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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

A velhice inevitável

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publicado em 08/09/2020 às 05h58

O advogado Marcos Pires escreveu aqui no MaisPB sábado passado, que morrer não é o problema, difícil é envelhecer. Onde está o “xis” do problema (da canção Noel Rosa), doutor Marcos Pires? Não sei de onde MP tirou essa assertiva.

Quando a gente é jovem, não temos medo de morrer, sequer de envelhecer. A resistência, a libido, a testosterona é o que definem a matéria e o ser. Meu pai dizia que a única coisa que levamos no caixão é a libido. Eu não sei.

Olho para uma senhora, a mãe da minha mulher, que almoça todos dias na nossa casa e não vejo nela um envelhecimento, sequer a dificuldade de ter envelhecido. Eu já disse aqui e repito, as mulheres não envelhecem.

O ruim de envelhecer são as rugas? Elas fazem residência em nosso rosto. E não adianta tirá-las. Não me incomodo em tê-las. Mesmo assim, pensando à distância, as rugas têm alguma coisa de interessante: são como anotações em livros.

A professora Zarinha lê livros reescrevendo-os. Isso é fantástico. Ali vão ficando as linhas de um tempo que já passou, mas o livro não envelhece. Vamos imaginar que uma pessoa sem rugas é invisível e o livro ilegível. Um livro sem anotações, precisa ser desvirginado. Eu sou desvirilizante.

Pensando bem, envelhecer tem suas vantagens: é como se não fosse mais necessário ir em busca de tantas coisas, internas ou externas, ter que correr atrás, fazer bicos para aumentar a renda, dar aulas em três colégios, trabalhar até tarde. Bom, não sei bem o que é envelhecer. Os golpistas não devem gostar da velhice, talvez por isso, sacaneiam tantos os idosos.

Lembro e não exatamente como foi, mas Dona Canô Veloso (foto) disse que quem não envelhece, morre. Tai uma resposta simples para o filho de Dona Creuza Pires.. Eu tenho um amigo que nunca morreu, o professor Cláudio Paiva, ele dizia que pior do que morrer é não poder morrer. E o que é morrer? O que é pior?

Vamos retirando as pedras do caminho, em que as coisas surgem consumadas, razoavelmente compreendidas ou só basta experimentá-las, até o impossível. Tem coisa melhor do que comer cuscuz com ovo? Um pão assado na chapa? Ter bons amigos? Tem coisa melhor que o erotismo?

Não precisamos ser até o fim, quando já se conhece o caminho e o meio, pra que quer saber do fim? É bom ver os filhos grandes, (só tenho um), a mesa posta, os problemas resolvidos ou a velha preocupação onde colocamos os óculos? Eu disse velha? Os meus óculos estão sempre na cara.

Bom, eu sempre sei onde estão meus discos. Ou quase sempre. Mas nunca sei onde estão as chaves do carro, da casa, onde botei o celular que vive no silencioso e não adianta ligar que ele não toca. Isso é velhice? É não, eu sou assim desde pequeno.

No lugar da demência, a respeitabilidade, mas quem vem na frente é a dignidade. A dignidade não impede que a pessoa seja nova ou velha. Ao contrário, é possível conciliar muito bem essas coisas, ao passo que a velhice implica no jeito “cabeça” de ser. Esquecer é uma maneira de lembrar. Já a dignidade é fruto de atitudes bem resolvidas.
A resistência é o que define a matéria e o ser. O indivíduo que não resiste não se define, é amorfo, sem limites ou limitado. O objetivo da existência é ser tranquilo. Disserte sobre.

Kapetadas
1 – Doente de insônia, procurei um remédio pra vida noturna.
2 – Basicamente se você tem um trabalho, ganha um salário, consome e não mata ninguém você é um indivíduo civilizado.
3 – Som na caixa: “Eu vejo o homem velho rindo numa curva do caminho de Hebron”, Caetano Veloso.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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