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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Quem for do Sertão levante a mão

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publicado em 02/10/2020 às 07h43

Meu sertão é farto. Não goza com parcimônia, mas aos borbotões. Nas agruras também. Quando é para o Sol castigar a nossa terra, ele não vem macambúzio, tampouco intermitente, mas espraia-se intenso e fogoso: queima o solo, marca nossa pele de cicatrizes e luta, alegrando-se pela sucumbência do verde, que cede aos seus caprichos de astro rei. Não tem dó ou piedade. Nem nossas preces o acalmam facilmente em sua fome inexorável de nos castigar de sede.

“Meu divino São José/Mandai chuva com abundância/ Meu divino São José (…)”

Quando muito, para agradar ao santo, o Sol insinua-se bondoso à tardinha, quando veste uma minissaia toda feita de nuvenzinhas faceiras, que diz se chamar esperança. À tardinha, quando o Sol sai, para vadiar por outras terras, nós sonhamos com a chuva que, em algum tempo, nem que seja em anos, como assim está escrito em nossa paciência, cairá.

Enquanto ela não vem, estiramos nossos beiços para o horizonte. E quando o dia geme as suas últimas dores, e a noite surge, a lua do sertão surge lá no céu, grandona, suave, boiando sobre nossas cabeças, um centro de mundo rodeado de estrelas, todas de uma só vez, piscando os olhinhos para a nossa fé e fortaleza.

Meu sertão é fausto. Quando o Sol se acorda de sua cruzada e, ao final de algum pedaço do tempo, queda-se cansado de sua labuta — às vezes por anos a fio —, a graça nos é concedida: a chuva escorre do céu como se fosse peneirada em fios de alegria, caindo das nuvens em uma dança sensual; as biqueiras de nossas casas abraçam a água, como se nelas alcançassem a sua sina e vida; os meninos são pirilampos pequenos, todos saltitantes por entre os córregos; as sementes das árvores viçam e, sem pudor algum, abrem-se ao germe da vida, absolutamente interesseiras, enquanto os riachos abrem as suas bocarras em um assovio assombroso e molhado, todos ávidos para perderem as estribeiras, sem compostura alguma.

No meu sertão, a flor do mandacaru — mesmo quando a vida, pela seca, quer esvair-se — não insinua risos, gargalha desavergonhadamente. As preces das pessoas não se esvaem em formas sorumbáticas, são novenas que gritam milagres desde as profundezas da alma de nossa gente; os trovões não sussurram gemidos, mas se expõem aos céus em uivos roucos e desesperados, e os relâmpagos não são feitos de luz neon, são multicoloridos, muitas vezes, estradas de fogo e vento a cortar o céu em medonho ziguezaguear.

No meu sertão, tudo é muito: somos hospitaleiros de nascença, dóceis, abertos à vida como o melão caetano amadurecido. Somos touros brabos ou vacas dadeiras, gatos do mato, o canto da juriti ou serenos como o gorjear da rolinha fogo-apagou. Não somos oito nem oitenta, porque, em nós, onde se inicia e morre o infinito, não há medida. Sim, o meu sertão é farto, em se plantando (e chovendo), tudo é explosão de Deus: o mamoeiro, as rosas, a minha gente e o preá!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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