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Clara Velloso Borges é escritora, professora de literatura e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]  

Das liberdades e dos atentado

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publicado em 26/08/2022 às 07h00
atualizado em 25/08/2022 às 17h27

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A estátua com tocha erguida, a diversidade que povoa as ruas, os textos de Salinger e de Fran Lebowitz, as fotografias de Robert Mapplethorpe (foto), o rap de Jay-Z. Tudo em Nova York grita liberdade. Em um centro cultural nova-iorquino, no dia 12 de agosto de 2022, um evento promoveria uma palestra sobre os Estados Unidos como asilo para escritores e como um lar para a liberdade criativa. Faz sentido: a primeira emenda da Constituição americana impede o Congresso de limitar a liberdade de expressão. Todavia, o palestrante, o escritor Salman Rushdie, não chegou a proferir uma só palavra.

No palco, Rushdie foi esfaqueado diversas vezes. Seu agente literário comunicou à imprensa que o autor sofreu cortes nos nervos do braço, no fígado e em um olho, que provavelmente perderá. Não morreu, embora seja jurado de morte desde 1989, pouco após publicar Versos Satânicos. No livro, faz referência a Maomé. Representar o profeta islâmico é mal visto pelos muçulmanos até quando se é comedido e Rushdie não teve comedimento algum.

Quem escreve em tom crítico sobre religiões muçulmanas não tarda a sofrer ameaças. Na França do liberté, egalité, fraternité, 12 pessoas morreram na redação do jornal Charlie Hebdo, que não perdoava ninguém em suas sátiras. Às vezes engraçadas, às vezes ofensivas, as crônicas do Hebdo valeriam um processo, mas nunca 12 vidas. No Brasil, os textos de Charb, jornalista morto no atentado, foram editados em Pequeno Tratado da Intolerância, e vale conhecer suas polêmicas.

A liberdade para pensar e escrever é uma ideia solidificada por Voltaire e uma necessidade intrínseca à democracia. Mesmo que a linha divisória entre o respeito e a liberdade seja de traço invisível, no Brasil, podemos falar e publicar o que quisermos. Se o conteúdo for mentiroso, criminoso ou inadequado, arcamos com as consequências públicas e legais.

Em outro livro de Rushdie, Haroun e o mar de histórias, o filho de um contador de histórias tenta devolver o dom da palavra ao pai. Quem tem o dom da palavra não pode se permitir ficar calado.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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