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Poeta, escritor e professor da UFPB. Membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

Colecionar é preciso!

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publicado em 09/09/2020 às 08h42

O que você coleciona? Moedas, selos, santos, carros, cartões, gravatas, relógios, ilusões, amores, decepções? Eu, por exemplo, coleciono pedras, pentes, pássaros, perfumes, personagens, poemas, chapéus, chaveiros, chocalhos, chuva…

Decerto, colecionar é uma estranha necessidade metafísica de imprimir uma ordem aos materiais do mundo. Uma ordem, mesmo que externa e aparente. Mesmo que insustentável como qualquer ordem que se preze e que se saiba, como qualquer ordem lógica, razoável e estruturada, autodissolúvel.

Para mim, pelo menos, colecionar é essencial, porque sempre fui internamente um desordenado perfeito. Em mim pulsa um caos interior, e, nesse caos interior, as coisas da vida se misturam, sem hierarquia e sem prioridade. Em suas absurdas fronteiras os objetos se entredevoram numa fábula febril de agonia e alucinações, e nem as estrelas cintilantes que brilham no firmamento pacificam os tremores da alma.

Colecionar é uma forma de editar o mundo e de amar as coisas. É também um jeito lúdico, menino e quase poético de colorir humanamente os objetos e os inutencílios que nos cercam, com sua anônima humildade e seu imperecível silêncio. Quase diria: sua genuína descartabilidade.

Não sei, mas, às vezes, chego a pensar que nada é descartável, que coisa nenhuma é descartável, até mesmo aquela miudinha, incolor e esquecida num fundo de gaveta. De certas pessoas, no entanto, já não penso assim. Sobretudo daquelas que abdicam de serem pessoas e se contentam com a simples contingência de ser o animalzinho que é. Vazio, visguento, vermífugo, viperino…

As coisas, não. As coisas merecem todo o respeito porque todas as coisas são sagradas. As coisas não falam e falam a linguagem muda do encantamento, refletindo os secretos sortilégios de sua presença viva e enigmática. Móveis ou fixas, as coisas possuem autonomia, liberdade e beleza. Dizia um antigo e barbudo filósofo que existe um Deus dentro de todas as coisas, e um poeta moderno, por sua vez, sustenta que todas as coisas têm língua. Portanto, vamos colecionar deuses e orar pelas coisas. Colecionar é preciso!

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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