João Pessoa, 15 de fevereiro de 2022 | --ºC / --ºC Dólar - Euro
Há uma celeuma grande sobre o baixo nível de leitura no Brasil, em termos quantitativos e, sobretudo, qualitativos. Os Clássicos aparecem sempre como um dos culpados, vistos como obras chatas que afastam o candidato a leitor da leitura. É preciso saber que a aquisição do hábito da leitura faz-se de modo lento. Guardando-se as devidas proporções e distâncias temporais, é algo como o processo cumulativo da seleção natural, de que fala Richard Dawkins (foto) (O relojoeiro cego).
Reconheço, por exemplo, que uma obra como Os Lusíadas, não é um texto fácil, e que falta bom senso a quem indica aos seus alunos do ensino médio, sem dar um suporte de leitura, à altura do merecimento do texto. Julgo que o problema não está em Os Lusíadas ou qualquer outro texto de qualidade, por isto mesmo complexo e de leitura mais difícil, que precisa ser digerida lentamente. O problema é como esses textos são abordados pelos professores, cuja função é mostrar que, por trás da elaboração complexa, esconde-se o saber e o sabor daquele texto específico. Lembremos que a escola é o lugar onde se deve aprofundar a linguagem e isto se faz a partir dos textos literários, no meu entender, de leitura incontornável. A Literatura é um dos dois níveis mais elevados que uma língua pode alcançar. O outro é a Filosofia.
Os Clássicos lidos com o professor são outra coisa. Principalmente, quando o professor prepara a sua aula, tem o domínio do texto a explicar e apresenta o dicionário a si mesmo e a seus alunos. A utilização frequente e sistemática do dicionário é fundamental no processo de aprofundamento da aquisição lexical. Popularmente, chama-se o dicionário, por antonomásia, de “O Pai dos Burros”. Isto deve ter saído da cabeça de um ignorante. O dicionário é o pai dos inteligentes, porque só pessoas inteligentes é que sabem não conhecer todos os vocábulos de sua própria língua. OS dicionários fazem avançar a língua.
No geral, a maior dificuldade de se combater a aversão aos Clássicos se encontra no nível rasteiro de língua que muitos dos alunos e alguns professores apresentam. O fato de eu ser brasileiro não significa que eu saiba falar bem o português, quando a situação exigir uma expressão linguística mais formal e mais escorreita. Pois é… É na escola que se apresenta a oportunidade para se estabelecer a diferença entre saber falar a língua e poder se comunicar.
A leitura dos bons autores deve fazer parte do cotidiano do leitor. Deve-se ler o máximo possível, para daí se fazer a seleção do que se revisitar em novas leituras. Assim, são os grandes livros, eles nos chamam sempre, embora já os tenhamos lido várias vezes, e um grande livro nos ensina que reler é ainda melhor do que ler. Ítalo Calvino, num livro excepcional de título provocativo – Por que ler os Clássicos (Companhia das Letras) –, afirma, com toda a razão, que os Clássicos são livros que estão sendo sempre lidos e aos quais voltamos constantemente. E depois de elencar 14 razões pelas quais os Clássicos devem ser lidos, a décima quinta torna-se a única razão plausível para a sua leitura: é melhor ter lidos os Clássicos do que não ter lido os Clássicos.
Uma coisa é certa: precisamos refletir mais sobre o papel da escola, dos professores e dos alunos. Precisamos pensar no que diz o poeta latino Horácio, a respeito da poesia, atribuindo-lhe as funções de ensinar e de provocar o deleite (docēre et delectāre). A escola e, principalmente, as aulas de língua e literatura precisam ser o espaço e o momento em que a utilidade limitadora não esteja desvinculada de uma aprendizagem mais abrangente e do prazer de aprender.
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ENTREVISTA DA HORA - 10/10/2024