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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

De mãos estendidas  

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publicado em 01/11/2023 às 07h00
atualizado em 31/10/2023 às 15h18

Há uma passagem bíblica que faz referência à riqueza e ao desapego do luxo. “Se queres me seguir, vende tudo e doa aos pobres”.  Lembro disso quando a Igreja silencia no momento quando completa 50 anos da morte de Padre José Coutinho, nosso maior benfeitor de todos os tempos, à semelhança de Padre José Maria Ibiapina, no século 19.

Em escaldante dia de sol de novembro, o fundador do Instituto São José e do Hospital Padre Zé, em cadeira de rodas, sob o guarda-sol, o suor do rosto umedecia a toalhinha, a batina preta cobria as pernas inchadas enquanto pedia esmolas, como fazia há décadas, passou mal e foi levado às pressas ao hospital, onde faleceria dois dias depois.

Nascido em família católica, com tios padres, influentes na Igreja da Paraíba no final do século 19, a história de Padre Zé Coutinho é pontilhada de incomparável desejo de servir, cuja base foi edificada na infância quando seus pais, donos muitas terras, se constituíram benfeitores na região de Esperança, Pocinhos e Serraria. Seguir o caminho do sacerdócio foi uma decisão tomada na adolescência, logo acolhida por todos.

Ordenado padre em 1920, não perseguiu cargos na Igreja, mas se aproximou de quem poderia ajudar a minimizar a situação de penúria das famílias residentes nas periferias da Capital, onde a pobreza mendigava, foi quando muitos pobres passaram a olhar uma luz distante no horizonte.  

Cedo ele procurou forrar-se de virtudes teologais e ensinamentos filosóficos para compreender as paisagens humanas construídas tendo como base fé cristã. Se não tinha sede de conhecer certos conceitos da religião, era um homem culto que abraçou a causa dos pobres baseado na sabedoria da Palavra de Jesus, por isso edificou fecundo trabalho em favor dos excluídos.

Parece que ouvia a assertiva do Mestre: “Se queres me seguir, vende tudo e doa aos pobres”. Assim procedeu, pois, quando recebeu herança de seu padrinho e de familiares, sendo uma fazenda em Pocinhos e engenho em Serraria, vendeu para repartir com os necessitados, pois investiu tudo no Instituto São José e na modesta casa de acolhida, para amenizar a dor de agonizantes. Igualmente, aconteceu com a fazenda no bairro de Mandacaru, doada pela senhora Iaia Paiva, onde permitiu que famílias ocupassem e construíssem suas casas.

Em sua trajetória de vida religiosa, não desviou o olhar da pobreza, não praticou gesto desgastante para a Igreja. No entanto, elevou gestos bondosos para dignificar a vida dos desprezados pelas autoridades governamentais. Ele foi um interlocutor para retirar do encurvamento social, de prostração e da inabilidade muitos que estavam em situação de exclusão.

Quando aportei nesta cidade em 1971, conheci este padre que percorria os salões de festa e postava-se às portas dos cinemas para pedir esmolas, sempre com retumbante “meu prezado, não esqueça de ajudar aos meus pobres”, enquanto tocava ao ombro de alguém com a vareta de sucupira.

Conheço pessoas que à época, jovens, empurraram sua cadeira de rodas. Convivi com pessoas que estiveram sob seu teto, receberam ensinamentos que nunca deveriam esquecer. O jornalista Natahanael Alves, o deputado Antônio Medeiros, o procurador do Estado Manoel Raposo, o desembargador Simeão Cananéa e tantos outros que acho razoável não cita mais para não cometer injustiça, o que seria imperdoável, comeram os pirões do padre.

Quando acometido pelos males do corpo, o padre apresentava cansaço, sem condição de manter a residência, jovens médicos dão as mãos para transformar a antiga Casa do Padre em local habitável, relanceando olhar ao crepúsculo acolhedor de antes. A sociedade assumiu o projeto caritativo de elevado sentido, e depois, passou a ser comandado durante anos por uma comissão integrada por membros do Encontro de Casais com Cristo, da Basílica-Catedral Nossa Senhora das Neves.  

Padre José Coutinho nunca falou com jactância de seu espólio caritativo, mas revelava-se no pequeníssimo conforto que trouxe para muitos desvalidos. A todos boamente se dedicava sem em nada pedir em troca.  

         Sabia ser tarefa árdua manter o empreendimento à custa de doações porque era pouca a subvenção do Estado. Nunca esmoreceu diante do infortuno de não ter o que comer nem remédio para curar feridas dos desvalidos. Mas Deus infundiu nele esperança e perseverança.  

         O Instituto São José, fundado em 1935, e, com muito esforço, em 1965, a Casa do Padre foi transformada em hospital, legado pelo o qual sempre dedicou sua vida porque entendia como cumulação de Deus, apenas sendo sócio benemérito e fiel depositário, sem querer glória.  

 

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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