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Empoderamento: conheça a cena drag de JP

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publicado em 02/04/2017 às 09h05
atualizado em 03/04/2017 às 11h58
Crédito: Magno Virgínio

O movimento drag tem crescido em João Pessoa. Peruca, maquiagem e brilho: é verdade que essas pessoas têm o corpo coberto por artifícios, mas para além da arte e do espetáculo, as peças que constroem essas novas identidades são elementos que ajudam a provocar questionamentos sociais e fortalecer quem vive por trás dessas novas personas.

Di Marry Morganna, alter ego de Maycon Marinho, é mais que uma personagem, é também figura de força e inspiração para o universitário, que, por ser cadeirante, sempre precisou lidar com os obstáculos impostos pela sociedade.

“Ser drag para mim é ter o livre arbítrio de ser quem realmente você deseja, onde todos podemos viver e mostrar quem somos. A Morganna ajuda não só ao Maycon, mas a quem o conhece também. Não é comum encontrar cadeirantes drag, então meu intuito ao fazer drag é mostrar que podemos ser o que quisermos, não importa raça, deficiência, gênero. O importante é ser feliz e mostrar que somos iguais”, disse.

Morganna em apresentação. Crédito: Magno Virgínio

Há três anos dividindo o corpo com esta outra figura, Maycon Marinho diz que sua relação com Morganna passou a ser de cumplicidade e mútua inspiração. “Morganna me traz paz. Me sinto realizado sabendo que posso contar com esta outra identidade. Com ela sou feliz e aprendi que não preciso me esconder de ninguém e nada”, disse.

Pesquisador em Antropologia Social na Universidade de São Paulo (USP), o antropólogo Thiago Oliveira explica que o conceito de “Drag” é amplo, mas está ligado às experiências individuais e coletivas do indivíduo e sua relação com o corpo e a sociedade.

“Drag pode ser trabalho, forma de identidade coletiva, exercício artístico, experimentação nas fronteiras de gênero. Pode ser um espaço de compreensão do próprio corpo e do lugar simbólico que roupas e acessórios, entendidos como masculino ou feminino, podem ter. Pode ser lida também como uma forma dos sujeitos se conhecerem e reconhecerem suas amplas possibilidades, não limitando-se apenas aos aspectos convencionais da sociedade que distingue lugares específicos para homens e mulheres”, disse.

Quem entende bem este processo é a jornalista e pesquisadora Lívia Maria, que, desde o primeiro contato com o universo do transformismo, passou não somente a estudar a cena, como também assumiu uma nova personalidade, Maddie Killx, a quem ela atribui a responsabilidade de ajudá-la a olhar a vida por novas perspectivas.

Maddie Killx ‘invade’ espaço masculino

“Depois de começar a fazer drag passei a ter muito mais consciência do que é ser mulher na sociedade. Me empoderei, tenho muito orgulho do que penso de mim mesma e como me trato. Maddie construiu uma base de autoestima incrível que eu sempre precisei para me aceitar de diversas formas”, disse a jornalista.

Ela destaca que uma das funções da “montação” é provocar quem assiste tais performances. “Eu acho que drag é um ‘liquidificador’ que a gente coloca todos os elementos culturais que formam o que entendemos por gênero masculino e feminino. Você liga e mistura tudo, deixa tudo meio embaraçado. Ser drag hoje é muito mais que ‘imitar mulher’, é provocar questionamentos do que são essas ideias de homens e mulheres criados pela sociedade”.

Moda e mainstream: a popularização drag

Maddax, segunda identidade do universitário Narciso Melo, é uma das figuras mais conhecidas da cena drag contemporânea em João Pessoa. Uma das organizadoras da festa Afronte, que reúne drags de toda cidade, ela diz que suas personas são cúmplices e partilham as mesmas experiências. “Maddax surgiu da minha paixão pela moda e pela performance. Somos a mesma pessoa. Falo igual, grito igual, danço igual, a diferença é a quantidade de maquiagem para sair de casa”.

O universitário faz parte de uma geração altamente influenciada pelo programa televisivo norte-americano Rupaul’s Drag Race, que já está na sua 9ª edição e tem feito jovens de todo mundo conhecerem melhor o ‘fazer drag’. Em uma de suas músicas, a apresentadora do programa, RuPaul, dá pistas do que a drag tenta provocar: “Todos nós nascemos sem roupa. O resto é drag (We’re all born naked and the rest is drag)”, como quem entrega que a “montação”, em níveis variados, faz parte da vida de todos os indivíduos.

Para Maddax Melo, o caráter provocador da drag, apesar da popularidade do movimento, faz com que a esta figura siga sendo má vista por muita gente. “Apesar da popularização, acho que drag continuará sendo algo underground. É um movimento que questiona gênero, que é muitas vezes cômico, mas muitas vezes incompreendido”.

Maddax Melo na festa Afronte

Uma dessas incompreensões seria no que diz respeito ao que vem a ser a figura drag, muitas vezes confundida com pessoas transexuais. A identidade drag, ao contrário da identidade trans, é passageira, ou seja, a pessoa “se monta” por uma razão específica (trabalho, expressão artística, etc.) durante um curto período do seu dia, assumindo depois a identidade recebida ao nascer. Já a pessoa transexual assume um identidade específica por todo o dia, geralmente um gênero diferente daquele dado ao nascer.

‘Montação’ acontece há décadas em João Pessoa

Em João Pessoa há também drags anteriores ao sucesso mundial do DragRace. Antes da “montação” ter se tornando mainstream, popular em redes sociais, canais de televisão e música, Magally Mel já era figura conhecida em festas e concursos do gênero pelo estado. Hoje, consagrada como uma das principais artistas da cidade, ela diz que “fazer drag” segue sendo político, mas é sobretudo meio de sobrevivência.

“Este é, antes de qualquer coisa, meu trabalho. Me ‘monto’ para trabalhar. Faço shows em boates, foi onde comecei e amo isto, mas trabalho em vários outros ambientes. Já passei três anos trabalhando em rádio, voltei agora ao teatro. Ou seja, vivo da Magally. Querendo ou não o programa DragRace fez a cena drag ‘estourar’, vou trabalhar em festas das mais variadas e sou abordada por pessoas que passaram a gostar das drags por causa do programa, mas desde que comecei, 15 anos atrás, tínhamos muitas drags na cidade”, destacou.

Magally Mel, uma das drags mais conhecidas em JP

E o trabalho da ‘montação’ nem sempre tem o glamour e animação das festas noturnas. Existe também quem trabalhe dia a dia, embaixo de sol escaldante, no range range dos centros comerciais da cidade. É o caso da Vakinha Elvira, que há cerca de 20 anos trabalha divulgando lojas e estabelecimentos comerciais do Mercado de Mangabeira e Mercado Central.

A artista diz que além de tirar dali seu sustento, foi a partir da Vakinha que ela apreendeu subjetividades que a ajudaram a se tornar um indivíduo mais forte. “Hoje a Vakinha é o ‘pão da minha mesa’. Por muito tempo tive vergonha de ser quem eu era, pelo preconceito que sofria nas ruas. Quando comecei a fazer a Vakinha, me senti mais forte. Por trás dela eu passei a sentir que poderia andar onde quisesse, me tornei uma pessoa mais forte e não tenho medo de nada”.

Vakinha Elvira pelas ruas de João Pessoa

Por entre comerciantes, passageiros de ônibus e consumidores que circulam pelas calçadas do Centro da cidade,  Vakinha Elvira explica que a arte da ‘montação’ ultrapassa certas lógicas de pensamento. “Hoje eu vejo muito mais admiração do que preconceito por onde passo, porque impus que me respeitassem. Eu sinto que sou mais a vontade comigo por causa da Vakinha. Mais seguro e forte. Às vezes estou em casa e me visto de Vakinha só para ir na lotérica pagar uma conta, acredita?”.

Beto Pessoa – MaisPB

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