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ENTREVISTA MAISPB

Ator Gilson Gomes celebra sucesso de Cia de Teatro

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publicado em 02/04/2022 ás 11h50
atualizado em 02/04/2022 ás 14h23

Kubitschek Pinheiro MaisPB

Fotos: Fotos de Marcello L. Corral e Alexander Rodrigues, Ianara Elisa, Neila Tavares, Leonardo Pergaminho

Desde de 1996 o Oráculo Cia de Teatro vem festejando vitórias. Em 2020

quando as apresentações teatrais ficaram escassas, por causa da pandemia, a Oráculo Cia de Teatro, fundada pelos atores Gilson Gomes, Wagner Brandi e Neila Tavares, não deixou de se preparar para as comemorações dos seus 25 anos, que ocorria naquele ano de confinamento e perdas, muitas. Eles promoveram a reencenação de um grande sucesso da companhia, “Diários Marginais: um encontro com Lima Barreto e João do Rio”, como parte da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc. Gilson se destacou na recente novela da Globo, “Um lugar ao sol”, de Lícia Manzo, fazendo papel de Seu Antonio, (homem do bar que atende a personagem de Renato Muniz Meireles, interpretado por Cauã Reymond, em Pouso Feliz)

Gilson Gomes poderia ter nascido no Rio de Janeiro, mas num acidente percurso veio luz na cidade em Bayeux, Paraíba. Ele conta: “Morávamos no Rio de Janeiro e meu pai voltou a Paraíba a trabalho sozinho, e em seguida minha mãe iria. O que ocorreu. Quando minha família retornou a Paraíba, ela voltou de navio que durou dezoito dias do Rio para Paraíba, com cinco filhos e grávida do Gilmar, que nasceu em Bayeux, depois eu e meu irmão Roberto, que nos deixou. Sou o sétimo filho de dez. Somos três”.

São inúmeros os espetáculos levados ao publico pela companhia Oráculo Cia de Teatro que já adaptou para o teatro a peça América, de Franz Kafka (adaptação, concepção e direção de Paulo Afonso de Lima, 1998), com temporada no antigo Museu do Telephone, hoje OI Futuro, e participando do V Festival Veiga de Almeida, no qual recebeu 7 indicações a prêmio. Durante aquele período recebeu convites para o Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica (Porto) em Portugal.

A Oráculo ainda montou “O Capote”, de Gogol (adaptação, concepção e direção de Paulo Afonso de Lima, 1999); “O Mandarim”, de Eça de Queirós (adaptação de Gilson Gomes e direção de Wagner Brandi, 2001), apresentado no evento internacional Eça entre milênios: pontos de olhar, realizado pelo Instituto Camões de Portugal; “Uma Lenda Quixotesca”, adaptação de “Dom Quixote” (feita por Gilson Gomes); “Oh, Nelson Rodrigues, Que Adoráveis Criaturas!”, adaptação para o teatro da vida e obra literária de Nelson Rodrigues, realizado no centenário do autor, por Neila Tavares (com direção de Wagner Brandi, 2012); “Riso Invisível” (2013), de Francisco Alves PH, texto escrito para os atores Gilson Gomes e Wanderlei Nascimento, com direção de Wagner Brandi; “Amor por anexins ou Uma Consulta”, adaptação da obra de Artur Azevedo (2015/2016), por Gilson Gomes, com direção de Wagner Brandi, com apresentações pela Secretaria Municipal de Cultura, Bibliotecas Parques, Circuito Sesc e Casa da Gávea. Entre outras.

Depois de “Diários Marginais”, na década passada, a companhia montou “Torturas de um coração”, de Ariano Suassuna (2018/2019), circulando por vários equipamentos culturais do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, com sucesso de crítica e público.

Gilson é do palco, da televisão, da vida que ensina todos os dias que precisamos avançar para conseguirmos mais conhecimentos e ter nossos papeis nos espaços do mundo. Leiam a entrevista e confiram a trajetória de um artista paraibano que ainda tem muito chão pela frente

MaisPB – Como tudo começou? Você queria ser ator, mesmo?

Gilson Gomes – Confesso que antes de ser ator, quando bem pequeno, sonhava em ser astronauta. Passei muito tempo colecionando a Revista Planeta e Ciência Hoje. Tinha uma coleção incrível. Não perdia o filme Jornada nas Estrelas e Jeanne é um Gênio, que tinha o major Nelson, que era astronauta.

Em relação a ser ator, tudo começou na adolescência, na época do ginasial. Acredito que por volta dos 12 anos de idade. Lembro que a primeira peça que fiz chamava-se “Plágio Cego”, autoria de uma colega de turma. Era um texto que criticava a sociedade consumista, sobretudo por produtos estrangeiros. Era bastante interessante. Como desde aquela época tinha bastante facilidade de decorar texto, acabaram me colocando para dirigir também. Foi a primeira direção teatral. Confesso que prefiro mais atuar e produzir a dirigir. Na fase do segundo grau adorava matemática, mas precisamente Geometria Espacial e Física, tínhamos um grupo de amigos que apostávamos quem terminaria os exercícios primeiro. Era divertido. Anos mais tarde me formei tecnicamente na Escola de Teatro Martins Pena e também em jornalismo. Na época da Escola eu trabalhava à noite, durante toda a madrugada num Banco, e estudava à tarde. Também tinha aulas pela manhã e muitas vezes assistia as aulas sem dormir. Na faculdade não foi diferente. Acho que quando temos força de vontade superamos esses obstáculos. É preciso muita perseverança. E isso não me falta. Quando fiz a Pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas, para Gestão e Produção Cultural, as coisas já estavam mais estabilizadas e foi mais tranquilo. Nasci no dia de São Sebastião, e este é o meu primeiro nome. Saímos da Paraíba e fomos direto para a Zona Portuária do Rio de Janeiro, mas precisamente no Morro da Providência. Era um enorme terreno onde morava só nossa família, tios, tias e primos, passei parte da minha infância, mas voltando sempre lá. Um lugar com uma história incrível e de grande movimento cultural. Saiu muitos artistas de lá. Morei em Cascadura, Estácio, Glória, Catete, Flamengo, Vila da Penha, Santa Teresa e Botafogo. Hoje sou vizinho da Providência. Moro no Morro do Pinto, um lugar que possui todos os problemas de um bairro do Rio de Janeiro, porém compensa na convivência com os gaviões, micos, maritacas, bem-te-vi, camaleão, gambá, as visitas dos tucanos, e corujas, em pleno Centro da Cidade. Como disse antes o meu primeiro nome não podia deixar de ser Sebastião, afinal foi o santo que abriu passagem. O “Gilson Gomes” se consolidou na época em que estudava na Escola de Teatro Martins Pena, a turma fez uma reunião e criamos uma votação para escolher os nomes uns dos outros. E como já fazia teatro profissional naquela época, comecei a usar e ficou. As primeiras montagens na Escola de Teatro a gente nunca esquece. As fotos com o tempo já começam a esmaecer naturalmente.

MaisPB – Nasceu na Paraíba e morou aqui até que idade?

Gilson Gomes – Pois, é. Nasci em Bayeux, mas precisamente na Rua João Crispiniano. Provavelmente hoje tenha outro nome. Morávamos no Rio de Janeiro e meu pai voltou a Paraíba a trabalho sozinho, e em seguida minha mãe iria. O que ocorreu. Quando minha família retornou a Paraíba, ela voltou de navio que durou dezoito dias do Rio para Paraíba, com cinco filhos e grávida do Gilmar, que nasceu em Bayeux, depois eu e meu irmão Roberto, que nos deixou. Quem sabe detalhes do tempo em que moramos em Bayeux é o nosso irmão José Antônio (Toninho ou Toinho). Sabe tudo.

Morei até os três anos de idade. Sou o sétimo filho de dez. Somos três paraibanos, nascemos em casa com parteira. Os outros irmãos são cariocas. O primeiro filho mesmo morreu muito novinho, portanto eu poderia ser considerado o oitavo. Há controvérsias. Um fato curioso: Digo isso porque naquela época diziam que o sétimo filho deveria ser batizado pelo filho mais velho, para que ele não virasse lobisomem. E pelo sim e pelo não, fui batizado pelo irmão mais velho. Um acontecimento bastante curioso ocorreu conosco quando retornamos a João Pessoa, em ocasião do aniversário de oitenta anos da minha mãe. Neste dia estávamos em Bayeux, exatamente em frente a casa que havíamos morado, um homem se aproximou de nós e perguntou se éramos a família que havia mudado para o Rio de Janeiro, ele todo sem jeito, perguntou quem era o sétimo filho. Meus irmãos apontaram para mim. Ele me olhou de cima a baixo e disse: “Benza Deus, ele parece estar bem”. Foi uma gargalhada incontrolável. Nunca mais esquecemos desse fato. Era uma premunição de que eu seria ator, e me alimentaria de outras vidas/personagens. Rsrsrs

Na época, quando voltamos para o Rio de Janeiro, a nossa ida foi anunciada na Rodoviária da Cidade. Nosso irmão mais velho, José Carlos, na ocasião havia ganhado um concurso de melhor locutor pela Rádio de Bayeux, filial da Rádio Tabajara. Ele era conhecido como Zé Carioca, porque tinha um ótimo futebol, mas não se profissionalizou. Só mais tarde meu irmão caçula Cristiano se tornou jogador profissional, jogou no Fluminense, Botafogo, América de Natal, entre outros.

Hoje somos oito homens e uma menina (atriz, palhaça e trapezista). Perdemos outro irmão, mais novo que eu, que era um grande companheiro meu. Foi um momento muito difícil que jamais pensei em passar. Até hoje mexe muito comigo. Algo que ainda dói muito.

Agora, em abril, estaremos todos em Cabedelo, onde minha mãe nasceu – para comemorar os noventa anos de nossa matriarca Lourdes Gomes. Estarão filhos, neto, bisnetos, tios tias amigos. Vai ter muita gente mesmo. E no dia 4 de abril estamos iremos todos para Bayeux.

MaisPB – Chegou a trabalhar como ator aqui em nosso Estado?

Gilson Gomes – Infelizmente não. Fiz algumas tentativas, mas não se concretizou. Não perdi as esperanças. Caso algum patrocinador leia essa entrevista, por favor, não se acanhe, é só chamar, que irei muito feliz. O mais recente projeto que tentei levar foi a montagem de “Torturas de um coração”, de Ariano Suassuna. Foi um trabalho incrível.

MaisPB – A Globo acabou de passar uma novela em que você fazia o dono de um boteco. Vamos falar desse assunto, dessa experiência?

Gilson Gomes – Foi uma experiência maravilhosa. O curioso é que o nome do meu pai era Antônio. Um homem incrível, boêmio e sempre apaixonado pela vida. Não podia ouvir um bolero sem que lhe escorresse uma lágrima pelo canto do olho. Compôs até um samba “Ela me deixou e foi morar com o guarda”. Muito engraçado. Curiosamente ele já havia trabalhado num bar. Quando recebi o convite e li o nome do personagem, fiquei bastante emocionado. Parecia uma homenagem. Foi uma feliz coincidência. Gravei em plena pandemia e com todos os cuidados possíveis. A novela foi exibida já toda gravada. Tive o prazer de contracenar com atores que acho incrível de talento e como pessoas. Contracenar com Andréia Horta foi um presentão, que atriz talentosa, disciplinada e generosa. Um jogo cênico maravilhoso. Ela tem um diapasão muito especial. Digo o mesmo para Cauã Reymond, que estava ligadíssimo na cena, gente da melhor qualidade. Muita energia e simpatia, além de profissionalismo. E Juan Paiva, um jovem ator com uma carreia muito promissora, gentil, educado, parceiro e talentosíssimo. Que energias boas e pessoas boas para ter como amigos. Eles eram o trio que protagonizava a novela. Posso dizer que a equipe era muito boa mesmo. Os diretores muito gentis e atenciosos. Profissionais que fazem com que a gente queira trabalhar muitas e muitas vezes. Sem falar que a autora Lícia Manzo tem um texto fantástico. Tem autores que a gente quer muito fazer como Thelma Guedes, Duca Rachid, Alessandro Marson, Alessandra Poggi, Walcyr Carrosco entre muitos. Sempre me dediquei maior parte da minha profissão ao teatro, mas sinto que cada vez mais o desejo de trabalhar na televisão e no cinema tem crescido vertiginosamente.

MaisPB – Como aconteceu sua chegada na Globo? Fez outros papeis?

Gilson Gomes -A primeira vez que participei como ator na Globo, foi com um teste no programa do Fausto Silva, o Faustão. Era um quadro que se chamava “Melhor de três” onde os atores se apresentavam ao vivo para a plateia. Na época fizemos o personagem Zé Luís, personagem de Miguel Falabella, na novela Mico Preto, e éramos analisados pelo próprio Falabella. Acredito que foi em 1992. Depois fiz o especial Você Decide, ao lado de Dênis Carvalho, como ator, Esther Góes e Natalia Lage, bem novinha. Depois protagonizei um “Você Decide”, que era um programa jornalístico bastante interessante. Daí foram várias participações, até hoje.

MaisPB – Como veio a ideia de Oráculo Cia de Teatro?

Gilson Gomes – A ideia da Oráculo Cia de Teatro surgiu em 1996, onde eu, Neila Tavares e Wagner Brandi, resolvemos criar uma Cia. teatral. Essa nossa parceria já vinha de longa data. Nós três vínhamos de uma série de trabalhos juntos que se iniciou em 1988, com a montagem de “Quem tem medo de Nelson Rodrigues?”. Roteiro da Neila, que adaptou para o teatro alguns romances, a parte literária do autor. Ela foi muito amiga dele e para quem Nelson escreveu a peça “Anti-Nelson Rodrigues”. A montagem de “Quem tem medo de Nelson Rodrigues” foi considerada um dos melhores espetáculos do ano. Em seguida, virou especial para a TVE. Direção de cena de Neila Tavares, direção de imagem Farouk Salomão e música de Carlos Sergipe. Prêmios Guarnicê (categoria vídeo) do Festival de Gramado 89: Melhor Roteiro, Melhor Direção, Melhor Música. No dia em que filmamos uma das cenas onde as atrizes eram pregadas nas cruzes, surgiu um incêndio inexplicável e de uma progressão muito rápida, ardeu rapidamente, que interrompeu as gravações, mas ninguém se feriu e ficou tudo bem. Este foi o meu primeiro trabalho profissional. Estava numa grande dificuldade para segurar o personagem, que fugia a todo momento. Era uma cena de estupro da Engraçadinha. Tive uma ajuda incrível da experiente vedete Nilza Magalhães, que fez um trabalho fantástico comigo. Ela já havia feito um dos textos do Nelson Rodrigues. Hoje diria que foi a minha “coaching”. Ela era incrível. Havia deixado o teatro de revista e passado a se apresentar em campos de refugiados. Ainda estava com um corpo deslumbrante. E que beleza e talento daquela senhora. Ela adorava contar suas histórias, que chegavam a ser inacreditáveis, mas que ela mostrava por fotos, e eu adorava ouvir e aprender tudo com muita atenção Depois ela sumiu. Na época procurei várias vezes por ela na Lapa, onde ela morava num sobrado e não a encontrei. Surgiram várias histórias sobre ela, que estava vivendo nas Ruas, que havia morrido, que estava no Retiro dos Artistas, mas não a encontrei novamente. Tudo muito confuso. Sou eternamente grato a ela. Pela primeira vez conto essa história numa entrevista. Só sei que depois do trabalho dela comigo o personagem fluiu, abracei ele de verdade. E tive a primeira crítica da minha vida, feita por Amir Haddad, que foi sensacional. Amir m verdadeiro homem de teatro. Um mestre.

Fizemos leituras na Rádio Mec e participamos do programo comandado por Nela “Acesso Público”, da extinta TV Rio, com direção de Walter Clark. Fizemos os espetáculos “Cabaré Literário” (1989), “Um Drácula no Rio” (1990) textos e direção de Neila Tavares. Percebemos que depois desses trabalhos estava na hora de termo a nossa própria companhia.

A estreia oficial do grupo foi com o espetáculo O Assalto, de José Vicente no 6º Festival Carioca de Novos Talentos, da Rioarte, em 1996. Ganhei a indicação de Melhor ator e também de Melhor Espetáculo. A direção foi de Wagner Brandi com supervisão de Neila Tavares. Quando o público entrava no Teatro Gláucio Gil, já estávamos em cena e se misturando com público. Era um espetáculo de muito fôlego. A plateia se manifestava durante a apresentação. A primeira montagem foi no Teatro Ipanema, realizada por Rubens Corrêa e Ivan de Albuquerque, que tive o prazer de conhecer.

E desde a criação do grupo passamos a estudar e pesquisar autores nacionais e internacionais ou nossos próprios textos, na busca de uma dramaturgia própria. Com a chegada do diretor Paulo Afonso de Lima, que trouxe toda sua experiência do Teatro Carioca de Câmara, passamos a nos reunir com mais frequência para leituras de textos inéditos. Até que Paulo Afonso propôs lermos obras literárias, para pensarmos em adaptá-las para o teatro. Assim surgiu o projeto criado por ele “A literatura sob o olhar teatral”. Daí surgiu a proposta de montarmos “Amerika”, de Kafka e “O Capote, de Gogol”, depois ele passou a dirigir outros espetáculos e a dar aulas e nós continuamos com o projeto, mas sempre consultando ele. Foi um grande parceiro e de grande talento.

MaisPB – Aliás, já chegaram a 25 anos. Vamos falar sobre as produções da Cia?

Gilson Gomes – Não é fácil comemorar 25 anos de uma Cia teatral. Sempre estive à frente da produção do grupo, desde a escolha do tema, até o levantamento do espetáculo. Wagner desenvolveu a escrita, direção e atuação, e ainda compôs canções inéditas para a maioria dos espetáculos. Neila Tavares atua, pesquisa e escreve, também dirige. Nos últimos anos, eu e Wagner temos atuado e produzido os espetáculos com mais frequência. Neila hoje mora em Lumiar. Curiosamente acabamos comemorando os vinte e cinco anos com o mesmo espetáculo na época dos vinte anos “Diários marginais: um encontro com Lima Barreto e João do Rio”. Tivemos um fator determinante para que muitos projetos fossem adiados, que foi a pandemia. Um momento de muitos espetáculos cancelados. Esperávamos estrear uma nova montagem, mas infelizmente não ocorreu. O que nos salvou e creio que há muitos grupos foi o surgimento da Lei Aldir Blanc. E foi através deste incentivo que pudemos remontar e apresentar virtualmente o espetáculo Diários marginais. Foi sensacional. É um texto escrito por mim e por Wagner, que conta a vida e obra desses dois grandes escritores brasileiros, que foram tão discriminados e marginalizados, que possuem uma produção literária fantástica. Durante o processo de criação do texto conversamos muito com Dona Bibi Ferreira. Ela sempre gentil conosco e nos orientou na dramaturgia, durante alguns encontros. Temos já em fase de produção o novo espetáculo inédito, que é “Diário da lua”, previsto para estrear este ano e dando continuidade às comemorações. Pretendemos também retomar a produção do filme “Diários marginais”, baseado no espetáculo teatral.

Tem dois textos infantis que queremos retomar a ideia e fazer para os pequenos que é “Uma lenda quixotesca”, adaptação minha da obra de Dom Quixote, já está pronta há tempos. E o infantil que foi escrito para mim e para Wagner “Nicolauzinho e Nicolauzão”, os dois possuem elementos do cordel. O último é todo em verso, de autoria de Edmilson Santini. Temos ainda o texto “A Confissão”, de Eduardo Lamas, que já iniciamos os estudos, pesquisas e levantamentos de produção. O texto está aprovado na Lei do ISS, agora em busca de patrocínio. O Doc Comparato tem um texto que nos convidou para produzir, nos falamos constantemente, mas ainda não conseguimos fechar a ideia do projeto.

Durante nossa trajetória tivemos espetáculos com críticas maravilhosas. Algumas peças com lotação esgotada e outras que apresentamos para apenas três pessoas. O que foi ótimo, porque umas das três era um importante crítico teatral e fez uma belíssima crítica do nosso trabalho. Um aprendizado. Somos do tipo do ator que nunca adiamos a apresentação por que tem poucas pessoas na plateia, Acho um desrespeito para quem saiu de casa e se preparou para nos assistir. Também tivemos um hiato durante esse tempo, porque fomos trabalhar em áreas mais burocráticas, mas sempre ligada à cultura, porque nem sempre conseguíamos patrocínio. E nessa hora o ator tem que ser jornalista, administrador, professor de teatro e tantos outras profissões dignas e importantes. São muitas histórias engraçadíssimas que aconteceram em cena, que daria um livro.

MaisPB – Vi que vocês montaram “América” de Kafka, “O Mandarim”, de Eça de Queiroz e A Falecida de Nelson Rodrigues. Vamos falar sobre isso?

Gilson Gomes – As montagens se confundem mesmo, mas é preciso dizer que “A Falecida”, fez parte do repertório Teatro Carioca de Câmara, que contava com Neila Tavares, Isolda Cresta, Cláudio Gonzaga e com a direção de Paulo Afonso de Lima. Ganharam prêmios nacionais e internacionais com esta montagem. Eles também estavam no início da criação da Oráculo. Paulo Afonso foi o nosso grande diretor. Isolda participou da primeira tentativa de montagem de “O Capote”, que só se concretizou anos mais tarde.

O diretor Paulo Afonso de Lima criou o projeto a Literatura sob o olhar teatral, que tinha como proposta adaptar obras literárias de grande valor, autores nacionais e internacionais.

Começamos com “Amerika”, com k mesmo, em 1998. Todas as montagens deveriam ser inéditas. Amerika é uma obra de Franz Kafka, que fala da colonização dos EUA, fala do surgimento da luz elétrica, da Coca-cola, nos seus primórdios. Aborda também as dificuldades que os imigrantes encontravam na “terra prometida”. O personagem Central Karl Rossmann (alemão), interpretado por Wagner Brandi, engravida a empregada e a família dele o envia para a América. Desde o embarque de Karl muitas coisas acontecem na vida do rapaz, quase sempre desagradáveis. Fizemos um musical lindo. Dizem que Federico Fellini sonhava em filmar este texto. Amerika foi uma montagem bastante exitosa. Excelentes críticas. É um texto espetacular. Ganhamos oito indicações ao Prêmio com “Amerika” e o de Melhor Espetáculo, pelo júri popular no Festival Universitário Veiga de Almeida. O elenco era formado por Wagner Brandi, Gilson Gomes, Silvana Falcão, Anna Cristina Campagnoli, Vinícius Salles, Ayres Filho, Cláudio Maguolo, Marcia Beatriz Bello, Neris Cavalcante e Mitzzi Carvalho.

Tivemos uma segunda montagem com outro elenco que circulou por vários espaços e também se apresentou nas escolas Com Júnior Adler, Bianca Alves, Ítalo Villani, Ricardo Ferreira e Júlio Villela

Depois fizemos um workshop para jovens atores, com a supervisão de Paulo Afonso. Depois outra montagem. Dessa vez com minha direção e do Wagner, mas mantendo a adaptação e concepção de Paulo Afonso de Lima. Foram três montagens diferentes. Depois montamos O Capote, de Gogol, 1999. Um texto belíssimo, eu interpretava Akaki Akakièvitch, personagem central da história. Neste espetáculo eu colaborei na adaptação e Wagner na assistência de direção. Nessa época ele se dividia entre São Paulo e Rio, porque estava em cartaz por lá. Fui o protagonista do espetáculo no papel de Akaki Akakiévitch. Neila Tavares fazia Ana Prascóvia e Wagner Brandi o fiel Iakme, Gogol era interpretado por Sérgio Guelles. Ainda tinha no elenco Alberto Matti, André Tavares, Flávia Barros, Gabriela Linhares, Márcia Beatriz Bello, Otávio Reis e Silvana Falcão. A direção de produção foi de Paulo Falcão.

Tudo o que Akaki desejava era ter um capote novo. Era funcionário público, que vivia em situação de total pobreza e com um casaco em trapos. Vivia sendo maltratado por todos. Ele amava as palavras, vivia copiando as letras, num verdadeiro devaneio. Muito poético. Foi uma belíssima montagem e com ótimas críticas. Voltando a Nelson Rodrigues. Como falei anteriormente, eu, Wagner e Neila havíamos participado da montagem em 1989 de “Quem tem medo de Nelson Rodrigues?”, que depois virou especial de TV. Direção de cena de Neila Tavares, direção de imagem Farouk Salomão e música de Carlos Sergipe. Prêmios Guarnicê (categoria vídeo) do Festival de Gramado 89: Melhor Roteiro, Melhor Direção, Melhor Música. Vinte e quatro anos mais tarde- em comemoração ao Centenário de Nelson Rodrigues (2012)- montamos esse espetáculo com o outro título Oh, Nelson Rodrigues, que adoráveis criaturas! (um concerto cênico), com Neila, no papel de Suzana Flag, eu como Nelson Rodrigues, com direção geral de Wagner Brandi, que também estava em cena como Dr. Sabino, além de ter composto dezoito músicas originais para o espetáculo. Wagner criou o que ele chamou de concerto cênico e compôs letras belíssimas. Éramos muitos atores em cena, que depois foram substituídos por outros. Também havia cantores e músicos. A direção musical foi de Rafael Bezerra, que transcreveu as músicas de Wagner para partituras. Ele tocava clarineta. Os figurinos de Luís Cláudio Julianelli. A montagem ficou em cartaz na Sala Baden Powell e depois no Sesc Tijuca. No elenco Gilson Gomes, Neila Tavares, Wagner Brandi, Hilka Maria, Aldo Perrota, Paulo Japyassu, Eduardo Duwal, Jean Vitt, Michelle Raja Gebara, Isabel Azevedo, Elizabeth Babo, Douglas Cantudo, Cláudio Mello, Marcelo Matos, Alexandre Hulkinho, Mariana Benjamin, Joana do Carmo, Ricardo Lopes. Músicos: Guido Rossmann, Elizabeth Babo, Rafael Bezerra, Lucio Zandonadi . Direção musical de Rafael Bezerra. É importante falar que dentro do projeto “A literatura sob o olhar teatral”, também montamos “O mandarim, da obra de Eça de Queirós, minha adaptação”. A leitura dramatizada de O Mandarim, adaptação do romance de Eça de Queirós (2001), teve como convidada a experiente e talentosíssima atriz Myrian Pérsia, e foi dirigido por Wagner Brandi. A encenação participou do evento internacional Eça entre milênios: pontos de olhar. Realizado pelo Instituto Camões de Portugal. Onde reuniu especialistas da França, Portugal, Inglaterra e Brasil para debaterem a passagem da obra de Eça de Queiroz no milênio. O meu texto foi escolhido para ser encenado no Brasil. O local foi o belo Real Gabinete Português de Leitura e no Consulado de Portugal. Numa outra leitura Myrian foi substituída por sua filha Tânia Boscoli. E ainda no elenco Giselle Motta, Eliane Abreu, Michelle Raja Gebara, Elizabeth Babo, Átila Toledo e Leonardo de Assis.

MaisPB– Vocês trabalharam com Bibi Ferreira? Vamos falar dessa experiência?

Gilson Gomes – Realmente foi uma experiência e aprendizado maravilhoso. Na época estava terminando um projeto sobre a pesquisa sobre a história do teatro brasileiro, de autoria do jornalista Simon Khoury. Eram entrevistas com os grandes nomes do teatro brasileiro como Paulo Autran, Raul Cortez, Dercy Gonçalves, Nicette Bruno, Eva Todor, Cleide Yáconis, Rubens Corrêa, Claudio Correia e Castro, Vanda Lacerda, Suely Franco e muitos outros artistas incríveis que tive o prazer de conhecer e de certo modo conviver com alguns deles. Na época trabalhava na empresa Montenegro & Raman. E como o projeto estava finalizando, o Nilson me chamou para fazer o trabalho com a Dona Bibi. Inicialmente participei da produção da montagem teatral “Deus lhe pague”, que era direção geral de Bibi Ferreira, a direção do espetáculo era de Paulo Afonso de Lima e assistente de direção de Wagner Brandi, coincidentemente dois integrantes da Cia Oráculo. O elenco da peça era encabeçado por Bemvindo Sequeira e Lucélia Santos, depois substituída por Adriane Galisteu, em São Paulo. Um belo espetáculo. Depois que finalizou, continuei trabalhando com Dona Bibi, fiquei responsável por coordenar o seu arquivo. Era algo apaixonante. Uma biblioteca e um acervo que tinha registro de antes do seu nascimento até os seus últimos dias de vida. Algo indescritível. Eu como já havia tido contato com outros acervos dos grandes nomes do teatro, fiquei impactado com o arquivo dela. Ficamos muito amigos. Foram quase vinte anos de convivência. Para ter uma ideai, o gatinho que ela me deu de presente, viveu dezenove anos chamava-se Beethoven. Ela me considerava um membro da família. Ela e Neyde Galassi, uma querida amiga, que acompanhou Dona Bibi durante décadas. Certa vez recebo um telefone e era Dona Bibi que me pedia um favor, sem saber do que se tratava disse imediatamente que podia contar comigo, mesmo antes dela terminar. O pedido era para que eu participasse da leitura de um texto que estava acabado de ser escrito para ela, por Juca de Oliveira, chamava-se “As favas com o escrúpulo”. Claro que aceitei. No dia da apresentação o texto ainda estava sendo finalizado e recebemos na hora. A casa estava lotada de personalidades como Marco Caruzo, Nélida Pinnon, entre muitos outros artistas. Estava no elenco para a leitura Bibi Ferreira, Juca de Oliveira, Neusa Borges, Tina Ferreira, Mayana Neiva e eu. Eu fiz o papel do neto dela e também lia as rubricas. Foi uma loucura. O Juca me dirigia em cena. O bom é que não perdi a concentração nem errava o texto. Foi uma experiência única. Certa vez ela estava tomando café na cama e conversávamos, o telefone tocou e ela no meio do telefonema deu uma parada, colocou o telefone sobre o peito e disse: “Meu filho, como é difícil ser Bibi Ferreira”. Naquele momento veio a imagem de toda biblioteca e toda a história dela. Entendi perfeitamente o que ela estava falando. Era um famoso crítico de teatro. Um homem muito importante da história do teatro brasileiro, que naquele momento lhe pedia conselhos. Tive outra experiência única que foi acompanhar a construção da personagem Amália Rodrigues foi um privilégio, eu e Cleusa Amara, sua produtora, não perdíamos um detalhe e nos divertíamos muito. A sua filha, Tina Ferreira, diz que foi a melhor composição que ela viu de sua mãe, e ela viu muita coisa. Realmente o processo de criação foi incrível no dia a dia. São muitas histórias que tive a felicidade de viver ao seu lado. E ainda tinha a Claudina, que era um personagem infantil que surgia inesperadamente, que Bibi assumia para falar algumas verdades. Era muito divertido. Ela possuía um grande humor. Seria uma entrevista só falando sobre esta convivência. A escola de teatro, a faculdade, e a Pós-graduação foram muito importantes, mas a convivência com Dona Bibi não se compara a tudo que aprendi. Praticamente tudo que sei hoje de teatro devo a ela, desde o processo da preparação na coxia até entrar em cena, foi ela que nos ensinou, Wagner Brandi, também aprendeu muito com ela. Sinto falta dos papos no camarim e das conversas na casa dela. Fomos privilegiados e levamos este ensinamento à cena e passar para quem trabalha conosco.

MaisPB – Algum desses espetáculos a companhia trouxe para João Pessoa?

Gilson Gomes – Como disse anteriormente. Infelizmente, não. Confesso que é um sonho que desejo muito realizar. Antes da pandemia montamos “Torturas de um coração”, de Ariano Suassuna. Fiz alguns contatos para tentar levar a peça, mas infelizmente não rolou. Era um belíssimo espetáculo. Além de interpretarmos os personagens todos nós cantávamos e tocávamos os instrumentos da peça ao vivo. A direção foi de Wagner Brandi, que também estava em cena como Marieta. Conversamos muito de como colocar o personagem feminino e o mamulengo em cena sem ser tão agressivo e buscamos inspiração nas comédias de Charles Chaplin, Os Três Patetas e O Gordo e O Magro, Um achado. Acredito que por isso era um espetáculo que agradava toda a família, principalmente as crianças. Fazia um personagem feminino e que curiosamente encantava as crianças. Não era um infantil, mas depois de tantos afagos, resolvemos nos apresentar também no horário infantil. Foi sensacional. Fez essa dobradinha de atuar e dirigir em vários espetáculos da Cia. O texto foi escrito para mamulengos, mas nós atores assumimos os personagens. Em cena éramos Gilson Gomes (Benedito), Alisson Minas (Vicentão), Thiago Prado, Vinícius Coelho e Yan Caillat (Cabo Setenta), Thamás Morelli, Willian Freitas e Guilherme Oldra (revezavam no papel de Afonso Gostoso) e Wagner Brandi (Marieta). A direção musical foi de Cyrano Moreno Sales, figurino de Simone Aquino, cenário de Oswaldo Lioi e Ianara Elisa, projeção de imagens Mayara Ferreira, a luz de Wagner Brandi e J.K. Wagner compôs músicas inéditas lindas para o espetáculo. Mais uma vez tivemos o privilégio da presença de Tânia Brandão na plateia, a crítica teatral mais importante do teatro brasileiro. Tivemos jurados de prêmios e boa crítica. Encerramos com chave-de-ouro com temporada no Teatro Laura Alvim.

A ideia de montar este espetáculo surgiu quando estava trabalhando na fotobiografia da atriz Tereza Rachel e o cineasta e jornalista Ipojuca Pontes (também paraibano), que havia sido casado com Tereza, sugeriu com a ideia desta montagem. Ipojuca foi amigo de Ariano Suassuna, trabalharam juntos durante anos. Ele é irmão do teatrólogo Paulo Pontes, que foi casado com Bibi Ferreira, e criador de grandes espetáculos no teatro brasileiro, entre eles “Brasileiro Profissão esperança” e “Gota D`Água” (grande sucessos de Bibi Ferreira, entre muitos). Apresentamos “Torturas de um coração” em vários equipamentos culturais no Rio e em Minas Gerais, mas não conseguimos trazer para a Paraíba.

MaisPB – Como a Oráculo Cia de Teatro enfrentou a pandemia?

Gilson Gomes – Quem poderia imaginar que passaríamos por uma situação dessas? Realmente é um assunto muito delicado em todos os sentidos. Muitas perdas e sem nenhum apoio do governo, que nega a ciência. Assim que começou a pandemia as ficamos horrorizados com tudo isso. E como a arte foi importante durante todo esse processo. A própria arte se reinventou, não só o teatro, como a música e o cinema. Aconteceu até a união dessas linguagens. Ocorreram muitas lives. Tinha muita coisa boa e muita coisa ruim. É natural, afinal todos estavam querendo sobreviver de alguma maneira. Temos que reconhecer que a arte através do virtual preencheu uma grande lacuna na sociedade mundial. Assistimos a quase tudo, mas não queríamos fazer algo apenas para abrandar a nossa ansiedade. Não foi fácil. Até que surgiu a Lei Aldir Blanc e sermos contemplados para a remontagem do espetáculo “Diários marginais: um encontro com Lima Barreto e João do Rio”, onde realizamos uma pesquisa que durou mais de dez anos, devido a produção literária tão prolífera desses dois autores. Estreamos em 2015, no Sesc Tijuca e circulamos por vários equipamentos culturais. Estivemos também na Flip 2017, numa mostra paralela, quando homenageou o escritor Lima Barreto. Tínhamos um apartamento vazio e o transformamos num estúdio. Preparamos tudo. Pinturas, iluminação etc. Foi uma trabalheira, mas valeu a pena. Apresentamos o espetáculo de modo online, com a direção do cineasta Oswaldo Lioi, no teatro a direção foi de Luiz Furlanetto. Lioi fez um estudo do espaço cênico, posicionamento de câmera e cenário incrível. Foram quatro câmeras, para quem assistisse pudesse ter a dimensão da ação teatral, claro que tudo foi muito bem trabalhado na edição por Mayara Ferreira e Lioi, Ianara Elisa ficou a cargo da cenografia e luz, a luz no teatro foi de Djalma Amaral. Ana Paula Casares fez toda a direção de set. O resultado foi o melhor possível. Tivemos críticas incríveis da nossa apresentação online, foi surpreendente, embora nos esforcemos muito para conseguir um ótimo resultado. Desse modo conseguimos realizar um belíssimo trabalho durante a pandemia com um excelente resultado. Depois nos apresentamos com uma temporada de modo virtual no site do Teatro Bibi Ferreira, de São Paulo.

MaisPB – O mais que lhe apaixona no palco?

Gilson Gomes – Sinceramente tudo no palco me encanta. Absolutamente tudo. E quando penso na palavra “palco” penso no ato de estar em cena com todos os seus mecanismos, pode ser no palco italiano, arena ou na Rua. Tudo é palco diante do espectador. O ritual da coxia que aprendemos com a Bibi, antes de entrar em cena é algo mágico. Escrever um texto pensando em estar no palco, é fantástico, pois quando escrevo já vou imaginando a cena, com luz, tipo de refletores, ideia de figurino e de cenário, que já são escritos nas rubricas e no roteiro. Uma carpintaria dramatúrgica que aprendemos com Paulo Afonso de Lima. Tudo isso também é palco. O espetáculo pode ter sido escrito e produzido por mim ou por outra pessoa. Como diria Dona Bibi Ferreira: “No palco estamos mais perto de Deus”. Segue alguns desses momentos em contato com Deus, no palco. Falando ainda em paixão, posso dizer que uma das minhas maiores emoções foi quando pisei no palco do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Não era nossa produção, eu e Wagner fomos convidados, por Neila, para integrar o elenco do espetáculo. Um lugar sagrado, onde os maiores artistas de todo o mundo se apresentaram naquele santuário. Nas duas temporadas tivemos o Tetro lotado, com direito a cambista e tudo. Olhávamos a plateia, as galerias e camarotes sempre lotados. Tinha dia que os ingressos se esgotavam rapidamente. Foi algo indescritível. No espetáculo tinha orquestra sinfônica, músicos, bailarinos e nós atores. Era como se estivesse num sonho. O espetáculo foi “O Pequeno Príncipe”. No elenco estava Paulo César Peréio (Rei), Wagner Brandi (Contador), a queridíssima Elke Maravilha (raposa), que indiquei para o personagem da Raposa, eu fazia o personagem Geógrafo, entre muitos artistas fantásticos.

MaisPB – Quem é Gilson Gomes?

Gilson Gomes – É sempre muito difícil falar de nós mesmos. O que eu poderia dizer é que sou uma pessoa que não gosto de ver injustiças, de maus tratos com os animais, de intolerância religiosa, afinal cada um tem o direito a ter a fé que quiser. Seguir o Deus que quiser, mas não esquecer de ser humano. Não existe um Deus único. É preciso respeitar as diferenças. É triste ainda existir discussão em torno da cor da pele, num país onde só há mistura de raças. Toda a reivindicação é legítima, mas o extremismo seja em que lado for não é bom. É triste quando saber que existiu a escravidão e o nazismo. Não é ficção, é real. E ainda tem gente que defende uma atrocidade dessas. Gostaria que a sociedade de fato começasse a discutir o HUMANO, com todas as suas idiossincrasias. Que cada um olhasse para o outro e se enxergassem, que tivesse empatia. Este racismo estrutural é desprezível. Quando estou trabalhando sou muito exigente com o meu trabalho, não só o de ator, mas com a produção também, porque é preciso antever todo e qualquer acontecimento. Muitas vezes é cansativo, pois envolve tanto uma elaboração de um projeto, na parte teórica, como orçamentária. Além da execução e prestação de contas. Tenho um defeito de quando estou em cena sempre sei o meu texto e do colega, mas é algo que acontece naturalmente, mas nem sempre é bem aceito. Já tive problemas em relação a isso, da pessoa achar que eu estava querendo ser melhor do que ela (rsrsrs) lamentável. Quem me conhece e trabalha comigo de longas datas, sabe que essa é uma característica minha e acontece naturalmente. Perfeccionista, talvez. Apego-me aos detalhes. Adoro ler. Leio muito, sou bastante caseiro. Sou uma pessoa simples e fácil de lidar, mas se for necessário tirar alguém do trabalho, por achar que a pessoa está prejudicando a produção, eu convido a se retirar imediatamente, sem nenhum problema. Não posso admitir que todo o trabalho de uma equipe, seja desrespeitado. Procuro criar sempre um ótimo local de trabalho. Prefiro o dia que a noite. Sou uma pessoa de fé, espiritualista e procuro respeitar todas as crenças. Onde moro o pássaro que predomina é o bem-te-vi, doce e ao mesmo tempo valente que é capaz de expulsar os gaviões das árvores, é impressionante. Um dos primeiros pássaros a anunciar que o sol está nascendo, o bem-te-vi é um símbolo da prosperidade. Ele representa a alma humana em conexão com a espiritualidade. E sou muito privilegiado por ter amigos, são poucos, mas dois em especial, amadureceram junto comigo e passamos por muitos momentos na vida, tanto bons quanto os ruins que são Wagner Brandi e Paulo Rodrigues, irmãos que a vida me deu. E falando em irmão, tenho que agradecer muito por ter nascido numa família abençoada, onde a união entre os irmãos, que Deus me deu, é muito especial e sagrada, o respeito às diferenças, carinho e amizade estão sempre presentes entre nós. Uma união que se estendeu para os sobrinhos e os netos. Falam que a nossa família deveria ser estudada, porque grande e todos os irmão são bastante unidos e verdadeiramente amigos. Um luta pelo outro.Agora estão chegando os bisnetos. Estamos felizes com a chegada de mais gêmeos. A família está aumentando de dois em dois, primeiro as meninas e agora os meninos. Sempre com as bênçãos de nossa querida mãe. Ela tem uma história de vida que merece ser escrita para o palco. Ainda vou escrever.

MaisPB – Temos novidades para este ano?

Gilson Gomes – Se depender de nós, sim. Estamos aguardando algumas respostas de editais para dar continuidade das apresentações de “Diários marginais” e do espetáculo inédito “Diário da lua”, que faz parte da trilogia “Diários”, também escrito por mim e por Wagner Brandi, repetimos a parceria da escrita. O “Diário da lua” está prontinho, no forno, pronto para ser servido à plateia. Um belíssimo trabalho e com uma equipe de primeira. O terceiro espetáculo já está escolhido, na verdade deveria ser o primeiro, mas com a perda do nosso amigo e diretor Paulo Afonso, adiamos a sua estreia e montamos os outros espetáculos. Ainda é um segredo e só adianto que é um texto encantador, este é uma adaptação de um dos grandes autores universais. Sou suspeito, porque vivo lendo este autor. Será uma grande surpresa para o público. Surpreendente mesmo. Ainda pretendemos dar continuidade às comemorações dos 25 anos da Oráculo, que foi interrompida pela pandemia. Como já disse, além desses textos temos já iniciado a produção de A Confissão, de Eduardo Lamas. Um texto bastante crítico sobre esse momento atual onde vemos tantas desigualdades e injustiças em nome de Deus. Tivemos um convite para publicar mais uma vez parte da nossa trajetória no livro Bastidores: a história do teatro brasileiro, de Simon Khoury. Um presente para os vinte e cinco anos. Adoraria fazer os personagens: o bêbado Marmeladov e sua fantástica prece, Raskolnikov, o Príncipe Miskim, todos de Fiódor Dostoievsk – os dois de “Crime e Castigo”, ele é um autor que leio constantemente, seus contos também são fantásticos. Personagens de Durrenmatt o professor de “A visita da velha senhora”; Sancho Pança, de Cervantes; Policarpo Quaresma, da obra de Lima Barreto; “O Castelo”, de Franz Kafka, como é belo esse texto; gostaria muito de ver uma produção dos gigantes “Gargântua e Pantagruel”, de François Rabelais – fabuloso. E ainda os textos de Corpo Santo e Nelson Rodrigues. O que não faltam são personagens e textos encantadores.

Veja  aqui trailer da peça Dois Marginais  – um encontro com Lima Barreto e João do Rio

Roteiro da trajetória

2021 – Apresentação online pelo youtube no canal da Cia., com grande sucesso de crítica e de público. O espetáculo foi contemplado pela Lei Aldir Blanc.

2018 – Estreia no Sesc Tijuca, o espetáculo teatral “Torturas de um coração”, de Ariano Suassuna.

2017 – “Diários marginais: um encontro com Lima Barreto e João do Rio” Temporada de fim de ano no Centro Cultural Parque das Ruínas. Participa do 3º Festival de Teatro do Centro Cultural Midrash e das Comemorações de Lima Barreto, durante a FLIP 2017. Também se apresenta na Festa Literária de Friburgo. Circuito pelo Edital Sesi Cultural e é selecionado para circulação nos equipamentos culturais. É adaptado para cinema e virou um longa-metragem. Está sendo filmado e em fase de produção. A montagem, assim como o trabalho do grupo são publicadas no livro Bastidores: a história do teatro brasileiro, de autoria do jornalista e pesquisador teatral Simon Khoury.

2016 – “Diários marginais: um encontro com Lima Barreto e João do Rio”, em circulação nos Teatros da Funarj. Estreou em 2015, no Sesc Tijuca, no Teatro II. Também se apresentou no projeto “Paixão de Ler”, pela Secretaria Municipal de Cultura e Prefeitura do Rio de Janeiro. Foi convidado para integrar a programação do Salão Carioca do Livro, no Píer Mauá, na Zona Portuária do Rio, no Armazém 3.

2015 – Leituras dramatizadas de “Amor por Anexins”, pelo Edital Viva o Talento, nas Bibliotecas Populares pela Secretaria Municipal de Cultura. Leitura dramatizada na Casa da Gávea.

Também esteve em cartaz “O bar do Manolo”, uma comédia escrita por Gilson Gomes e Wagner Brandi. Direção: Wagner Brandi.

Em 2014 encena o espetáculo “Riso invisível”, do premiado autor Francisco Alves da Silva, em cartaz no Sesc Tijuca e Parque das Ruínas.

Em 2012 / 2013 monta o espetáculo “Oh, Nelson Rodrigues, que adoráveis criaturas!”, durante as comemorações do autor. Texto adaptado por Neila Tavares, baseado nas obras literárias de Nelson Rodrigues. Em cartaz na Sala Baden Powell e Sesc Tijuca.

2012- O grupo volta a mergulhar na pesquisa e prepara montagem de O Mandarim (adaptação de Gilson
Gomes)

2011/ 2010/2009/2008- Realiza o circuito Sesc Rio com cinco espetáculos: Já é!; O Planeta; Waldir e Waldirene; Brasileirinho e Expresso da Saúde.

2005 a 2007 – Esteve em cartaz com o espetáculo “Se liga meu irmão!” e o infantil “O Planeta”.

2001 – O grupo recebe convite para voltar a encenar o espetáculo Amerika de Kafka realizado pela Funarj em parceria com o Sesc se apresentando em vários municípios do Rio de Janeiro. Teve direção de Wagner Brandi e nova adaptação de Gilson Gomes.

2001 – O Grupo Volta a encenar O Mandarim no Real Gabinete Português de Leitura em comemoração a seus 175 anos de existência, desta vez com todo o romance adaptado. Sempre contando com a presença do Cônsul Geral de Portugal. Adaptação de Gilson Gomes e direção de Wagner Brandi.

2000 – O grupo é convidado para realizar um workshop, transmitindo sua experiência para jovens atores com a montagem de Amerika de Kafka. Ainda em 2000 – O grupo é convidado para participar do Evento Internacional Eça entre Milênios, encenando no Real Gabinete Português de Leitura (um trecho de O Mandarim, de Eça de Queirós). Direção: Wagner Brandi. 1999 – O Capote, com direção de Wagner Brandi e Paulo Afonso.

1998 – 1ª Montagem do espetáculo teatral Amerika de Kafka, com direção de Paulo Afonso de Lima e Wagner Brandi. Teatro Museu do Telephone. 1997 – Pesquisa de textos e oficinas de reciclagem.

1996 – O ASSALTO, de José Vicente. Direção de Wagner Brandi. Indicação de Melhor Ator para Gilson Gomes e Melhor Espetáculo, Festival realizado pela Rioarte /1996.