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Colaço Filho vai lançar “Direito e Memória”, dia 24, em João Pessoa

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publicado em 24/02/2023 às 09h44
atualizado em 24/02/2023 às 06h57

Kubitschek Pinheiro MaisPB

O professor Antônio Colaço Martins Filho, colunista do MaisPB, vai lançar em João Pessoa, no próximo dia 24, seu novo livro “Direito e Memória” com selo da Editora Lumen Juris. Será no auditório do Centro Universitário Uniesp. O livro é o resultado da conclusão de seu curso de doutorado, realizado na década passada, na Espanha. A obra teve publicação em espanhol e em português.

Há nove anos, ao concluir o mestrado pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal), cuja dissertação tratou da Comissão Nacional da Verdade e sua relação com as teorias da verdade, foi incentivado e orientado pela professora doutora Maria Clara da Cunha Calheiros de Carvalho a seguir o projeto de doutorado.

Dito e feito. Com o fim do mestrado sua minha orientadora, que é presidente da Escola de Direito da Universidade do Minho – Uminho, apresentou-lhe o programa de Doutoramento em Direito da Uminho e sugeriu que ele submetesse um projeto para admissão no referido programa. Colaço Filho começou o doutoramento em 2015 e  a defesa da tese em março de 2020.

Uma das arguentes da minha tese de Doutoramento foi a professora doutora Milagros Otero Parga, que integra o Conselho Editorial da Editora Reus (Madri), responsável pela editoração de obras jurídicas, desde 1852. A doutora Milagros sugeriu que eu submetesse minha obra ao conselho editorial para publicação na mencionada editora. Por esse motivo, a obra foi traduzida para o espanhol pela própria editora e publicada em Madri em julho de 2021”, disse Colaço Filho.

Antônio Colaço Filho é autor de “Direitos Sociais – Uma década de justiciabilidade na juridprudência do STF e “Da Comissão Nacional da Verdade: incidências epistemológicas”, entre outros

Nesses tempos de fechamento de livrarias, o “Direito e Memória” é uma necesidade a ser descoberta.

MaisPB – O livro o resultado da tese de doutorado. Vamos começar por aqui? Saiu em espanhol e também já traduzido para o português, a versão a ser lançada no UNIESP será a brasileira?

 

Colaço Filho – Farei um breve retrospecto. Em 2014, conclui meu mestrado pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal). Minha dissertação tratou da Comissão Nacional da Verdade e sua relação com as teorias da verdade. Na ocasião, fui orientado pela Professora Doutora Maria Clara da Cunha Calheiros de Carvalho e arguido pelo Professor Doutor Paulo Ferreira da Cunha, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal.

Findo o mestrado, a minha orientadora, que é Presidente da Escola de Direito da Universidade do Minho – Uminho, apresentou-me o programa de Doutoramento em Direito da Uminho e sugeriu que eu submetesse um projeto para admissão no referido programa. Iniciei o doutoramento em 2015 e fiz a defesa da tese em março de 2020.

Uma das arguentes da minha tese de Doutoramento foi a Professora Doutora Milagros Otero Parga, esta integra o Conselho Editorial da Editora Reus (Madri), que edita obras jurídicas desde 1852. A Doutora Milagros sugeriu que eu submetesse minha obra ao conselho editorial para publicação na mencionada editora. Por esse motivo, a obra foi traduzida para o espanhol pela própria editora e publicada em Madri em julho de 2021.   

Em 2022, o livro foi publicado pela Editora Lumen Juris no idioma em que eu o escrevi (português). 

 

MaisPB – A descoberta da obra traz uma curiosidade imensa que é a memória e tudo parece complicado e singular. Daria para você contar como veio o estudo desse trabalho?

 

Colaço Filho – O tema da memória começou a me chamar atenção durante os estudos da Comissão Nacional da Verdade, assunto que abordei na construção da minha dissertação de mestrado. A ingerência do Estado no tema da memória costuma ser vista como necessária (caso dos museus e das políticas de preservação da memória em geral). Ao mesmo tempo, pouca atenção é dispensada ao risco da utilização da memória coletiva em proveito de finalidades políticas de determinados grupos.

 

MaisPB – Quais os fatores primordiais que envolvem o estudo da memória, seja ela individual, coletiva e até política?

 

Colaço Filho – A memória diz respeito a eventos do passado. Trata-se, a grosso modo, da possibilidade de recuperar conhecimentos anteriormente postos à disposição do indivíduo ou de um grupo social. Algo ocorreu, o indivíduo tomou conhecimento deste fato e conseguiu, posteriormente, reconstruir a representação desse fato. Esse movimento pode ser espontâneo (reminiscência) ou fruto do esforço (recordação). Em ambos os casos, não há uma representação fiel dos fatos, das pessoas e das situações ocorridas no passado, mas uma reconstrução desses elementos a partir dos valores, da mundivivência e até do humor da pessoa no momento em que recorda.     

 

MaisPB – Na verdade qual é a função principal da memória, além da lembrança, do armazenamento, conhecimentos e direções?

 

Colaço Filho – Do ponto de vista individual, a memória biológica tem papel fundamental na construção da personalidade e da identidade, na medida em que confere ao indivíduo a possibilidade de perceber uma continuidade entre os diversos eventos de sua vida.

Na perspectiva social, a memória coletiva permite que um grupo social (família, sindicato, partido político, grupo étnico…) – ao acessar registros (fotografias, manuscritos, rituais etc) de acontecimentos importantes – construa e fortaleça a sua identidade (aquilo que o distingue dos demais grupos sociais), bem como reflita sobre crises, erros e acertos do passado, com vistas à construção de um futuro mais próspero.

  

 MaisPB – Direito e Memória. Você encontrou muitas coisas e quais foram algumas que fortalecem esse encontro?

 

Colaço Filho -A história é rica em exemplos de como grupos políticos fazem uso da memória para fortalecer o próprio poder. Como exemplo, no livro, eu menciono a imponente obra prima de Jacques Louis David, Sacre de l’empereur Napoléon Ier et couronnement de l’impératrice Joséphine dans la cathédrale Notre-Dame de Paris, le 2 décembre 1804 (1806–1807), que mimoseia os visitantes do Museu do Louvre com os seus quase 10 metros de largura. Napoleão foi retratado como a principal figura da solenidade, ao passo que as demais autoridades foram representadas como meros expectadores do evento. O imperador coroa-se a si mesmo, antes de coroar sua esposa Josefina. A simbologia é forte – o poder não emana da Igreja, ali representada pelo Papa Pio VII, mas do próprio Bonaparte.

Atualmente, no contexto da Guerra da Ucrânia (a bem da verdade, desde a ascensão de Putin ao poder), o governo russo empreende uma revisão histórica em várias frentes, com vistas a reforçar a legitimidade de suas ações. Nesse sentido, a Segunda Guerra Mundial (Grande Guerra Patriótica para os russos) é retratada como um conflito no qual a URSS foi a única responsável pela derrota nazista. Nessa esteira, atribui-se aos ucranianos a pecha de colaboradores dos nazistas. Stalin, por sua vez, responsável pela morte de mais de cinco milhões de pessoas (Holomodor) entre 1932 e 1933, figura em camisetas de adolescentes como um hipster ou um rock-starOs detentores de poder não fazem uso apenas de meios culturais e artísticos para fazer prevalecer a versão histórica que lhe mais beneficia, mas também lançam mão de instrumentos jurídicos, como leis de memória, decisões judiciais, anistias, comissões da verdade. No livro que será lançado no UNIESP, eu me debruço sobre leis de memória, comissões da verdade, anistias e decisões judiciais que estabelecem verdades históricas.  

  

MaisPB – Vamos falar do esquecimento. Quando isso acontece, é coisa do homem ser esquecido por natureza ou ele fica esquecido por lapsos?

 

Colaço Filho – O esquecimento é aspecto fundamental e pouco valorizado da experiência humana, tanto do ponto de vista individual quanto coletivo. Do ponto de vista individual, no âmbito da aprendizagem, faz-se necessário esquecer detalhes irrelevantes para se fazer generalizações e abstrações. Jorge Luis Borges, captou a importância do esquecimento ao conceber o personagem Irineo Funes. Esse personagem lembrava dos mínimos detalhes de tudo o que os seus sentidos captaram dos eventos que ele vivenciava. Essa característica, que poderia ser considerada uma grande vantagem em termos de aprendizado, contudo, tornava-o incapaz de fazer generalizações e, em última instância, de usufruir plenamente dos benefícios da capacidade de pensar. O esquecimento não se configura, portanto, como “defeito de fábrica”, mas mecanismo necessário para o aprendizado. O esquecimento também é fundamental para o perdão, tanto do ponto de vista individual quanto social.

 MaisPB – Como você conseguiu essa frente da anistia indeferindo na memória?

 

Colaço Filho -As anistias impedem a aplicação de determinadas normas de caráter punitivo a determinados fatos. Ela costuma aflorar em contextos de transição política, motivada por instabilidade e conflitos políticos. As anistias absolutas ocasionam um quadro de esquecimento social parcial, na medida em que impedem a investigação e, portanto, a elucidação e consequente formação da memória acerca de determinados fatos.

 MaisPB – O livro é tão abrangente, a sua contextualização, que poderia e deveria figurar em salas de aula, dos cursos de Direito, Ciências Sociais e outros. Você concorda?

 Colaço Filho – – O estudo das comissões da verdade e leis de memória costuma figurar em programas de pós-graduação em Direito ou Sociologia.

 

MaisPB – Resumindo – o que o leitor tem ganhar de conhecimentos com sua obra?

 Colaço Filho – O livro trata da relação entre o poder e a memória. O leitor é convidado a refletir sobre como, desde os primórdios da humanidade até a atualidade, os grupos que controlam as organizações coletivas usam registros, monumentos, celebrações, rituais e instrumentos jurídicos para intervir na memória, com vistas a satisfazer seus desejos políticos. Em suma, a obra evidencia alguns dos perigos subjacentes à criação de comissões da verdade, anistia, leis de memória, e decisões judiciais que estabelecem verdades históricas.

 

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