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A série de reportagens "Santuários eleitorais do Bolsa Família", realizada pelo blog do Magno Martins, de Recife (PE), e reproduzida pelo Portal MaisPB, visitou, nesta terça-feira (18), a cidade de Canhoba, no Sergipe. O objetivo da série de reportagens é mostrar a expressiva votação da presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) em cidades do interior nordestino. Para o jornalista Magno Martins, o "Bolsa Família" foi o fator desequilibrador do último pleito presidencial.
Em Canhoba, que apenas 4.057 habitantes, a 124 km de Aracaju, deu a presidente Dilma 83,33% dos votos, a maior de Sergipe, a nona do País. A expressiva votação foi puxada pela indústria eleitoreira do programa Bolsa Família, que contempla 937 famílias no município, a maioria pobre e necessitada, mas muita gente que abriu uma brecha para aumentar sua renda de forma ilegal. Os flagrantes das fraudes estão em toda parte, do perímetro urbano aos sete povoados, onde moram 70% da população. O caso mais aberrante já teve um final feliz: vereador filiado ao Solidariedade, Marcilio de Oliveira, passou quatro meses na lista dos bolsistas, com uma ajuda de R$ 326, mas denunciado, teve que reembolsar R$ 1.386.61, meses após receber uma notificação do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Pobreza.
No município, o jornalista também destaca o nepotismo na prefeitura.
Confira a reportagem na íntegra abaixo:
CANHOBA (SE) – Território dominado por uma prefeita adepta do nepotismo, cujos filhos e parentes próximos tocam a sua gestão, a pequena Canhoba, com apenas 4.057 habitantes, a 124 km de Aracaju, deu a presidente Dilma (PT) 83,33% dos votos, a maior de Sergipe, a nona do País. A expressiva votação foi puxada pela indústria eleitoreira do programa Bolsa Família, que contempla 937 famílias no município, a maioria pobre e necessitada, mas muita gente que abriu uma brecha para aumentar sua renda de forma ilegal.
Os flagrantes das fraudes estão em toda parte, do perímetro urbano aos sete povoados, onde moram 70% da população. O caso mais aberrante já teve um final feliz: vereador filiado ao Solidariedade, Marcilio de Oliveira, representante da reserva quilombola de Caraíbas, a 15 km do centro, passou quatro meses na lista dos bolsistas, com uma ajuda de R$ 326, mas denunciado, teve que reembolsar R$ 1.386.61, meses após receber uma notificação do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Pobreza.
“Eu fui inscrito antes de ser eleito, mas depois da eleição me aconselharam a não abrir mão do benefício, pois muita gente no município também estava em situação irregular”, conta o parlamentar, adiantando que devolveu o valor constrangido. Ele reclama que, apesar de apoiar a gestão municipal, nunca ganhou um emprego para colocar seus parentes. “Mas a prefeita governa com a família”, desabafou, irritado.
Gilzete, prima do vereador Marcilio, tem bolsa com mais duas irmãs da comunidade quilombo de Caraíbas.
Marcílio saiu do programa de transferência de renda do Governo Federal, mas continua a proteger seus parentes. A prima Gilzete Silva, 28 anos, mãe de um filho, embolsa R$ 112 por mês, mesmo valor das suas irmãs Regiane e Luciene Santos, vizinhas de sua casa em Caraíbas, e, claro, também primas.
O assentamento é povoado de bolsistas. Das 160 famílias, mais de 90% estão no guarda-chuva do programa, inclusive pessoas em situação irregular, como é o caso de Gleide Melo, dois filhos, esposa do ex-vereador Eronildes Campos, do PP, mais conhecido como Gordo. Ainda quando era parlamentar, em 2010, ele encontrou uma forma de aprovar o cadastro da mulher, que também trabalha para a Prefeitura numa escola da comunidade quilombola.
“Nós não somos casados. Portanto, minha mulher não está ilegal”, rebate o Gordo, que reforça o salário da família com um pequeno comércio na cidade de Aquidabã, vizinha de Canhoba. As fraudes no município sergipano não param ai. No povoado de Borda da Mata, um dos mais carentes de Canhoba, o vereador Uilidon Silva (PSL) tem uma prima, Adriana dos Santos, que é zeladora numa escola municipal com salário mínimo e recebe mais R$ 301 da Bolsa.
Vereador Uilidon Silva nega que a esposa seja beneficiária do programa, mas tem parentes recebendo benefício indevidamente.
O parlamentar teria colocado no programa também a sua esposa Aparecida Campos, segundo correm versões na comunidade. Ele, entretanto, desmente. Diz que, na verdade, tentou, mas o cadastro não foi aprovado. “Isso é intriga da oposição”, alega. A reportagem tentou checar o nome de Aparecida na lista oficial do programa, mas encontrou dificuldades. A assessoria da prefeita informou que esse tipo de informação é sigilosa.
Os que não se contentam por estarem fora do programa em Caraíbas, comunidade que sobrevive da pesca e da produção de mandioca, milho e feijão, além de gado, ovelha e galinhas, informam que há outros casos de ilegalidade entre os beneficiários, como a transferência do valor do benefício para um parente próximo quando o bolsista se aposenta.
Nepotismo: filhos e parentes tocam a administração
Cidadela perdida no mapa de Sergipe, Canhoba é governada por uma mulher, Naldinha Santos, do Partido Solidariedade, que entregou o poder à família. Na prática, o prefeito é seu filho José Wictor, de apenas 26 anos, secretário de Finanças. Manoela Santos, também filha, é secretária de Saúde, enquanto a nora Camila Santos toca a pasta de Educação e o cunhado Everaldo responde pela Secretaria de Obras.
José Wictor, filho da prefeita, secretário de Finanças, e sua esposa Camila é secretária de Educação.
“Nepotismo não é crime nem pecado, todo mundo governa assim nas cidades deste Brasil”, diz o filho Wictor, que nas horas vagas derruba boi pelo rabo em vaquejadas na região. Seus cavalos são afamados na fazenda da sua família, a 5 km do centro de Canhoba. A prefeita, dona da única farmácia da cidade, não quis dar entrevista, alegando estar adoentada.
Em Canhoba, dos 3.114 eleitores que foram às urnas na eleição presidencial de segundo turno, 2.595 votaram em Dilma, o que representa 83,33% dos votos válidos. O tucano Aécio Neves teve apenas 519 votos, 16,67%. A prefeita não apoiou a reeleição de Dilma, mas também não fez campanha para o candidato do PSDB.
Secretária de Saúde, Manoela Santos é filha da prefeita.
“Ela deixou correr livre”, diz a secretária de Saúde, Manoela Santos. “Tanto isso é verdade que eu votei em Dilma”, acrescentou. Já seu irmão Wictor se confessa eleitor de Aécio e não tem papas na língua para traduzir a expressiva votação de Dilma no município. “Foi o Bolsa Família. Aqui, todo mundo está amparado no programa”, afirma.
Sobre as irregularidades constatadas pela reportagem, o secretário admite as distorções, mas garante que sua mãe, ao assumir em 2013, determinou que fosse feita uma limpeza no programa. “Encontramos até um policial alistado, isso sem contar com professoras e outros servidores da Prefeitura”, disse.
A prefeita mora nos fundos da sua farmácia, em frente à praça principal. O estoque de remédios é pequeno e maioria dos fregueses tem crédito para comprar fiado. “Em dinheiro vivo, ontem mesmo eu só apurei aqui R$ 23,00”, disse a atendente Vilma Neves, que trabalha para a família há 15 anos.
Rosa Maria dos Anjos, da comunidade Borda da Mata, beneficiária do Bolsa, cliente da farmácia da prefeita.
Lá, em apenas 20 minutos, enquanto a reportagem aguardava a secretária de Educação, três clientes, todos do Bolsa Família, compraram fiado. Dona Rosa Maria dos Anjos, 51 anos, procurou remédio para diabetes e disse que é beneficiária do programa social há 18 anos. “Perdi a conta que meu pai Lula e minha mãe Dilma me ajudam”, disse, brincando, exibindo o cartão da Bolsa.
MaisPB/Magno Martins
BOLETIM DA REDAÇÃO - 03/07/2025