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Arthur Nogueira lança disco cantando Caetano Veloso

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publicado em 09/10/2021 às 12h50
atualizado em 09/10/2021 às 11h13

Kubitschek Pinheiro

Fotos: Miro

O cantor e compositor Arthur Nogueira, já estava com seu quinto álbum pronto, de composições inéditas, quando recebeu o convite do SESC Rio para fazer uma live interpretando as canções de Caetano Veloso, em voz e violão.

A ideia logo despertou o interesse do DJ Zé Pedro, proprietário e curador da gravadora “Joia Moderna”, que convidou o artista paraense para registrar suas versões em estúdio. “Sucesso Bendito” é o nome do disco em que ele canta dez canções de Caetano Veloso.

A canção que dá nome ao álbum foi gravada por Maria Bethânia em 1984. “Sucesso Bendito”, está em todas as plataformas digitais pelo selo da Joia Rara, gravadora do DJ Zé Pedro.

Trata-se de um passeio atemporal  pela obra de Caetano Veloso através da voz de um dos mais destacados compositores brasileiros contemporâneos.

O artista percorre 50 anos de música em 10 canções. O álbum reúne composições de diferentes épocas, que carregam em si aspectos bem fortes deste país e tiveram papel fundamental também na construção da poética de Arthur Nogueira.

Do Pará para o mundo –  Arthur Nogueira é cantor, compositor e produtor musical. Lançou quatro álbuns próprios e compôs para grandes vozes, como Gal Costa e Fafá de Belém.

Gravado no Estúdio Space Blues em São Paulo, as dez canções têm produção de Alexandre Fontanetti e consultoria artística do DJ Zé Pedro.

Neste trabalho, Arthur traz canções pouco lembradas da obra de Caetano Veloso.

O álbum segue desvendando Caetanos de todos os tempos: “Pronta pra cantar”, “Guiletta Masina”, “Tempestades solares”, “Drama”, “Estou triste” e “José”. Também esbarra em músicas mais conhecidas como “Menino Deus”, “Eu te amo” e “Força estranha”.

Para captar o som de forma analógica, foram usados microfones valvulados e de fita (Ribbon) para a voz e dois pares estéreo de condensadores para o violão, além de pré-amplificadores valvulados dos anos 1960, das marcas Ampex e Altec, e o clássico Neve 33135. Premiado no Grammy Latino pela Engenharia de Som dos álbuns “APKÁ” (2019), de Céu, e “Jardim-Pomar” (2016), de Nando Reis e os Infernais, Alexandre Fontanetti também produziu os discos “Rita Lee em Bossa ‘n’ Roll” (1991) e “Sem Destino” (2010), de Luiz Tatit.

Dentre outros títulos, Arthur Nogueira  lançou os CDs: “Sem Medo Nem Esperança” (2015) e “Rei Ninguém” (2017). Produziu os álbuns “Humana” (2019), de Fafá de Belém, e “Só” (2020), de Adriana Calcanhotto.

Em conversa com o MaisPB, Arthur Nogueira revela todos os detalhes desse disco e conta  sua trajetória ao sair do Pará e chegar aos palcos do Rio de Janeiro e São Paulo, já como artista nato.

MaisPB – Quando Caetano Veloso entrou na vida?

Arthur Nogueira  – Desde que eu me entendo por gente há a memória da música do Caetano ecoando em minha casa. Lembro, por exemplo, de uma viagem de carro, de Belém até a ilha do Mosqueiro, no Pará. A gente viajava muito em família e meu pai gostava de pegar a estrada ouvindo música. Em uma dessas viagens, tocou “Felicidade”, do Lupicínio Rodrigues, na voz do Caetano. Eu era muito pequeno, devia ter uns cinco anos, e insisti para que voltassem a faixa várias vezes. Meu pai conta que, desse dia em diante, eu passei a pedir sempre: “pai, coloca aquela música da felicidade.”

MaisPB – Quantos anos de palco?

Arthur Nogueira –  Em 2020, eu completei 33 anos de vida e 15 de carreira. Comecei a cantar ainda adolescente, na noite de Belém. Meus pais me acompanhavam em todos os shows, caso contrário eu não poderia me apresentar.

MaisPB  – Você abre o disco recitando um poema lindo que segue a canção, gravada por Bethânia em 1984. Vamos falar dessa beleza do canto, do ser capaz de nos transportar para outros lugares?

Arthur Nogueira  – No final do primeiro semestre de 2021, eu recebi o convite do Sesc RJ para fazer uma live só com as canções do Caetano. Foi o que desencadeou todo o processo do álbum “Sucesso Bendito” e me fez mergulhar no repertório dele em busca de me encontrar na beleza de suas canções. Essas canções são patrimônio nacional, mas também me formaram como artista. São dele, mas também são minhas e de todos nós. Na canção-título do disco, “Sucesso Bendito”, Caetano resume muito bem a força estranha que envolve o ofício dos intérpretes e compositores. Nossas vozes fogem do nosso controle, podem se tornar as vozes dos outros, suas trilhas sonoras, “o momento de alguém”. Quantos gestos de amor nosso canto tornou possíveis? Não sabemos. O álbum é sobre a dor e o prazer desse mistério.

MaisPB – Você segue interpretando  “Pronta para Cantar”, que Caetano fez para a irmã, que ela canta em dueto com Nina Simone e você fez do mesmo jeito, cantando em inglês e português. Vamos falar dessa performance resgatada no seu disco ?

Arthur Nogueira  – Esse é o primeiro álbum que eu faço inteiramente sozinho, cantando e tocando violão. Quando comecei a pensar em como seria encarar a solidão do estúdio, lembrei de “Pronta pra cantar”, por causa dos versos “I sing alone in a studio / canto no sertão”. Da aridez dessa solidão, levantamos voo e podemos pegar as pessoas pela mão…

MaisPB –  Produzido por Alexandre Fontanetti, o álbum foi gravado ao vivo no estúdio Space Blues, em São Paulo. Como aconteceu isso, diante da pandemia?

Arthur Nogueira  – O álbum foi gravado em apenas uma tarde no estúdio Space Blues, em São Paulo. Eu me preparei em casa para gravar tudo ao vivo, como se fosse um show. O único momento em que estive sem máscara no estúdio foi dentro da sala de gravação, sozinho com o meu violão. O Fontanetti ouvia os takes da sala da técnica e podia me observar através de um vidro. Eu produzi um álbum inteiro da Adriana Calcanhotto durante a pandemia, com vários músicos participando, cada um gravando em sua casa. No caso do álbum “Sucesso Bendito”, o formato intimista favoreceu que eu pudesse me deslocar até o estúdio para trabalhar como nos “velhos” tempos…

MaisPB – “Drama” que dá nome ao show e disco de Maria Bethânia de 1972, você interpreta com calmaria. Seria esse o seu modo de pensar e interpretar a canção “Drama”?

Arthur Nogueira  – Quando escolhi a ordem das canções, não pensei sobre isso, mas depois de tudo pronto achei interessante o fato do álbum começar com três canções gravadas por Maria Bethânia. Num certo sentido, pela temática do canto, este trabalho pode ser dedicado a ela, uma das artistas que melhor representa, no Brasil, a grandeza do palco. Ainda assim, apesar de admirar muito a Bethânia, preservo no álbum como um todo meu jeito de cantar mais cool, influenciado por João Gilberto, que eu considero o maior do mundo.

MaisPB –  Você tem canções na voz de Gal Costa e Fafá de Belém. Vamos falar sobre seu lado compositor?

Arthur Nogueira – Eu sou sobretudo um compositor. O que me fez abraçar a música foi o meu interesse pela poesia. Descobri, muito cedo, remexendo as estantes de LPs do meu pai, que não há fronteiras entre a poesia e a canção popular no Brasil. Em nenhum outro país há um número tão grande de poetas que também escrevem letras de música, desde Vinicius de Moraes. Gosto de cantar, mas minha maior ambição artística é a composição. Por isso, foi uma grande realização ter ouvido algumas das minhas canções nas vozes de cantoras tão especiais, como Gal, Fafá de Belém e Cida Moreira.

MaisPB – Antes de cantar “Força Estranha” vem um pequeno verso, algo teatral, performático que antecede a sua voz, a voz da canção. Vamos falar sobre isso?

Arthur Nogueira  – É um trecho da letra de “Sou Seu Sabiá”, uma canção linda do Caetano, do álbum “Noites do Norte”. Pensei em cantá-la, até por causa do tema, mas depois me pareceu que ela soaria mais relevante em minha voz dessa forma.

MaisPB – Boa interpretação da Giulietta Masina, que também traz a calmaria da sua voz?

Arthur Nogueira – Caetano é um grande admirador de Giulietta Masina e foi determinante para o meu amor pelo cinema do Fellini. Em “Verdade Tropical”, ele conta, por exemplo, que ter assistido “La Strada” em um cinema de rua de Santo Amaro foi um dos acontecimentos mais importantes de sua vida. Há alguns meses, na época do centenário de Giulietta, trocamos e-mails sobre ela e Fellini. Eu comentei que as pessoas se derretem por “La Strada” e “Le notti di Cabiria”, com razão, mas costumam colocar “Giulietta degli spiriti” como uma obra menor. Talvez por ter nascido muito depois, eu os considero igualmente geniais. Caetano respondeu “gosto de você gostar da dos Espíritos”. Segundo ele, “o motivo é geracional mesmo, e é bom”. “Giulietta Masina” foi uma das primeiras canções que eu tive certeza que gravaria.

MaisPB –  Que canção linda “Tempestades Solares”. Quem gravou além de Caetano e você?

Arthur Nogueira – Apenas o Caetano gravou, eu creio, no álbum “Noites do Norte”. De fato, é uma canção belíssima, que me desafiou e emocionou. Não há muito o que dizer sobre ela, é melhor ouvi-la. O Caetano mesmo, no livro “Letra só”, quando comenta sobre “Tempestades solares”, apenas diz: “é espetacular!”

MaisPB  – A interpretação de “José” ficou algo além – seu grito calado ficou mais bonito assim. Que beleza. Vamos falar dessa canção?

Arthur Nogueira  – Muito obrigado. É complicado dizer isso, pode até ser que eu me arrependa depois, mas “José” é a minha canção preferida do Caetano. Foi uma das primeiras que imaginei para esse álbum. Eu tenho dito que não preciso mais compor uma canção sobre como me sinto agora, trancado em casa, nesse país em ruínas, porque Caetano já o fez, em 1987.

MaisPB – Aliás, como se deu a seleção das canções?

Arthur Nogueira – Criei essa espécie de dramaturgia sobre a força estranha que move o trabalho de todo artista, e parti daí. No geral, não somos nós que escolhemos as canções. Elas nos escolhem. Passei algum tempo mergulhado nos discos e nos songbooks, cantando e tocando várias coisas, para tentar descobrir quais me sequestrariam, afinal. Antes de ir ao estúdio, fiz gravações no celular mesmo, para ouvi-las em minha voz. Não foi um processo fácil.

MaisPB – Vamos falar de seus discos anteriores?

Arthur Nogueira  – Meu primeiro álbum é de 2009 e se chama “Mundano”. Foi produzido pelo Felipe Cordeiro, quando eu ainda morava em Belém. Como foi feito antes da era das plataformas, só teve uma prensagem em CD, que se esgotou. Virou artigo de colecionador. No ano que vem, tenho planos de colocá-lo na rede, para completar a minha discografia digitalmente. O segundo veio somente em 2015, quando eu já morava em São Paulo. Tem o nome da canção que eu fiz com o Antonio Cícero para a Gal: “Sem Medo Nem Esperança”.  No ano seguinte, por ocasião dos 70 anos do Cícero, fui convidado a fazer um álbum para homenageá-lo, que chamei de “Presente (Antonio Cicero 70)”. Em 2017, voltei a compor e fiz o “Rei Ninguém”, com dez canções próprias, que saiu em CD e LP, com patrocínio Natura Musical. Agora, depois do “Sucesso Bendito”, estou me preparando para lançar um novo álbum autoral, cujo título é a mais recente parceria minha e do Antonio Cicero: “Brasileiro profundo”.

MaisPB – Como é ter nascido no Pará e cantar bem diferente dos artistas de lá?

Arthur Nogueira – Quando penso no Pará, prefiro pensar em “asas” do que em “raízes”. Encaro minha cidade, Belém, como uma força que me impulsiona e me acompanha aonde quer que eu vá. A primeira canção do meu novo disco se chama “Valente”,  que é o meu nome do meio, o nome da minha mãe. Na letra, eu digo: “levo coragem nos pés / cravo a terra no coração.” No geral, é um álbum percussivo, que evoca bastante as minhas origens. A Adriana Calcanhotto, que me conheceu quando eu ainda morava em Belém, costuma dizer que eu me tornei mais de Belém depois que mudei para São Paulo. Ela tem razão.

MaisPB – Como é aquela história de que se mata muita gente lá no Pará, que o próprio Caetano Veloso fez uma canção dizendo que “o império da lei há de chegar no coração do Pará”?

Arthur Nogueira – O Caetano se refere aos conflitos relacionados à questão agrária, que infelizmente provocam muito derramamento de sangue no Pará, há muitos anos. Um episódio muito conhecido e triste foi a morte de Dorothy Stang, em 2005. De lá para cá, só na cidade de Anapu, onde ela foi assassinada, temos registro de mais de 20 crimes dessa natureza. Eu também torço para que o império da lei chegue ao coração do Pará, e fico muito feliz pelo carinho com que o Caetano olha para nós, paraenses. Ele adora Belém. A última vez em que estivemos juntos foi lá, no camarim do show “Ofertório” no Centro de Convenções. As pessoas vibraram quando ele cantou o verso sobre os “lábios cor de açaí” em “Trem das Cores”, e a reação do público de Belém nesse momento o tocou profundamente.

Ouça a canção Sucesso Bendito

MaisPB

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