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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

Juca e o mar  

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publicado em 19/04/2023 às 07h00
atualizado em 19/04/2023 às 06h44

Quando a madrugada se abriu ao Sol que chegava lento na manhã, foi a amiga Ana Paula Cavalcanti quem deu a notícia. A funesta notícia da partida de Juca Pontes para outra dimensão.
Ele se foi silencioso. Uma partida definitiva. Sem despedida.
Os poetas são silenciosos. Disso sabemos. Uns mais, outros nem tanto. Sabem absorver o silêncio e a tristeza do mar. Porque o mar é triste, no entender do cronista-poeta Gonzaga Rodrigues.
Não acho que o mar seja triste. O mar é misterioso. Depende de como você olha o mar. Juca Pontes, poeta, sabia olhar o mar. Desejava estar perto do mar. Com raízes nos sertões cheios de mistérios, ele sabia ser silencioso. Escutava mais do que falava.
Na sua atividade de editor de livros, revelado na oficina de Milton Nóbrega e Martinho Moreira Franco, Juca colocava poesia nas obras que editava. Um processo simples. Escutava o autor falar das ideias que gostaria de como fosse a capa do livro. Era o bastante para idealizar a melhor capa, a gramatura do papel, as cores, o conteúdo. Tudo executado no silêncio.
Juca era um homem do silêncio. Talvez tenha aprendido com seus ancestrais que os sertões têm ruídos e silêncio. Por isso, durante toda a sua vida se mantinha alimentado pelo silêncio. Mesmo a música, que tanto adorava, era uma música calma.
Observar o mar fazia bem a Juca. Ele amava o mar, mesmo não sendo um homem do mar, desses que pescam em pequenas canoas, enfrentando as tormentas. Tanto gostava que suas cinzas foram acolhidas pelas águas do mar.
Quando saíamos de alguma reunião ou de um evento cultural nas proximidades da praia, ele gostava de seguir pela rua à beira-mar, lentamente, para observar a lua cobrindo as ondas.
– Tem coisa mais bacana!, costumava dizer enquanto olhava o remanso das ondas.
Juca era poeta. Poeta que amava o mar. Escrevia poemas que lembram as gotas d’água despencando das folhas das bananeiras, das árvores, dos canaviais, as ondas calmas do mar.
Poeta econômico no uso das palavras. Poucos conseguem falar tantas coisas belas usando poucas palavras. Somente os poetas verdadeiros são capazes disto. Alguns cronistas-poetas conseguem essa proeza. Juca conseguiu produzir poemas de elevado encanto e escrevia crônicas antológicas, verdadeiros poemas em prosa.
Acredito que ele não gostava do silêncio das pedras, ao contrário do outro poeta procedente das brenhas de Aroeiras, Hildeberto Barbosa Filho, que conserva na memória a quentura dos seixos e os mistérios dos lajedos do Cariri. As únicas pedras que Juca admirava eram as Itaquatiaras do Ingá que, aliás, inspiraram belos poemas, carregados de símbolos e ruídos. Ele gostava do mar. Gostava de observar o mar.
Seu relacionamento com as Itaquatiaras foi amor à primeira vista, quando ainda jovem. Ao descobrir o lugar numa visita fortuita, de imediato decidiu escrever sobre os mistérios daquele lugar. Soube recolher o silêncio e a poesia que saem daquele conjunto de pedras para produzir um belo livro, mesmo que tenha passado mais de trinta anos escrevendo esta obra literária, lançada no final do ano passado.
Nunca presenciei, da parte dele, um gesto que desabonasse o que praticava e ensinava.
Assim como Jesus chorou com a morte de seu amigo Lázaro, eu também, silenciosamente, chorei a perda do amigo poeta. Jesus reanimou Lázaro à vida, enquanto eu, pecador, mantenho Juca vivo nas lembranças que dele guardo, na partilha da poesia e nos livros que nos uniam.
Havemos de lembrar sempre de seu abraço. Ele estará vivo nos poemas que escreveu. Nas sementes que plantou, que são seus filhos, netos e os livros que escreveu e editou.

Foto Cácio Murilo

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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