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Francisco Leite Duarte é Advogado tributarista, Auditor-fiscal da Receita Federal (aposentado), Professor de Direito Tributário e Administrativo na Universidade Estadual da Paraíba, Mestre em Direito econômico, Doutor em direitos humanos e desenvolvimento e Escritor. Foi Prêmio estadual de educação fiscal ( 2019) e Prêmio Nacional de educação fiscal em 2016 e 2019. Tem várias publicações no Direito Tributário, com destaque para o seu Direito Tributário: Teoria e prática (Revista dos tribunais, já na 4 edição). Na Literatura publicou dois romances “A vovó é louca” e “O Pequeno Davi”. Publicou, igualmente, uma coletânea de contos chamada “Crimes de agosto”, um livro de memórias ( “Os longos olhos da espera”), e dois livros de crônicas: “Nos tempos do capitão” …

Qual o sentido do fiofó?

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publicado em 19/04/2024 às 06h38

Lindo, leve, lépido. Naquele sol morno de um domingo de abril, o sabiá espreguiçou suas asas como se não houvesse nada mais para fazer. Havia e muito.

Mas ele estava tão embasbacado com as suas novas descobertas que imaginou poder esticar o tempo além da conta. E nisso, ele era mestre. Incontáveis vezes se deitou nas correntes de ar, as mais quentinhas  e se deixou ir, sem preocupações, sem alvoroço, sem medidas, nem piados. Apenas o pulsar do seu coraçãozinho martelando a mente, dando conta da pujança da vivência.

Sim, estava vivo e isso era tudo.

No entanto, nem os sabiás escapam das arapucas e maledicências que a vida apronta. Uma pichilinga, daquelas mais travessas e assaz teimosa, não lhe dava sossego. A sua bundinha – a do sabiá – foi a primeira a reclamar:

— Piu, piu, piu.

E ele não era passarinho de receber picada na bunda e ficar quieto. Seu biquinho reto e marrom foi quem atendeu os reclames do seu órgão mais saliente. Aprumou-se, afiou-se nas penas mais resistentes da asa esquerda, mirou  o alvo e atacou. Haveria de devorar o inseto belicoso de uma picada só.

Quão bosta é a vida, pensou o sabiá. A malandra da pichilinga foi muito mais rápida do que o bico afiado do passarinho: pulou de bandinha, sorriu com a cara  mais deslavada do mundo – se é que pichilinga tenha cara e sorria – zombando do sabiá:

— Nem me pega, nem pega…

Além de não alcançar a pichilinga, algo de mais grave aconteceu: o bico do sabiá resvalou em uma das suas penas e incidiu, com a maior força do universo, no centro do seu próprio fiofó.

Que dor! Que dor!

Beliscão de pichilinga na bunda de uma pobre ave já era algo que a incomodava além da conta, mas picada no centro do cu, nem passarinho sábio como o sabiá, poderia aguentar.

E foi assim que a pobre ave, acordando para a vida,  se pôs a matutar: o sentido do tempo, qual seria? E a vida, também teria sentido? E as pichilingas, para que serviam aquelas criaturas comedoras de bunda de passarinho? E fiofó, fiofó tem sentido?

Foi nesse instante da mais pura filosofia que o sabiá descobriu:  só sabia que não sabia que sabia que não sabia.

@professorchicoleite

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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