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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Nos sambas das antigas

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publicado em 30/04/2021 às 07h30

Nos sambas das antigas

Não sei se, em outro canto do mundo ou em outra era da humanidade, falava-se assim. Mas, “lá em nós”, em Santarém, no alto sertão da Paraíba, quando se ia a um baile, a um forró, a gente dizia que estava indo a um samba.
Claro que não estamos falando do samba urbano carioca, mas dos arrasta-pés, dos forrobodós nordestinos, das danças que os moradores daquela zona rural, nos anos setenta e meados dos anos oitenta, ficavam, do início da adolescência em diante, enlouquecidos para frequentar.
Os melhores sambas ocorriam por ocasião das festas de São João e São Pedro ou de algumas festas de casamento. Os mais desejados, inspiradores, embora não fossem necessariamente os melhores, eram os que propagandeavam algum conjunto famoso, das bandas das cidades grandes, gente graúda que já tinha discos gravados e que, pela fortuna que cobravam, jamais iria tocar em Santarém, um povoado minúsculo escondido no cu do mundo.
Ficávamos, então, muito bem resolvidos e animados com os saxofones, os foles, as sanfonas, os triângulos e as zabumbas dos tocadores raiz da nossa redondeza. E eram bons, como eram muito bons nossos artistas! Perdoem-me se eu esqueci alguém, mas, à minha cabeça, vêm-me os nomes de mestres como Ananias Cassiano, Israel Pereira, Cirilo Félix, José Manita, Chico de Quaresma, Nego Chico e tantos outros. Eram esses que nos deixavam pulando em um pé só, mas doidinhos para meter os dois dentro do salão de dança, tirar uma moça para a refrega durante toda a noite, até o raiar do dia.
Mas, as coisas não eram fáceis, não. Para as mulheres, principalmente. Lá em casa, então… Por papai, não, vez que a idade dele, já cansada, não se preocupava mais com essas coisas, mas mãe era leoa das mais valentes na proteção dos seus filhos, e, no que se refere às minhas irmãs, o cuidado era redobrado, ostensivo e vigilante.
Poucas vezes elas iam a esses sambas, mãe não deixava. Nas raras vezes que ela afrouxava as rédeas, minhas irmãs, já mocinhas, entravam em um estado de encantamento. Também pudera! Deixar a solidão do pé da Serra do Desterro para ver gente era uma diversão e tanto. E logo para um samba! Flaviana, que decerto aprendera a dançar com os rodopios solitários de mãe ouvindo a Hora (ou terreiro) da fazenda, era uma exímia dançarina, Bia, não. Mas, mãe impunha uma condição: que fossem acompanhadas de alguém, alguma mulher de extrema confiança que ficava responsável por trazê-las sãs e salvas de algum lobo mau na hora combinada. Maria Lourenço era uma dessas.
Da minha parte, a verdade é que até os meus dezesseis anos, eu não tinha tanto interesse para ir a essas festas. Havia tantas coisas que me davam mais gosto: ouvir, no rádio velho, os jogos de futebol na voz de Waldir Amaral ou Jorge Curi, na Rádio Globo; ler os livros que eu tomava emprestado no museu da cidade de Uiraúna, um lugar cheio de silêncio e solidão, situado em uma casa pequena, ao lado da estátua de Cristo Rei; fazer as minhas tarefas escolares com prumo e zelo, para tirar um dez… e também sofrer tendo que copiar livros inteiros da Bíblia, a mando do Padre Cleides, o professor de religião do colégio estadual.
Quando a minha adolescência cresceu no tempo e sentiu vontade de ir aos sambas na Fazenda Nova, os quais eram os maiores, essa idade me exigiu o dever de ganhar algum dinheiro. Acho que foi Dedé, minha irmã mais velha, que, em um deles, matou um capão gordo, torrou, fez uma farofa com muita cebola roxa e lá fui eu ao samba, não para a principal diversão da festa, que sequer aprendera a dançar forró.
Fui a pé com um amigo mais velho, Jonas de Chagas Lucas. Vendíamos os pedaços do frango frito aos rapazes solteiros que os saboreavam como tira-gosto das lapadas de aguardente de cana que tomavam. Uma, duas, várias lapadas de cachaça, e se retiravam acesos em direção ao salão, chão de terra batido, buscando coragem para tirar alguma moça para dançar.
Eram o álcool e a dança alargando a autoestima daqueles jovens carentes de tudo; testosterona irresoluta em busca do amor que, naqueles dias, cheirava a rosa de flores e a sabonete alma de flores; a sina da existência que se encantava de música e de alegria, para celebrar a resistência de viver. A vida, sim, era uma festa bonita e curta: estavam certos, todos eles, de que não perderam tempo como eu.
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