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Jornalista. Ex-repórter do Portal MaisPB e de outros sites de João Pessoa-PB. Pessoense residente em São Paulo. Observadora da vida, gosta de contar histórias em primeira pessoa. Contato: [email protected]

Quando março vai acabar?

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publicado em 05/07/2020 às 16h54
atualizado em 06/07/2020 às 04h00

Eu fiz aqui as contas, acabo de chegar no meu 107º dia de quarentena. Dá três meses e um pouquinho. Pouquinho de tudo: de surtos leves, de choros no sofá da sala, de treinos dentro de casa, de bolos no forno, de brigas para manter a casa arrumada, de aulas assistidas, de livros lidos, de páginas escritas no Word. Esse bocadinho de atividades somadas dão muitas horas e dias e chego à conclusão que 107 é tudo, menos pouco.

Para obter esse número, eu precisei contar, porque não sei você, mas eu me perdi completamente no tempo. Abri o calendário, voltei ao mês de março, especificamente ao dia 19, e fiz as contas. Cento e sete dias.

Eu sei que não estou sozinha nessa falta de controle sobre o calendário nosso de cada dia. Se fizer uma pesquisa rápida, muitos dirão que trocaram a terça-feira pela segunda, a sexta pela quinta, o sábado pelo domingo e por aí vai. É difícil perceber que os dias mudam se os afazeres domésticos e profissionais são os mesmos e parecem acontecer em ciclos iguais e repetitivos.

Se você é um dos que precisam trabalhar fora de casa ou só não respeita a quarentena mesmo, essa perda da percepção do tempo, possivelmente, é menor. Mas se assim como eu você está a mais de 100 dias confinado, trancado na sua prisão segura, saindo apenas raras e necessárias vezes, entende muito bem quando o físico Albert Einstein diz que “cinco minutos com seu bem-amado não são os mesmos cinco minutos na fila de um banco”.

Em casa ou não, qualquer um nota que a sensação temporal altera de acordo com o projeto que estamos realizando e o envolvimento emocional que temos com ele.

Horas podem se transformar minutos e segundos podem ser eternos, e quem decide isso é nosso engenhoso cérebro. E não sou eu quem estou afirmando, há séculos cientistas e filósofos estudam a respeito da natureza do tempo.

Einstein já provou a Teoria da Relatividade, em que o tempo não é igual no universo. Mas eu não vou adentrar nesse caminho pedregoso, mesmo acreditando nele. A lei de (Ernst Heinrich) Webner é um pouco mais fácil de explicar. O médico atestou que a diferença de pesos leves entre si é mais fácil de ser percebida do que em elementos pesados. O mesmo acontece com o tempo, por isso, achamos que os ponteiros do relógio estão andando cada vez mais depressa à medida que envelhecemos.

Pode perguntar ao seu filho de 8 ou 9 anos (se você tiver um) se esses mais de três meses, em que ele é privado de ir à escola e ao parque, não são iguais a eternidade. Uma amiga, mesmo já passada pela terceira década de vida, tem nesse período pandêmico a mesma acepção de uma criança pequena. Segundo ela, duas semanas de férias valeram por um mês inteiro e o início da quarentena parece ter começado em outra vida. Para ela, quando se atua com presença, vivendo intensamente cada minuto, acumulando momentos, a percepção do tempo se multiplica.

A minha amiga, que antes da pandemia tinha uma rotina atordoada de afazeres e compromissos, conseguiu ter o olhar de uma criança no confinamento, pelo menos o tempo dela voltou a ser como de uma. Ela foge à regra. Quantos não acham que foram dormir em março e acordaram em julho? Assim, num passe de mágica, como se todos os 107 dias não tivessem transcorridos, mas apenas um.

Pior que a velocidade dos dias é o entendimento de que estamos em um período inútil, que pulamos três meses e o perdemos por completo. Este foi o desabafo angustiado que escutei de outra amiga: “O que estou sentindo é como se estivéssemos perdendo tempo”. Tempo de estar com a família, tempo de ver a sobrinha crescer, tempo de abraçar os amigos, tempo de colocar aquela meta traçada no começo de janeiro em prática.Tudo justificado pelo confinamento que muitas vezes leva a fadiga e ansiedade.

Meu terapeuta dizia que toda perda é um luto e quem aí não passou pelo calvário do luto na pandemia merece os parabéns, a saúde mental está em dia, é inabalável com ou sem coronavírus. Já eu, ainda em março, chorei igual a um bebê imaginando todas as mortes que estariam por vir, todo egoísmo que seria execrado a olho nu e toda incerteza de quando poderíamos voltar a ter uma vida “normal”.

Enxuguei as lágrimas, afastei-me das notícias que me faziam mal e foquei em maximizar as generosidades presenciadas, pois para todo o mal existe o bem, os dois andam soltos pelo mundo e não é de hoje. Os dias que estavam correndo eu os desacelerei. Acordei meus sonhos adormecidos, tracei meus propósitos e me debrucei sobre novos projetos. Estar aqui escrevendo para essa coluna hoje é só mais um deles.

Eu sei que parece que estamos, na verdade, vivendo o quarto mês de março seguido, queremos voltar à normalidade e temos urgência em viver o amanhã com mais intensidade do que nunca. Entretanto, o tempo vai seguir seu curso normal. A fronteira entre o passado e o futuro sempre será o presente. O agora é momento que temos uma troca recíproca com o mundo. É o que temos para hoje e por hoje.

Ainda é impossível prever quando estaremos seguros novamente (se é que algum dia já estivemos), mas já chegamos a julho, passamos por abril, maio, junho e março precisa, de uma vez por todas, acabar.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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