João Pessoa, 18 de setembro de 2020 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Em meados do mês de julho de 2017, quando o frio caiu sobre a cidade de São Paulo (foto) , deixando-a retraída e meio sorumbática, quis o meu ofício que a visitasse. Eu não a conhecia ainda, e decerto um passeio de uma semana por suas ruas, praças e vivências não me possibilitaria, jamais, conhecer, sequer, um milésimo dos seus labirintos feitos de riqueza, glamour, modernidade, história e desesperança.
Da suntuosidade possibilitada pela riqueza da cidade, não há o que falar. A riqueza dos mercados — o herói dos tempos modernos — não se mostra facilmente a qualquer um, afinal, ele é comutativo: só se entrega, como prostitutos, a quem lhe entrega uma mercadoria em troca.
Digo isso, mas ofendo a mais velha das profissões. Peço até as minhas escusas a todas aquelas e aqueles que, por prazer, vaidade ou necessidade, tomam a liberdade de uso de seus corpos como instrumento de prazer alheio.
O mercado, ao contrário, é prostituto sempre: nunca se possibilita amar por amor ou pelo simples prazer de viver a vida. Se alguém atravessa as cercanias dos seus muros, é porque, de algum modo, favoreceu-o em sua gana de obter lucro, seja com algum objeto fornecido, seja pelo trabalho que ele, satisfeito, aceita como mercadoria ou servidão.
Tirante a beleza do povo que se mostra nas ruas dessa cidade cosmopolita ou aquela que a natureza das coisas não deixa que o vil metal a oculte, como suas praças e monumentos, como a vocação para a multinacionalidade e regionalidades e para o cotidiano de povo trabalhador, outras belezas há, mas estão escondidas da maioria, porque é objeto suntuoso que o mercado não oferece a qualquer um.
À míngua, portanto, de qualquer possibilidade — talvez de vontade também — de conhecer o farto e o que a prata poderia comprar na cidade de São Paulo, meus olhos caíram sobre as pessoas — não todas —, mas sobre aquelas que moram nas ruas, aquelas que, no mais retinto frio da manhã paulistana, foram covardemente acordadas às sete horas da manhã com o esguicho cortante de água em suas dignidades e pertences. E que pertences! Caixas de papelão e um cobertor velho, escondendo as partes de quem, por não ter o que oferecer ao deus do capital, não faz mais parte deste mundo.
E foi assim que, nas imediações da Ipiranga com a São João, esgueirei-me por um beco fedido e esteticamente impróprio para a visão humana e ali, em um grafite arisco e contundente, li: “A humanidade é todo mundo”. Uns dez metros adiante, a dignidade humana se prostrava por terra: havia a figura de uma deusa esquelética envolvida naquele corpo de mulher, talvez uma menina ainda, porém, mesmo assim, precocemente expulsa do paraíso.
Mas, para não dizer que não passei no coração financeiro da capital, na quinta-feira, fui à Paulista. Passeei sem gozo algum, pois, sendo o templo da perdição monetária, ela só me dava as costas, a imoral! Menos mal, pois o que vi testemunhava a falência da experiência humana pela Terra: de um lado, servos da luxúria em acintosa desumanidade desfilavam sua iniquidade pelas butiques; de outro, quase aos pés do Citibank, um ser vivente agonizava o resto da sua vida, ali, exposto à impiedade humana.
Pois é, nem na Paulista, onde o dinheiro jorra aos borbotões, a humanidade é todo mundo! Imagine-se no resto da cidade: em cada canto, em cada praça, em cada esquina, em cada casa, a desesperança instalou-se com um ar muito sério de naturalidade. Mas, isso são coisas do mercado, não é?
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