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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]

 

O avesso do avesso

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publicado em 25/03/2022 às 06h36

A literatura brasileira contemporânea não precisa narrar acontecimentos grandiosos. É fato que o maior sucesso de 2021, Torto Arado, apresenta uma história criativa e mágica no sertão baiano. Na contramão do escritor Itamar Vieira Jr., cada vez mais, autores brasileiros têm encontrado lirismo no cotidiano. Em O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, (foto) um filho tenta refazer os percursos da vida e da morte do pai, investigando seus dias comuns, entre namoros, trabalho e racismo.

É um livro brasileiríssimo, situado em Porto Alegre, que não nega as amargas raízes da educação brasileira – já que o protagonista é um professor com alunos desinteressados, matriculados em uma escola sucateada. Também não nega o racismo despudorado do país. Segundo o Atlas da Violência, negros têm mais que o dobro de chance de serem assassinados no Brasil. Na narrativa, antes de ser assassinado, o pai do narrador havia sido revistado em 7 abordagens policiais.

E apesar da dor e da violência injustamente direcionada, enquanto foi vivo, o protagonista foi movido pela sensibilidade: “É necessário preservar o avesso, você me disse. Preservar aquilo que ninguém vê. Porque não demora muito e a cor da pele atravessa nosso corpo e determina nosso modo de estar no mundo. E por mais que sua vida seja medida pela cor, por mais que suas atitudes e modos de viver estejam sob esse domínio, você, de alguma forma, tem de preservar algo que não se encaixa nisso, entende? Pois entre músculos, órgãos e veias existe um lugar só seu, isolado e único. E é nesse lugar que estão os afetos. E são esses afetos que nos mantêm vivos.”

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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