As aulas de Nathanael
Retorno a um texto de 1981 sobre meu relacionamento com o conterrâneo Nathanael Alves, interrompido inesperadamente, em abril daquele ano após sua partida definitiva, porque sempre tivemos admiração de filho para com o pai. Em nosso caso, pai porque colocou livros em minhas mãos, estimulou leituras e a refletir sobre a importância da função da arte no conjunto de nossa vida.
O texto tinha sido escrito após sua morte, e mostrava a camaradagem como nos tratávamos.
Trazíamos as marcas da vida em Serraria e Arara, de onde viemos, cada um com suas mãos calejadas e aspirações nem sempre realizáveis.
Atravessava o portão da casa de Nathanael como quem abre um romance de Eça de Queiroz ou José Lins do Rego. As plantas e as flores do seu jardim cultivadas por dona Carmelita se misturavam com a paisagem da antiga Lisboa ou com os canaviais da várzea do Paraíba, como sendo em Serraria. Tudo ganhava forma e vida, como se a vida e a forma começassem quando eu atravessava seu portão.
Muitos se sentaram nas cadeiras brancas do seu terraço, não só para escutar lições sobre jornalismo, literatura ou problemas políticos, mas para conversar. Uma palestra amena. Ou para escutar ele falar sobre a condição humana, seu tema predileto, seja de quem residia em Arara, no Deserto do Saara ou em Nova Iorque. Aos problemas que afligiam, ele trazia vida e forma.
Com Nathanael cheguei a entender à possibilidade poética de ver o infinito em um grão de areia e a eternidade numa flor, como acreditava o poeta inglês William Blake.
Para ele, o estilo é tudo para o escritor. Igualmente, revelava que no espírito do poeta, a poesia penetra sem esforço. Defendia que somente deveríamos escrever se tivéssemos realmente algo novo para dizer. O simples jogo de palavras pode dar a sensação de beleza, mas é como a flor de papel crepom, que tem a sensação efêmera, é falsa e desbota.
Das lições que me deu, jamais esqueci daquela quando disse que é necessário se fazer alguma coisa para salvar o mundo. A salvação possível através da palavra, da Arte, dos gestos como os de São Francisco de Assis.
“Em qualquer cama se dorme e em qualquer imponderabilidade se vive”. Essa frase dita por ele em um dos nossos encontros, nunca mais saiu de minha cabeça. Dias depois, sobre as mesmas dores do mundo que falávamos naquela noite, ele escreveu uma bela crônica que se constitui numa das melhores que escreveu, “O Pássaro e a Bala”. O que dizer de Nathanael Alves se foi ele quem primeiro me ensinou a juntar as palavras, formar as frases, a descrever as imagens e acontecimentos. Para se conseguir isso, dizia ele, é necessário ler mil palavras para poder escrever dez. “Passe a escrever diariamente, nem que seja bobagens impublicáveis, até conseguir a forma adequada’, disse.
Outra lição: escreva com simplicidade, de modo como você conversa, depois corte os excessos. E acrescentava: veja Graciliano Ramos e Flaubert, recomendava. Estes escritores escreveram com simplicidade. Usavam as palavras como um pedreiro que levanta uma parede.
Sempre esperei chegar à forma ideal na construção da frase. Personagens que, como nós dois, perambulavam pelas capoeiras do sítio Tapuio, do sítio Areial, tomaram banhos nas águas do Rio Araçagi-Mirim ou escutavam o som da viola desafinada de Libânio Mendes ou Josué da Cruz, nas noites enluaradas de Arara e Serraria.