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Livro reúne história da MPB de 1500 até anos 70

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publicado em 04/12/2021 às 11h27
atualizado em 04/12/2021 às 17h29

Kubitschek Pinheiro MaisPB 

Foto do escritor – Selmy Yassuda

Rodrigo Faour é um escritor brasileiro. Depois da travessia literária pela História Sexual da MPB e as biografias de Angela Maria, Dolores Duran, Cauby Peixoto e Claudette Soares, o autor presenteia a cultura do nosso país, realizando um projeto arrojado, ao lançar o primeiro volume da História da Música Popular Brasileira. O selo é da editora Record.

Faour criou um panorama da nossa música popular brasileira, do final do século XV, quando os portugueses aportaram no Brasil, até os dias atuais.

Neste primeiro volume, o autor delimita seu estudo entre 1500, com a contribuição dos indígenas, a antiga cantoria dos índios, os portugueses e escravizados, e os conturbados anos 1970.

Em “História da Música Popular Brasileira, Faour mostra um país e sua extensão continental, um Brasil rico em musicalidade e com culturas diversas.

Na verdade, Rodrigo Faour desenha um estudo minucioso sobre as transformações da produção e do consumo de música popular em diversos momentos da nossa história, contextualizando-as e relacionando-as às mudanças políticas, sociais e comportamentais pelos quais o Brasil passou, vem passando e passará.

Rodrigo Faour nos convida para atravessar todos os ritmos como o choro, samba, marchinha, valsa, frevo, samba-canção, música caipira, baião, bossa nova, sambalanço, coco, samba-enredo, Jovem Guarda, MPB, Tropicalismo, carimbó, partido-alto, soul, samba-rock, pagode, forró, sertanejo, brega e o que possamos imaginar.

Sua obra não privilegia ritmos nem artistas. A proposta é fazer o leitor se encontrar num cenário despido de preconceitos estéticos, apresentando o melhor da diversidade do que já foi produzido em cada região do país, do mais longevo, de regiões mais profundas e sentimentais, ao mais revolucionário, experimental e irreverente, sem deixar de citar os sucessos mais representativos de cada artista em seu tempo. É um catatal. Uma obra necessária para ser estudada nas escolas do Brasil e lida por quem conhece ou não a história da música brasileira.

O livro traz um encarte colorido de 64 páginas e é um convite ao leitor a (re)descobrir nosso Brasil por meio de sua expressão musical, evidenciando o pluralismo de produção de cada região que compõe o país.

Rodrigo Faaour conversou com o MaisPB e mostra a amplitude do assunto, revela detalhes minuciosos, a pesquisa, a busca e o melhor resultado do seu trabalho. E mais: em fevereiro teremos RF em João Pessoa, para o lançamento de História da Música Popular Brasileira, aliás, o autor já está debruçado no segundo volume. Aguardem.

MaisPB – De imediato, a gente percebe que você se transformou nesse novo livro num historiador, que, claro, está ligado ao seu trabalho de jornalista, que entende bastante de música e literatura. História da Música Popular Brasileira (Vol. 1) é seu grande livro?

Rodrigo Faour – Na verdade, acho que desde que escrevi meu primeiro livro de certa forma acabei me tornando um historiador por tabela, pois nunca fui de escrever nada sem uma pesquisa muito bem embasada ou só para bajular artistas. Sempre me dispus a cunhar um trabalho contextualizando a obra desses artistas que biografei com o Brasil. O “História Sexual da MPB” já era um livro em que eu fazia um passeio do século XVIII até o início do século XXI. Da mesma forma no meu trabalho de entrevistador em rádio, TV e no meu canal do YouTube, nos textos que fiz para encartes de CDs também. Agora apenas o trabalho foi ainda maior, pois tentei dar conta dos personagens relevantes de todas as épocas em nossa música popular. O grande desafio foi fazer isso tentando não cansar o leitor, sem afogá-lo em tanta informação.

MaisPB – Depois de escrever a fantástica História Sexual da MPB e nos presentear com biografias de Angela Maria, Dolores Duran, Cauby Peixoto e Claudette Soares, Rodrigo Faour, explode com um catatal bem esmiuçado sobre nossa potente música. Como começou esse projeto?

Rodrigo Faour – Comecei a dar aulas de história da música popular brasileira na PUC-Rio em 2015, daí senti falta de uma bibliografia mais atualizada para os alunos. Então como dediquei minha vida inteira à pesquisa de nossa música, guardando discos, recortes de jornal, catálogos de discos, livros sobre o tema e até mesmo mantendo amizade ou já tendo entrevistado algumas vezes diversos personagens-chave dessa história, decidi eu mesmo escrevê-lo. Quis fazer um livro inclusivo, sem deixar de fora artistas que até então não eram dignos de estar num volume como este, tais como os chamados “bregas”, os que cantavam em outras línguas ou em ritmos estrangeiros, entre outras categorias.

MaisPB – Quanto tempo demorou a primeira pesquisa ou pesquisa única já estamos ansiosos pelo segundo volume…
Rodrigo Faour – Cerca de seis anos, incluindo o segundo volume cujo texto já está pronto. Atualmente estou na fase de revisão e de coletar as fotos do encarte. Era para ser um livro só, então escrevi tudo de uma vez. Porém como ficou muito grande, tive que dividi-lo em duas partes. A segunda vai de 1978 a 2021 e sai até o fim do ano que vem.

MaisPB – Como se deu sua chegada ao final do século XV, quando os portugueses aportaram no Brasil?
Rodrigo Faour – Pelo fato dos indígenas serem muito musicais, os jesuítas usaram muito desta ferramenta para conseguirem catequizá-los. Muitos tornaram-se músicos de suas paróquias. Seus chocalhos e tambores foram importantes nos primórdios de nossa música e há vestígios de seu legado em alguns gêneros da canção caipira e no boi bumbá e no bumba meu boi, por exemplo. A seguir, esses costumes foram se cruzando com os instrumentos, gêneros musicais e danças oriundos da Europa, e os batuques, novos instrumentos e danças africanos que aportaram aqui com os negros escravizados. Nossa história musical é uma grande salada musical, oriunda de várias partes do mundo, mas que criou uma identidade própria e riquíssima que muito poucos países no mundo podem ostentar.

MaisPB – Seu livro prova que somos um país rico musicalmente com as nossas diversas culturas. Vamos falar sobre isso?

Rodrigo Faour – Cada região do país foi criando seus próprios gêneros através dos tempos. É uma cultura musical realmente riquíssima que de três décadas para cá vem sendo progressivamente abafada pela globalização e o capitalismo predatório cada vez mais desmedidos. Ainda assim, somos o país fora dos EUA – dono da cultura dominante no planeta – que mais consome sua própria música nacional. Meu livro, sobretudo este primeiro volume, é uma tentativa de divulgar esse tesouro para que mais jovens – inclusive músicos – se deem conta disso e possam se deixar influenciar pelos nossos artistas espetaculares do passado, misturando tudo isso aos modismos internacionais do presente, de forma a tornar nossa música contemporânea mais criativa e original e menos arremedada exclusivamente do pop planetário massificado até mesmo na forma de emitir a voz para cantar.

MaisPB – Nesse miolo vamos assistindo muitas mudanças sejam políticas, de comportamento e sociais, que o Brasil passou e ainda passará. Isso é outro ponto fundamental do seu livro, né?
Rodrigo Faour – Na verdade, não apenas neste como em todos os meus trabalhos essa questão de comportamento sempre me foi muito cara. A nossa música popular dentre todas as artes sempre foi a mais popular. E ela igualmente sempre refletiu nossos valores sociais, políticos e comportamentais. Por isso a narrativa acaba se tornando interessante, pois ela se entrelaça à própria história do país. Mesmo quem não conhece os nossos artistas mais antigos acaba ficando curioso de ouvi-los, pois a história dos intérpretes, músicos e das personagens de suas canções dizem muito de nossas raízes, do que fomos e do que nos tornamos.

MaisPB – Está tudo lá, choro, samba, marchinhas, valsa, frevo, samba-canção, até a chegada do sertanejo, carimbó, partido-alto, Jovem Guarda MPB, soul, samba-rock, e o brega. Poderia falar um pouco dessa diversidade de ritmos e culturas?
Rodrigo Faour – Todos os nossos ritmos são fruto de muito intercâmbio racial e cultural de várias partes do mundo, porém dessa mistura resultaram alguns tipicamente brasileiros como a modinha, o lundu, o maxixe, o choro, a marchinha, o samba (e suas subdivisões múltiplas – do samba-canção ao samba-enredo, passando pelo samba-reggae e samba-rock), o frevo, maracatu, bumba meu boi, a bossa nova, o baião, a moda de viola, os ritmos gaúchos, o carimbó, o mangue beat, etc. Mas há também os estrangeiros que ganharam sabor bem brasileiro, nem que fosse nas letras, como o rock e o soul, e mais recentemente o funk carioca e o hip-hop.

MaisPB- Pra você que importância teve o Tropicalismo, encabeçado por Caetano Veloso?

Rodrigo Faour – Uma grande revolução estética, comportamental e poética para fazer frente à onda pop trazida pelo rock nos anos 1960 que revolucionou a cultura planetária. Essa onda foi tão forte que aniquilou uma parte considerável das músicas nacionais de vários países do planeta, que passaram a seguir uma estética única baseada em canções pop, entre variações de rocks e baladas. A ideia era fazer algo original, sem desprezar o contexto internacional. Assim sendo, ampliou as possibilidades de cruzamento da nossa música com gêneros e estéticas estrangeiros, mas fazendo direito o dever de casa antropofágico. Por isso essa revolução comportamental-visual-poética tropicalista ajudou sobremaneira que a “MPB” seguisse forte nos anos 70 e 80 e nossa música não virasse um arremedo do pop mundial como aconteceu na maioria dos países.

MaisPB – O escritor Albert Camus fala muito bem da questão estética, enquanto sujeito. Seu livro mostra um caminho onde toda nossa estética da música está a nos conduzir a uma proposta sem preconceitos, que esmiúça cada região. Essa sacada é documental, fascinante e oportuna. Vamos comentar?

Rodrigo Faour – É meio ridículo fazer um livro de história, seja ele qual for se baseando num critério de gosto pessoal. História é história. Claro que não existe trabalho imparcial, mas fiz todos os esforços para tentar ser minimamente justo com quem teve êxito com seu trabalho musical em nível nacional. Não se pode excluir da história artistas que tiveram obras populares consagradas. Se são bregas, chiques, inteligentes, alienados, instigantes ou pretensiosos não me cabe julgar. Posso no máximo dar dados para que os meus leitores tirem suas conclusões. Ou seja, posso até problematizar algumas questões, mas jamais apagá-las, pois seria desonesto. Da mesma forma, tentei jogar luz sobre alguns personagens subestimados da história pelos mais variados critérios. Não existe uma história estática, existem os fatos no limbo do passado. Cabe ao historiador/pesquisador trazer à luz seus personagens que de alguma forma dialoguem com o tempo presente. No meu caso, um dos meus critérios foi não desprezar quaisquer artistas ou canções que caíram no gosto popular, ainda que por um breve período. Outro foi trazer de volta artistas que não eram mais lembrados por preconceito de parte da crítica e dos antigos pesquisadores que refletiam o pensamento dominante da intelligentsia de outras épocas. Os puxadores de samba-enredo, os roqueiros dos anos 70, os músicos que gravaram em inglês se passando por americanos, os caipiras e sertanejos de todas as épocas, os músicos de baile que gravavam disco a rodo nos anos 50 e 60 para animar festinhas caseiras, as compositoras desbravadoras nem sempre reverenciadas, os cantores do rádio da fase do auge dos auditórios muitas vezes negligenciados, os brega-românticos dos anos 60 e 70, as orquestras militares (e suas imitadoras) no século XIX, a história do início da nossa discografia muitas vezes mal explicado… Estão todos no livro juntamente com os velhos e maravilhosos baluartes sempre reverenciados com muita justiça, como Chiquinha Gonzaga, Pixinguinha, Ary Barroso, Noel Rosa, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Chico Buarque, Elis Regina etc.

MaisPB – O que mais lhe impressionou ou deixou de lhe impressionar, já que sua arte, a da pesquisa literária e seu interessar e estilo já estão fincados no nome do escritor Rodrigo Faour?

Rodrigo Faour – Mesmo pesquisando desde pequeno, me impressionaram a quantidade de personagens e histórias fascinantes. Não tinha dado por mim como tinha gente que eu nunca tinha ouvido falar ou que tinha ouvido falar, mas nunca tinha tido a oportunidade de ouvir ou me aprofundar. A vontade era a de fazer a biografia de todo mundo, porque um nome puxava outro que puxava outro, um mais incrível que o outro! Me senti um verdadeiro salva-vidas neste livro. Tomara que meu livro inspire outros autores e músicos para que não deixem morrer um legado tão precioso. Em termos de escrita foi um desafio bem interessante o de entrelaçar milhares de personagens e fazer disso uma prosa, mas sem deixar de citar os sucessos e os feitos de cada artista importante, tornando-o também um bom livro de consulta. Essa dobradinha faz dele um livro diferente. Acho que fui feliz, pois quem já leu está indicando para os outros, pois só isso explica que a primeira edição tenha se esgotado com apenas dois meses de lançada.

MaisPB – E as fotografias, como você conseguiu, as raridades que se casam com seu livro?
Rodrigo Faour – Foi um tour de force garimpando em acervos de instituições públicas e particulares. Creio que depois de um ano, consegui um painel que até o experientíssimo Tárik de Souza, jornalista e crítico musical na ativa desde 1969, que assinou a orelha do meu livro, ficou espantado quando viu o resultado e me perguntou: “Onde você conseguiu isso? Nunca vi essas fotos”.

MaisPB – Mudando de assunto, 2022 será um ano bom, vamos voltar a nossa vida sem buscar o tempo perdido?
Rodrigo Faour – Como trabalho em casa há 20 anos, nem na pandemia perdi tempo. Continuei fazendo meu doutorado na PUC-Rio não presencial e fiz vídeos semanais para o meu canal do YouTube Rodrigo Faour Oficial (sobre música e comportamento), que já passou dos 62 mil seguidores e tem vídeos que viralizaram como a entrevista com Odair José que realizei no início de 2020, cujas quatro partes estão chegando a 4 milhões de visualizações. Em termos de vida social, adoro bater perna e conhecer gente, espero sinceramente poder voltar a fazer tudo que não fiz nos últimos dois anos! Inclusive viajar para lançar este livro e o próximo volume em várias capitais.

MaisPB – Você manifestou a vontade de vir a João Pessoa lançar o primeiro volume de História da Música Popular Brasileira, podemos esperar por esse momento e quando seria?

Rodrigo Faour – Sim, se tudo correr bem, irei em fevereiro. Há alguns anos estive em João Pessoa de férias, mas também a trabalho em Campina Grande, dando um curso pela Funarte e foi uma turma inesquecível, participativa e que me fez uma homenagem no dia do meu aniversário que calhou de ser no último dia de aula. Divulgarei nas minhas redes sociais, como em meu Instagram @rodrigo.faour

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