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Diplomatas relatam casos de assédio dentro do Itamaraty

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publicado em 02/12/2015 às 10h05

Na esteira das campanhas contra a violência à mulher nas redes sociais, as diplomatas do Itamaraty iniciaram um movimento interno, por meio de um grupo fechado no Facebook, para denunciar casos em que foram vítimas de comportamento sexista, chamado por elas de “microviolência” contra a mulher. Nos relatos há até casos de assédio moral e sexual.

As diplomatas denunciam que esses casos são sempre tratados como normais, e providências não são tomadas. Os depoimentos preservaram os atores das histórias, de ambos os lados. Foram compilados 108 casos. Um dos depoimentos é de uma pessoa que havia sido aprovada no concorrido concurso para entrar no Itamaraty, a jovem diplomata relata que passou a ser perseguida por um ex-chefe no Instituto Rio Branco, que mandava bilhetes e flores para ela. Resistindo à pressão para que cedesse ao assédio, ela foi lotada numa divisão de pouco prestígio, algo incompatível com as notas que ela tirou no curso.

Outra, diz que todas as vezes que entrava na sala do chefe ele pedia aos servidores que também despachavam ali uma salva de palmas pela beleza da diplomata.

Há relatos de mulheres que foram obrigadas a servir cafezinho em reuniões em que colegas com a mesma qualificação participavam do debate.

Outros, de que não puderam levar seus maridos para eventos em que as esposas dos diplomatas foram convidadas e ainda algumas que foram aconselhadas a não participar de jantares ou reuniões porque só haveria diplomatas homens e elas se sentiriam deslocadas ou constrangidas.

Duas diplomatas afirmam que um embaixador passou a mão em suas pernas. Outra, que o chefe a chamou à sua sala, ordenou que ela fechasse a porta e viesse até sua cadeira, quando ela se aproximou, seu superior pegou sua mão e a fez acariciar o seu rosto para “checar” se sua pele estava lisa depois de fazer a barba.

Ao ingressar na carreira, uma diplomata conta foi fazer o exame psicotécnico obrigatório para começar a atuar e uma das perguntas que constavam da entrevista era quando ela havia perdido a virgindade. Colegas homens não teriam sido perguntados sobre isso.

Uma reclamação reincidente diz respeito às críticas dos chefes pela duração da licença maternidade, há caso de mulher que levou bronca do chefe porque saiu para buscar o filho doente na escola e tem quem conta que que deixou de ser promovida por ser mulher.

“Por essas e outras é que não dá para trabalhar com mulher”, relata a diplomata que foi socorrer o filho.

As mulheres compilaram os 108 casos e levaram para o Secretário Geral do Itamaraty, Sérgio Danese, que disse que se disse sensibilizado e que tomaria providências, como um curso obrigatório sobre assédio. Na reunião, Danese conseguiu o compromisso das mulheres de tratar o assunto internamente, pois não queria que o Itamaraty fosse alvo da imprensa e do Ministério Público. Dias depois, no entanto, o Itamaraty soltou uma nota em resposta a uma coluna que tratava de comportamento machista entre os diplomatas dizendo que se tratava de casos isolados. As representantes do grupo das mulheres não foram consultadas, causando grande irritação.

— No Itamaraty a mentalidade é que roupa suja se lava em casa; porém, quando se tenta lavar a roupa, a lavadeira fica marcada. Por isso a mulher se cala — conta uma diplomata.

ITAMARATY: ESTUDO DE OUVIDORIA

Procurado, o Itamaraty nega que o machismo seja um comportamento institucionalizado dentro do órgão. Um diplomata que ocupa posto de chefia diz que o Itamaraty está preocupado com os relatos, mas que a instituição não tolera condutas inadequadas. Após tomarem conhecimento das denúncias, a fonte afirmou que o Itamaraty estuda criar uma ouvidoria exclusiva para tratar desses casos, dentro do Comitê de Gênero e Raça do órgão. O Ministério das Relações Exteriores já conta com uma ouvidoria e uma corregedoria, que atualmente investiga um caso de assédio.

— Nossa orientação é para que todos os casos sejam levados adiante para que sejam tomadas providências. Não há indiferença da instituição quanto a isso. Entendemos que não é algo sistemático dentro do Itamaraty, contudo nós não toleramos isso — diz a alta fonte diplomática, que preferiu tratar do assunto reservadamente.

Representantes do grupo das mulheres do Itamaraty ouvidas pelo GLOBO afirmam que o comportamento machista dentro da instituição tem piorado nos últimos anos e que 95% das denúncias foram feitas por diplomatas que ocupam posto de secretária na carreira e que passaram no concurso do Rio Branco nos últimos 12 anos. Na última promoção do Itamaraty, em junho, nenhuma mulher foi promovida a uma das cinco vagas para a função de embaixador. Isso gerou um recurso ao Ministério Público, que pediu explicações ao Itamaraty. Outro “indício” do machismo generalizado dos diplomatas apontado pelas mulheres é que na equipe do gabinete do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, o quadro é 100% formado por homens diplomatas.

Agência O Globo

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