finalmente sido montado. Todas essas referências tinham me acompanhado a vida inteira, e me reconhecer nisso tudo foi algo verdadeiramente revelador. A música já fazia parte do meu mundo, falo isso como músico, pois já tocava e me apresentava em espaços alternativos e shows coletivos na sala preta da UFPB, no Sesc em mostras, no recanto universitário, e em cidades como Recife, Natal, Campina Grande, a música já era algo muito presente na minha vida, e o mundo estava aberto, uma tela em branco para colorir, e juntar literatura com Zé Ramalho, Otacílio Batista, Vladimir Carvalho, Linduarte Noronha, se tornou muito claro pra mim

MaisPB – É sempre assim, a gente quer trabalhar música e vai juntando histórias e amigos para formar uma banda?

Ilsom – Tudo começou a tomar forma pelas mãos de pessoas que me eram bem próximas, e que não necessariamente estavam envolvidos com música, mas que da sua forma, a amavam tanto quanto eu. Acredito que fazer música é isso! E essa liberdade rítmica foi o elo que nos uniu. Sempre terei carinho e gratidão a todos eles por embarcarem comigo nesse grupo.

MaisPB –  O som que vocês produzem vem de uma junção de muitas batidas, culturas, cordel, rock, e até nos remete para o funk ou não e parece com o absurdo do som criado pela Nação Zumbi. Estou certo?

Ilsom  – Nosso fruto é ancestral, afro-indígena, rural, Trindade do Pajeú, banda de Pífano de Caruaru, Quinteto Violado, Lula Côrtes, Ave Sangria, Zé Ramalho, Jaguaribe Carne, é uma árvore muito grande e o Pau de dar em doido é parte disso. Nossa herança genética tem raízes muito profundas, nosso vocabulário tem Gilberto Freire, Josué de Castro, João Pedro Teixeira, Zé da Luz, mestre Pastinha, e, tem também a feira de Oitizeiro, a pista de skate da Lagoa e o lixão do Baixo Roger.

MaisPB  – Durante um tempo vocês ficaram tocando nas “garagens”, faltava um, vinha outro músico e isso já era o embrião do Pau de Dar Doido?

Ilsom – O tempo do laboratório na verdade continuou mesmo depois da primeira apresentação, talvez um pouco pela demora, que nem foi tão grande “pensando hoje” pelo fato de não termos instrumentos e tudo era muito arranjo e na real não tão fácil encontrar no círculo de amigos quem tivesse um zabumba, ganzá, então, até conseguir levou um tempo. quando conseguimos a zabumba tudo mudou, a caixa de cadência + a zabumba davam a liga que a gente imaginava, e não tardou em rolar o primeiro convite pra se apresentar. A primeira vez que tocamos foi em um desfile da Z-AZ no Parahyba Café, não lembro direito a data, mas foi no finalzinho de 1999, novembro talvez, foi uma Jam Session totalmente instrumental e foi muito massa! Tanto que nos rendeu um novo convite pra tocar no Portal das Cores. para essa apresentação o repertório seria totalmente autoral. O fato das canções agora com letras dava uma dimensão maior ao nosso trabalho, e nos colocou no radar das bandas locais.

MaisPB  – Quando você viu que a banda estava pronta para tocar nos palcos?

Ilsom – Na verdade, a gente não pensou muito se estávamos realmente prontos para ir para o palco. Na nossa ótica, o que fazíamos era abstrato e muito intuitivo, de certa forma, sonoramente falando era bem livre. Construímos um tema base e os elementos ficavam em volta como satélites promovendo interferências e as canções podiam ter 3, 7, 10, 15 minutos se a curtição tivesse rolando, isso era atraente para o público que se sentia parte desse transe sonoro. E foi assim que a gente se moldou, meio experimental, meio disforme.

MaisPB  – Vocês já se apresentaram em vários palcos, aqui, em São Paulo, lá longe. Lembra da reação do público?

Ilsom  – A energia era muito forte e se espalhou, primeiro em Natal, depois em Recife, depois RJ, SP, Freejazz, Musikaos, MTV, Jornal Hoje, Fenart, Centro em Cena, Muriçocas do Miramar. Isso tudo sem ter um disco lançado. Hoje pensando em tudo, acredito que para a época não ter vídeo, não ter disco, acabava levando as pessoas virem assistir, pois essas era a única forma de nos ver e ouvir “é bom lembrar que estávamos em 2000, 2001”

MaisPB – Quando gravaram o primeiro CD?

Ilsom – Chegamos a gravar uma primeira demo tape em 2000 com 4 músicas, deste primeiro material uma música chamada CORDEL entrou na programação das rádios locais graças a Jorgito que era programador “de uma destas rádios” e nos deu não apenas espaço, mas se tornou um grande incentivador da nossa correria, isso fez muita diferença naquele momento! Gravamos outro material em 2001 que chegou a rolar bem, e nos abriu novas portas. No final de 2002 demos uma parada e só retomamos os trabalhos em 2016 quando gravamos 4 sons novos, e voltamos a nos apresentar em festivais locais, e resolvemos enfim gravar um primeiro disco. Convidamos Iuri Freiberger pra produzir o trabalho intitulado Emaranhado.

MaisPB – Você é o vocalista, toca instrumentos e se sobressai como líder da banda?

Ilsom  – Somos um corpo sólido, inteiriço, que só funciona quando todos estão juntos, desde o começo foi assim, nunca existiu liderança, tudo era resolvido em grupo, a horizontalidade que hoje tanto se fala, mas pouco se pratica era nossa realidade de dia a dia, e embora tenhamos opiniões e pensamentos diferente sempre chegamos num consenso do que era melhor para o grupo. Isso sempre prevaleceu e nos tornou mais fortes.

MaisPB – As letras são incríveis: “Manteiga de Garrafa, Cordel, Coco de Caligrafia, Paradeiro, Ladeira, Hiroshima do Baixo Roger e Cinco Bocas – que se casam com a engrenagem do som da banda. Vamos falar dessa produção inusitada?

Ilsom – As músicas são resultantes desse esmero artesanal. Nenhuma delas foi concebida da mesma forma e é impressionante que soem tão próximas mesmo assim. Eu adorava tirar fotos e às vezes deixava de pegar ônibus para economizar e pagar as revelações, tenho vários negativos guardados. sobre uma música em especial, LADEIRA foi um delírio de domingo de carnaval em Olinda!

MaisPB  – Como foi o encontro com Lenine?

Ilsom –  Foi nosso “primeiro show” falo isso porque foi a primeira vez que tocamos Cordel, Coco de Caligrafia, Hiroxima, Paradeiro, no desfile da Z-ZA rolaram sons e alguns improvisos, a ideia ali era fazer um fundo musical pro desfile e foi massa! mas no Portal foi diferente por isso. Lenine era a atração da noite e tanto a gente quanto As Parêa que também debutou naquele dia éramos as novidades locais. Lenine foi extremamente generoso, nos recebeu à tarde na passagem de som, gostou do nosso nome, disse: é sonoro!! E o Pedro Sá que era seu guitarrista acabou ficando e assistindo nosso show, detalhe: tocamos depois do show de Lenine e pra nossa sorte grande parte do público ficou.

MaisPB – Hoje como está a banda, os componentes, as tocadas etc?

Ilsom – Hoje nos mantemos unidos e embora outras pessoas tenham passado pela banda, conseguimos manter a mesma formação que parou em 2002, com Kleber nos ajudando agora. Mas Lúcio, Mersinho, Val e César sempre estarão presentes! A formação atual é: Laylson – guitarra/percussão/vocais, Luciano – percussão/vocais, Badauê – baixo/percussão/vocal, Kleber – percussão/vocais e Ilsom – vocal/percussão

MaisPB – Voltando no tempo, como foi a temporada no Parahyba Café?

Ilsom  – Bob (Zaccara) é uma das pessoas mais generosas que conheci na vida, e ele não só abriu a porta, mas nos encaminhou na cidade, ajudou a reverberar nosso trabalho e foi muito importante no começo do grupo.

MaisPB – Nesta pandemia que está perto do fim, vocês criaram um braço da banda a Oxalah. Vamos falar desse som?

Ilsom  – A pandemia foi muito predadora, de uma hora para outra ficamos sem ter qualquer escolha, digo, tivemos que nos enclausurar para viver, e tentar viver era o único modo de acreditar em algum futuro. Nesse momento depois de 2 duros anos estamos nos reconectando com o mundo, espero que tudo melhore para todos. O Oxalah é uma parada mais pessoal, e está começando a se estruturar agora, talvez em breve dê frutos, aí então poderemos falar sobre. Oxalah é um grupo paraibano mestiço, plural, que mistura ritmos e influências ancestrais para fazer música moderna, orgânica com elementos percussivos e eletricidade. gírias urbanas, expressões que vieram de outras terras e aqui encontraram a amálgama, madeira, couro e corda. poderia ser o encontro de Jaguaribe Carne com Fela Kuti na beira do Sanhauá.

MaisPB – Temos novidades em 2022, 23, 24?

Ilsom – Com relação ao Pau de Dar em Doido espero que sim, não planejamos nada, mas torço pra que empreendemos algo. Quanto ao Oxalah, devemos lançar material em breve, ainda neste primeiro semestre.

MaisPB  – E aí., o mundo acabou ou não?

Ilsom – Ainda temos muito lixo ocidental para tirar do caminho, peço à Deus para que nos guie nesses tempos intolerantes, cheio de gente careta e covarde.

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Pau de dar em Doido – Nenhuma Autoridade – Lyric Video