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Mãe relata últimos momentos de filha na casa da “morte boa”

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publicado em 27/09/2015 às 13h08
atualizado em 27/09/2015 às 14h19
Andressa e sua mãe em festa feita no hospice pouco tempo antes de morrer - Arquivo pessoal

Até os nove anos, as idas de Isabel ao médico podiam ser contadas no dedo. Porém, a família perdeu essa conta quando ela foi diagnosticada com um tipo raro de câncer nas trompas de falópio. Após três cirurgias para a retirada de diversos órgãos doentes, sessões de quimioterapia e idas e vindas a hospitais de São Paulo e Santos, onde morava, chegou a notícia de que a medicina não poderia mais ajudar Isabel. Sem cura para sua doença, ela iria morrer em breve.

A criança estava internada na ala de oncologia pediátrica do Hospital Santa Marcelina, na zona leste de SP, que oferece às famílias e pacientes a experiência que os profissionais do hospital chamam de “morte boa”.

Os pequenos pacientes sem possibilidade de cura, juntamente com seus parentes, são encaminhados para o Hospice Francesco Leonardo Beira (o primeiro pediátrico do País), onde podem morar o período que for necessário. A criança recebe cuidados paliativos para amenizar a carga psicológica e, muitas vezes, física até a chegada da morte. E tudo isso, de graça.

A mãe de Isabel, a dona de casa Edna Maria, faz diversos elogios e agradecimentos pelo período que passou com a filha no hospice. A criança foi a hóspede que passou mais tempo direto no local, um mês. Lá, ela viu sua filha morrer, mas também viu sua filha ter qualidade de vida antes de sucumbir ao câncer.

— No começo ficamos com medo, não conhecíamos o hospice e nada sobre o assunto. Não tínhamos nem convênio médico. Só que, quando nos mudamos para lá, ela melhorou, aliviou as dores e foi até o fim sem um tipo de dor. A atenção que ela recebeu foi muito boa para ela e para mim.  Apesar da dor, tivemos a possibilidade de ficar juntas até o final.

No período que passou no hospice, Isabel era tratada com medicamentos, recebia atendimento psicológico (assim como toda a família), recebia a visita do pai e dos irmãos sempre que podiam ir, brincava na brinquedoteca e aproveitava o clima calmo da casa, o que trouxe, segundo Edna, tranquilidade.

Quem também notou a diferença no comportamento de Isabel após a mudança para a casa foi a médica Claudia Epelman, vice-presidente da TUCCA (Associação para Crianças e Adolescentes com Câncer), responsável pelo hospice, e coordenadora da equipe multidisciplinar do Serviço de Oncologia Pediátrica do Hospital Santa Marcelina.

Cláudia conta que já no primeiro dia na casa era notável que o desconforto da internação no hospital havia passado.

— A nossa filosofia é que a criança interne o menos possível nessa fase e que ela possa ficar com quem gosta, comer o que quiser e brincar com o que lhe dá prazer. Muitas famílias que atendemos são carentes e a casa não pode oferecer esse conforto por falta de infraestrutura, higiene e espaço, por exemplo.

A médica afirma que, mesmo com condições financeiras, há famílias que têm medo e acreditam que ficar no hospital é melhor.

— Damos todo o apoio para que a família dê conta de ficar com a criança em casa, mas tem família que não consegue e o hospice vem para trazer essa tranquilidade. Na casa há uma equipe multidisciplinar 24 horas, a mãe não nunca está sozinha.

A última festinha

Quem também recebeu esse apoio e carinho foi Andressa, de quatro anos, que morreu em fevereiro deste ano em decorrência de um câncer no tronco cerebral. Entre idas e vindas, a pequena e sua mãe, a dona de casa Marta Gomes Pedrosa dos Santos, de Mauá, na Grande SP, ficaram quase um mês na casa.

Mas antes de ter o atendimento “vip”, como Marta chama, a história de peregrinação em hospitais foi penosa até conseguirem atendimento no Santa Marcelina e, quando a cura não veio, no hospice.

E foi lá que Marta viveu uma história de carinho e atenção por parte dos funcionários. A festinha de Andressa de cinco anos foi adiantada em uma semana e foi feita no hospice, com direito a decoração e toda a família reunida.

— Passávamos um tempo na casa e voltávamos para a nossa em Mauá quando ela melhorava. A indicação de todos é que no primeiro sinal de piora era para levá-la de volta e foi isso que fizemos e sempre fomos muito bem atendidos. Até meu filho de 10 anos passou pela psicóloga do lugar. Fizemos a festinha dela e todos participaram e colaboraram. Nem se eu tivesse convênio médico seriamos tratados tão bem como fomos.

Marta destaca os benefícios para toda a família por ter tido a chance de promover uma “morte boa” para sua filha.

— Todo o atendimento ajudou demais o emocional da minha família. Na época, ninguém me via reclamando, porque eu sabia que tudo estava sendo feito da melhor maneira possível. Não saí do lado da minha filha. Às vezes, eu queria ajudar na cozinha e eles me diziam que eu estava lá para ser atendida e não para atender.

Até três famílias podem ser atendidas simultaneamente no hospice, que foi criado há cerca de dois anos. O atendimento é exclusivo para pacientes da ala pediátrica de oncologia do Hospital Santa Marcelina. Os pedidos de atendimento no hospital, segundo a médica responsável, chegam por e-mail, indicação, telefone e o fale conosco do site do Tucca.

— É uma forma dos pacientes ficarem serenos, sabendo que tudo que era possível foi feito, mesmo que o resultado não seja o que todo mundo quer, que é o de cura. Essa sensação faz com que a família saia triste, mas grata. Isso ajuda muito no processo de luto. Saber que a criança não sofreu e estava brincando até dois dias antes de morrer é saber que ela teve qualidade de morte.

R7

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