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Viver numa sociedade autista é muito bom!

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publicado em 02/04/2019 às 14h14
atualizado em 02/04/2019 às 11h15

Hoje é o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, um dia para refletirmos sobre como estamos tratando pessoas com grande potencial cognitivo relegado por anos diante de estereótipos ultrapassados. A data também serve para projetarmos caminhos.

Durante o meu trabalho de conclusão do curso de Direito abordei a necessidade da criação de normas que tratassem com equilíbrio a relação entre Estado e Mercado no tocante à economia criativa. Na monografia “Marcos Legais para a Economia Criativa: Desafios para o Estado, Provocações para o Direito Econômico”, o desafio era abordar aspectos jurídicos (a posteriori) desse ramo econômico disruptivo em muitos setores dos quais ele encontra esteio e amplitude.

A propósito, a economia criativa é o conjunto de negócios baseados no capital intelectual e cultural e na criatividade que gera valor econômico. A indústria criativa estimula a geração de renda, cria empregos e produz receitas de exportação, enquanto promove a diversidade cultural e o desenvolvimento humano. Música, cinema, turismo, tecnologias, comunicação são alguns setores desta indústria.

Diante de tantas pesquisas sobre conceitos, dinâmicas, estratégias e modelos de negócios criativos, em busca de alguma juridicidade para tais setores, uma leitura, em especial, me chamou atenção: o livro “Crie sua Própria Economia – O Guia da Prosperidade para um Mundo em Desordem” do economista e pedagogo americano Tyler Cowen.

No livro, Cowen, que é orientado pela Escola Austríaca de Economia e conhecido por seu blog Marginal Revolution, trata sobre o volume de informação que está a nossa disposição desde a popularização da internet, além da maneira caótica e desordenada como temos administrado tais conteúdos; quase sempre desprovida de um sentido maior. O autor apresenta duas explicações para esse estilo de consumo de informação, uma econômica e outra psicológica.

Econômica

Nas últimas décadas e principalmente após o surgimento da internet, a tendência é que grande parte da nossa cultura venha em pedaços mais curtos e menores. Pense no álbum de rock dos anos 1960 trocado por faixas de músicas compactadas no iTunes ou no Spotfy. “Quando o acesso é fácil, tendemos a favorecer o curto, o doce e o pequeno. Quando o acesso é difícil, tendemos a procurar produções em larga escala, extravaganzas e obras de arte”, escreve Cowen. Sob este ponto de vista, entramos numa nova ordem mundial – de abundância de conteúdo –, na qual a economia da informação deixou de ser um problema de escassez para se tornar uma questão de filtro.

Não se trata mais exclusivamente de uma economia de gastar dinheiro, e sim de uma economia de capturar a atenção. Vide Stories do Instagram – concorrente ou sucessor do Snapchat. A mudança inclusive tem impacto na necessidade de remuneração (hoje muito menor do que há 15 anos) porque as possibilidades de experiências proporcionadas pela cultura da web permitem que pessoas comuns possam ter “vidas interiores” tão ricas e extraordinárias quanto Bill Gates ou Warren Buffet, argumenta o autor. Ponto em que o autor refere-se aos novos tipos de comportamentos, trocas e economias oriundas do simbolismo, da criatividade e da colaboração.

Psicológica – Vida Interior.

A questão da “vida interior” é parte da segunda explicação de Cowen para como estamos consumindo informação, ligada ao campo intelectual e emocional. Para o economista, essa cultura de unidades e pedacinhos cada vez menores e cada vez mais numerosos está aprimorando a nossa existência mental interna e tornando-a mais coesa, e não mais caótica. “A coerência encontra-se no fato de que você está recebendo um fluxo contínuo de informação para alimentar a sua atenção constante. Não importa quão díspares os tópicos possam parecer a quem olha de fora, a maior parte do fluxo se relaciona com as suas paixões, seus interesses, suas afiliações e com a maneira como tudo se coaduna. Na essência, tudo diz respeito a você e isso é, de fato, um tópico favorito para muita gente. Agora, mais do que nunca, você pode reunir e manipular unidades de informação do mundo externo e relacioná-las com suas preocupações pessoais”, defende.

Ganha mais quem consegue criar para si e para os outros a melhor forma de filtragem desse conteúdo. Vide sites e perfis de redes sociais que destacam temáticas especificas.

Uma Sociedade autista

Parte central da abordagem de Tyler é supreendentemente, pois é focada no autismo e na neurodiversidade – as muitas formas de preferências mentais e de estilos cognitivos. Os autistas são o que ele chama de “infóvoros” – adoram reunir, ordenar e processar informação, especialmente pequenos pedaços de informação, para dar sentido e significado à vida. Não à toa, ele apresenta experiências cognitivas desenvolvidas por autistas e por portadores da Síndrome de Asperger (um dos perfis do espectro autista) em detrimento aos não-autistas:

“No passado era comum à visão de que a maioria das pessoas autistas eram incapacitadas intelectualmente (“retardado mental” o termo infeliz mais utilizado), e em certa medida esse estereótipo persiste hoje. Entretanto, um crescente número de pesquisadores localiza as áreas onde os autistas superam os não-autistas. Um breve levantamento mostra que os autistas têm, em média, maior percepção do compasso e outras habilidades musicais; são melhores na observação de detalhes no meio de padrões; têm melhor acuidade visual; enganam-se menos com ilusões de ópticas; têm maior probabilidade de ajustar-se a alguns cânones da racionalidade econômica, resolvem alguns tipos de quebra-cabeças e enigmas a uma taxa muito mais rápida e são menos propensos a ter certos tipos de falsas memórias. Autistas igualmente têm, em graus variados, fortes ou mesmo extremadas habilidades de memorização, execução de operações com códigos e cifras, fazer cálculos de cabeça, mostrando excelência em muitas outras tarefas cognitivas especializadas”.

Percebam que, nós, enquanto sociedade, estamos nos tornando cada vez mais parecidos com os autistas. O que é muito bom. Cowen faz uma radical reinterpretação do que é ser autista, tratando a questão não como uma desordem mental, mas mostrando as muitas forças cognitivas dessas pessoas. Nem todos se beneficiam desse ambiente de fácil acesso e de grande quantidade de informação, diz o economista, mas muitos sim, e isso deve ser celebrado. Neste momento, ele cita como personagens como traços autistas influenciaram no nosso comportamento social, psicológico e econômico ao longo dos últimos anos. Steve Jobs, criador da empresa Apple e responsável pelo desenvolvimento de itens como o IPOD, que mudou a forma de se ouvir música e o indispensável Smatphone; Bill Gates da Microsoft e o onipresente Windows; e Bram Cohen criador do protocolo BitTorrent que mudou a forma de armazenamento de conteúdo. Todos apresentados com uma característica em comum: a Síndrome de Asperger.

A cada ano os especialistas nos ensinam mais sobre as capacidades cognitivas do espectro autista. E a cada ano, como já fora dito, nós nos parecemos mais com autistas. De modo que, não é de se admirar que novas abordagens, instituições de acolhimento, legislações, entre outras normas, tenham surgido nos últimos tempos visando à ideia de inclusão social desses extraordinários indivíduos. Mas, que tipo de inclusão? Um questionamento que deverá ser feito por (e para) pais, parentes, amigos, empresas e, principalmente, ao Estado e Mercado.

Adam Smith, com a “A Riqueza das Nações”, transformou a maneira como boa parte do mundo passou a pensar a economia moderna. “Crie sua própria economia” é uma espécie de manifesto da revolução industrial deste século — a era da informação. Ele evidencia o poder que cada indivíduo tem de planejar e controlar sua própria vida, independentemente de as forças econômicas estarem do seu lado ou não, ou mesmo diante daquilo que nos aparenta uma fraqueza, o livro mostra que podemos criar a nossa própria economia e ter uma vida mais interessante, plena e feliz. Sendo autistas ou não.

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