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Paraibano Alexandre Filho, um dos maiores pintores Naifs do mundo, chega aos 90 anos, nesta segunda-feira

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publicado em 11/07/2022 às 11h13
atualizado em 11/07/2022 às 09h19

Kubitschek Pinheiro MaisPB

O artista paraibano Alexandre Filho, um dos maiores pintores Naif do mundo, chega nesta segunda-feira aos 90 anos. Nasceu Manuel Alexandre Filho, em Bananeiras, 1932 Chegou a trabalhar na lavoura até os 17 anos, não chegando a concluir o curso primário.

Foi servente de pedreiro, caixeiro e operário. Em 1964, mudou-se para Rio de Janeiro, onde começa a pintar autodidaticamente. Começa a expor em 1968. Alcança reconhecimento internacional, expondo em Paris, Madri e Lisboa.

Em 1968 participa do Festival de Arte Negra, na Nigéria. Expõe também em Houston e Montevidéu. Anatole Jakovsky o inclui em seu livro Peintres Naifs em 1972 e Flávio de Aquino em Aspectos da Pintura Primitiva Brasileira em 1977.

Nesse mesmo ano passa a figurar no Dicionário de Arte Brasileira de Roberto Pontual e no livro Provérbio de Pintores Naif de Max Furny. Por volta de 1975 volta a Paraiba, residindo atualmente em João Pessoa.

Exposições Individuais

1968 – Rio de Janeiro RJ – Individual, na Galeria Domus
1970 – Rio de Janeiro RJ – Individual, na Galeria Meia Pataca
1971 – s.l. – Individual, na Galeria do Banco Andrade Arnaud
1977 – Rio de Janeiro RJ – Individual, na Galeria Eucatexpo
1982 – João Pessoa PB – Individual, na Galeria Gamela
2001 – Campina Grande PB – Individual, no Casarão dos Azulejos

Essa tela de Santo Antonio é de autoria seu filho, o aresta Luiz Tananduba, filho adotivo do mestre Alexandre

Exposições Coletivas

1966 – Rio de Janeiro RJ – 15° Salão Nacional de Arte Moderna
1966 – Salvador BA – 1ª Bienal Nacional de Artes Plásticas
1967 – Petrópolis RJ – 1° Salão Nacional de Pintura Jovem, no Hotel Quitandinha
1967 – Rio de Janeiro RJ – 16° Salão Nacional de Arte Moderna
1967 – Rio de Janeiro RJ – Coletiva, no Copacabana Palace Hotel
1968 – Rio de Janeiro RJ – 17° Salão Nacional de Arte Moderna, no MAM/RJ
1968 – Houston (Estados Unidos) – Coletiva, na Courtney Gallery
1968 – Paris (França) – Coletiva, na Galeria de Brel
1968 – Rio de Janeiro RJ – Coletiva, na Galeria Domus
1968 – Madri (Espanha) – Coletiva, na Galeria Quijote
1968 – Londres (Inglaterra) – Coletiva, na Manhein Gallery
1968 – Nova York (Estados Unidos) – Coletiva, no Consulado Geral Brasileiro
1968 – Rio de Janeiro RJ – Coletiva, no MIS/RJ
1968 – Nigéria – Festival de Arte Negra
1968 – Lisboa (Portugal) – Lirismo Brasileiro
1970 – Ile de France (França) – Coletiva, no Musée D’Art Naif
1975 – São Paulo SP – Festa de Cores, no Masp
1976 – Montevidéu (Uruguai) – Encontro Uruguaio-Brasileiro de Arte Naif
1977 – Rio de Janeiro RJ – 1° Encontro Carioca de Pintura Ingênua – Prêmio Funarte
1977 – Belo Horizonte MG – 9° Salão Nacional de Arte Contemporânea de Belo Horizonte, no MAP – Prêmio Prefeitura de Belo Horizonte
1978 – Rio de Janeiro RJ – Coletiva, na Galeria Jean Jacques
1980 – João Pessoa PB – Coletiva, na Galeria Gamela
1980 – Cidade do México (México) – Pintores Populares y 3 Grabadores de Brasil, no Instituto Nacional de Bellas Artes
1981 – João Pessoa PB – Coletiva, na Galeria Gamela
1982 – Rio de Janeiro RJ – Coletiva de Natal
1982 – Rio de Janeiro RJ – Coletiva, na Galeria Jean Jacques
1986 – Campinas SP – O Artista, Sua Obra e Seu Auto-Retrato, no MACC
1988 – João Pessoa PB – 1ª Arte Atual Paraibana, no Espaço Cultural de João Pessoa
1988 – Rio de Janeiro RJ – O Mundo Fascinante dos Pintores Naïfs, no Paço Imperial
1990 – João Pessoa PB – 2ª Arte Atual Paraibana, no Fundação Espaço Cultural da Paraíba
1990 – João Pessoa PB – Naifs Paraibanos, na Galeria Gamela
2002 – São Paulo SP – Pop Brasil: a arte popular e o popular na arte, no Centro Cultural Banco do Brasil

Leiam textos do pintor, Flavio Tavares,  Homero Homem, escritor e jornalista e o pintor Raul Córdula escreveram sobre o imenso Alexandre Filho

Por Flávio Tavares. Artista plástico e membro da Academia Paraibana de Letras

Escrever sobre pintura é um absurdo, é um falar mudo. Principalmente quando essa pintura é arte. Pura essência da arte.

Alexandre é um mestre, um mestre da terra, do planeta terra. Ele sobrevive aos tempos, a sua arte é limpa, cristalina, é um antídoto para o veneno de nossa época. Faz bem ver, tem vida e sua pureza espanta. Há saúde na sua arte, existe um clima, um ar, sua atmosfera leve é oxigenada e cheia de luz. Luz nas trevas, porque não? Que poeira venenosa é essa que acinzenta a nossa visão? Sopra um bom vento, um bom tempo liberta nossa visão e imaginação. Os nossos sentimentos são alimentados o nosso olho verdadeiro volta a ver, a sentir uma luz, uma luz da manhã. O sol nascente é sua luz. Krisma. Místico.

O artista que habita dentro do pintor Alexandre é um artista de luz, e de onde começa o sonho e clareia a fantasia, uma flutuante fantasia tropical. Ele mostra de maneira clara essa pureza no silêncio e no ar. Cada cor tem sua vida e cada vida sua verdade; cada um tem seu habitat, são independentes, são luminosas. Essas cores são mapeadas como os continentes, transpiram uma verdade na forma, é sentimental, é daqui da terra. Essência, aroma da terra, tem vida.

Alexandre Filho: o pintor da memória ecológica do Nordeste

Por Homero Homem. Escritor e jornalista

Alexandre pinta de memória. Mas é preciso distinguir nele dois tipos de memória: uma visual, outra ancestral. A primeira, consciente, documental, cheia de lirismo e dádiva, cuja base é a geografia infantil do pintor. A segunda memória do pintor, a ancestral, projeta o inconsciente coletivo do povo nordestino e, por extensão, o homem intemporal, permanente e geograficamente atípico, no que ele tem de mais permanente e mais profundo: seu diálogo velho e eterno com o reino da natureza, dilacerado, desde o aparecimento do homem, entre o verbo – construção divina e a palavra-de-ordem de destruição, usada pela serpente para envolver Adão e Eva, na questão do paraíso. Nessa ambientação ecológica desenvolve-se a pintura do Naif Alexandre Filho, pintor espontâneo que veste de cores solares sua memória ancestral e seu chão de origem; e, através dela, tanto representa a saga agropastoril nordestina, como a aventura ecológica do homem universal de todos os tempos.

Quando a pintura de Alexandre Filho se apresenta com a aparente de vestir/desnudar suas Evas, travestindo de caju a maçã da fábula, está recriando pictoriamente um mito universal; mas também dando-lhe embasamento cultural brasileiro e regionalista. Quando o pintor apresenta um anjo com uma guirlanda alada, tendo sob os pés o suporte de uma tartaruga cor de terra, que caminha, ele se aventura inconscientemente na repetição de

uma fábula antiga como o homem. Retira dos alforges da memória ancestral e projeta em sua pintura toda uma concepção cosmogônica arquiantiga; quando ele associa à figura de um boi pacífico a mãe d’água da mitologia fluvial nordestina, representa sem saber, um ciclo de vida e de economia (água mais pecuária), em oposição aos quatro fantasmas do seu nordeste histórico: a seca e a morte do gado igual à fome e ao êxodo de suas populações. O quadro é também um exorcismo. Quando, finalmente, Alexandre Filho retoma seu assunto de anjo – um anjo sempre gordinho, semibarroco, bem alimentado, como as crianças de sua região agreste bem chovida, em oposição às crianças esquálidas e natimortas do ciclo da seca e da miséria alimentar, quando isso acontece, esse pintor ingênuo está projetando e fazendo emergir em seus quadros a tradição multimilenar do gênio votivo e tutelar dos povos etruscos-romanos, representados pela criança angélica tomada como símbolo da vida em expansão e da graça em crescimento. Está também e ainda Alexandre Filho exercendo, por antítese, uma espécie de crítica social inconsciente; pois o desejo do pintor, lê-se nas entrelinhas das suas cores vivas, vitais, é o de um nordeste povoado de crianças bem alimentadas e sadias na vida real e em suas representações aladas. Sob esse ângulo dos temas pictóricos tratados com a inocência dos gestos criativos, a pintura de Alexandre Filho corresponde à poesia daquele longínquo e ecológico poeta da infância, Casimiro de Abreu, também um anunciador do paraíso infantilmente perdido pelo homem moderno: o da vida animal e o verde sacrificados pela perversão e destruição da natureza, em nome de mais um canto de sereia da velha serpente (também outra presença simbólica na pintura de Alexandre), sob o pretexto do aproveitamento intensivo, mas devastador das últimas áreas verdes da aldeia global…

Pois é: a “inocência” da pintura do “Naif” Alexandre Filho, como na fábula do Rei Nu diante do menino anti-cortesão, leva a essas cogitações apocalípticas. Porque? Porque Alexandre Filho vê o mundo com as mesmas cores infantojuvenis de um arco-íris geográfico chamado Guarabira, Paraíba; ou Quênia, África; ou Dallas, EUA; ou Mesopotâmia, ou ainda e simplesmente o homem, antes e durante o paraíso, e depois do dilúvio universal.

Por Raul Córdula (ABCA/AICA)

A arte de Alexandre Filho abre nosso olhar para visões de um paraíso terrestre. Entre anjos, pássaros coloridos, árvores, flores e frutos as feras convivem serenas com Adões e Evas barrocos, infantis e imaculados. Sua pintura é encantada, plena de signos de felicidade como são as faianças e azulejos sírios, persas e caucasianos em que a atmosfera edênica é a imagem de um mundo de paz, conforto e abundância.

Ele nasceu no brejo paraibano, na parte úmida da Borborema, e desenha desde criança. Quando começou a pintar no Rio de Janeiro, as imagens de sua terra natal afloraram em sua mente. Sua pintura plana reflete as paisagens sem perspectiva, as composições de casa sobre casa, árvores, jardins, taludes, paredes de azulejos e fachadas de gosto eclético existentes no pequeno monumento rural e urbano que é a cidade de Bananeiras.

Essas imagens mostram como a vida pode ser simples como um jarro de flores amarelas contra um céu azul ultramar e, ao mesmo tempo, complexa como um jarro de flores amarela sobre um céu azul.

No Rio de Janeiro dos anos 50, Alexandre era amigo de Gasparino da Mata, crítico de arte e colecionador. Ocupou sua casa quando ele foi morar na África, acompanhando o embaixador Souza Dantas, em Gana. Gasparino possuía uma grande coleção de quadros e Alexandre passou a conviver com obras de Iberê Camargo, Guinard, Ivan Serpa, Caribé, entre os inúmeros grandes artistas daquele acervo. Alexandre despertou para a pintura, pintou compulsivamente, fez exposições, inscreveu-se em salões de arte. Foi selecionado no Salão Nacional de Arte Moderna numa época em que isto era uma grande referência para o artista brasileiro. O Jornal do Brasil dedicou-lhe meia página. Muito cedo ele possuía uma invejável fortuna crítica, intelectuais de prestígio como Homero Homem, Luiz Canabrava e José Itamar de Freitas, encantados com sua arte, dedicaram-lhe textos.

A Senhora Ruth de Almeida Prado, especialista em artes plásticas, pertencente à aristocracia paulistana, promoveu sua arte em todo o mundo. Através dela seus quadros chegaram às primeiras coleções de importância mundial. Os bailarinos Rudolf Nureyev e Margot Fountein, a milionária Cristina Onassis, o playboy Jorge Guinle, o Barão Krupp Filho, o médico Ivo Pitanguy e o empresário Caio de Alcântara Machado, são alguns de seus colecionadores mais entusiasmados.

O grande escultor marselhês Cesar Baldaccini, ganhador do prêmio da Bienal de São Paulo, em 1967 (prêmio que recusou em protesto à ditadura militar que dominava o Brasil), questionado sobre sua visão da arte brasileira em entrevista concedida no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, declarou sua admiração pela arte de Alexandre Filho. O embaixador Paschoal Carlos Magno foi um de seus grandes amigos e colecionadores. Na sala de visita da Fundação que tem seu nome existem obras de sua autoria.

Em 1970, o marchand inglês Peter Hosenwood, da Mannhein Gallery, realizou a mostra Brazilian Primitives Contemporary Works Art, da qual Alexandre participou com dez quadros e vendeu todos. Um dos compradores foi John Lennon. Para nossa sorte a Paraíba possui muitos quadros de Alexandre Filho, em galerias de arte, acervos públicos como o Museu de Arte Assis Chateaubriand, de Campina Grande, e em coleções particulares. Fugindo das confusões e da violência das metrópoles, ele voltou para a Paraíba e está vivendo em João Pessoa há uma década. Simples e refinado como é, isolou-se para trabalhar e refletir sobre sua arte, como convém àqueles que aprenderam a viver.

Alexandre é um artista verdadeiro, criou uma linguagem própria, um alfabeto visual original composto de acordes cromáticos riquíssimos, estrutura simbólica universal e técnica inconfundível. Quando falamos de patrimônio cultural, costumamos nos referir a obras de arte, móveis, utensílios e edifícios de pedra e cal, mas sempre esquecemos de acrescentar o único e importante patrimônio que é o Homem. É este o patrimônio que mais importa: o artista vivo, dono de sua linguagem, senhor de sua arte como é

Alexandre. Um patrimônio dos paraibanos, principalmente de seus amigos que têm a sorte de vê-lo pintar com tanta pureza e verdade como fazia há cinquenta anos.

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