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Médico. Psicoterapeuta. Doutor em Psiquiatria e Diretor do Centro de Ciências Médicas da Universidade Federal da Paraíba. Contato: [email protected]

Como em qualquer sertão

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publicado em 18/08/2020 às 09h02

A professora Valderez Araújo, minha companheira de Coordenação de Curso, encaminha-me o livro de ficção de Viriato Corrêa, e me pergunta se conheci. Na verdade, ela se referia ao início da estória. Um senhor careca que todos o conheciam por Cazuza, teria deixado manuscritos na casa do Viriato para ele ver se aquilo era literatura.

Fala do momento festivo em que conheceu a escola: a festa da palmatória. No último dia de aula, as crianças a punham num estandarte e saiam, numa espécie de trote, fazendo-a de símbolo. Diria que num movimento de denúncia. Ou de resistência. O cenário imaginado é a cidade Natal de Corrêa, Pirapemas. E saindo do foco do livro infanto-juvenil, me apeguei às discrições da cidadezinha maranhense, e da hospitalidade que havia. Sua casa, por exemplo, servia de ponto onde pernoitavam alguns passageiros dos vaporezinhos de roda, que faziam a navegação do rio.

Daí em diante, não fugi mais das minhas lembranças, de quando passava na casa de um dos camponeses que moravam na propriedade. Como eles não tinham nada e nos tratavam como se tivessem tudo. Meu pai vinha à cidade de Patos, o almoço era na casa de Chico Marques, um agropecuarista amigo, casado com uma prima, com quem meu pai fazia negócios e, nas dificuldades, chamavam-no para buscar algum boi pirracento. O galego era vaqueiro nas horas vagas.

Criança, me embevecia, toda vez que passava algum vizinho de propriedade, um viajante, um “forasteiro”. Forasteiro no modo de dizer, porque ali ninguém era considerado um estranho. Alguém passar pelo terreiro, parar e não descer? Impossível. – Apeie, aí. Vamos tomar um café! O convite era certo. E assim como fora na casa do amigo, dia de feira, se comia lá em casa. Parentes , amigos, moradores.

Uma boa conversa abordava, como sem falta, se o ano seria bom ou não. Se iria chover. Será que haveria uma boa safra de algodão? Porém, o mais animado e prazeroso para eles, era receber ou ser recebido. Com costumes assim, mais rurais que urbanos, estranhava a sisudez, que eu sentia no povo da Capital. Se estranhei ao chegar, imagina agora, que quando o elevador chega, teu vizinho ou vizinha empurra a porta na tua cara, para que você suba sozinho. Está certo. É prevenção. Mas, para não perder de vez aquele carinho que os interioranos tinham, ainda pergunto: sobe ou quer aguardar? Traduzindo em Cazuzês : É servido? Que era assim que se convidava para a refeição.

Tudo isso, foi um pouco depois da palmatória. Cheguei a conhecê-la porque, durante alguns anos, frequentava a escola com irmãos mais velhos que eu. A palmatória passou. Muita coisa passou. Sou professor. Valderez, que veio de Santa Luzia, também. Como nossas escolas são diferentes das de Cazuza e quão longínquas estão. Aliás, seja em que sertão (foto) for, como dói a saudade, quando a sentimos de nós mesmos.

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