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Titular em Letras Clássicas, professor de Língua Latina, Literatura Latina e Literatura Grega da UFPB. Escritor, é membro da Academia Paraibana de Letras. E-mail: [email protected]

De perfumarias e inocuidades

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publicado em 13/12/2021 às 06h58
atualizado em 13/12/2021 às 04h10

Avaliando o nível do que se escreve e do que se propala nas redes sociais, constato a distorção de sentidos, deliberada ou não, produzida por políticos, ativistas e, sobretudo, por seus defensores e seguidores de todos os vieses. A partir daí, concluo que, realmente, há algo errado, muito errado, com o nosso ensino. O professor Alceu Dias Lima, no seu livro Uma estranha língua, (foto) referindo-se ao ensino da língua latina, faz uma afirmação que se pode estender para o geral:

“Se uma língua deixa de servir ao seu fim, à produção do sentido, com o qual não se confunde, para tornar-se o sinal da ideologia de quem a usa, é que alguma coisa não deu certo no ensino”.

Não deu mesmo. É só refletir sobre os argumentos dos defensores dos vários lados, que entendem de todos os saberes, para se constatar a existência de verdadeiras pérolas de estupidez.

A comprovação não é difícil. Veja-se, por exemplo, que uma deputada federal gasta tempo, que é dela, e dinheiro público, que já não lhe pertence, para fazer um projeto de lei proibindo a utilização das palavras finais “Eu vos declaro marido e mulher”, na celebração do casamento civil.

Ora, isto me cheira a duas coisas: uma é a ingerência no trabalho do juiz, querendo pautar o que ele deve ou não dizer. A outra é que, embora o seu projeto tenha ares de inclusão, ele, na realidade, é uma exclusão, um sequestro do direito dos casais heterossexuais, constituídos por marido e mulher. Como a união de casais homossexuais é um fato e um direito, o juiz deve ter o bom senso de dizer que os considera “casados” ou “casadas”, conforme a situação. Bem mais simples e sem gasto de dinheiro público. Sem, sobretudo, criar mais uma lei inócua, no cipoal legal brasileiro.

A perfumaria ideológica é perniciosa, sobretudo, quando aparece como humanitária, sendo, exatamente, o seu contrário. Como eu não gosto de perfume e, se dependesse de mim, a indústria francesa da perfumaria iria à falência, também detesto a perfumaria conotativa que visa a uma intromissão descabida na vida das pessoas.

A deputada deveria empregar o seu tempo em projetos que beneficiassem a população como um todo e que tivesse como escopo mudanças estruturais, as quais produziriam oportunidades de transformação da sociedade. É aí que entra a educação. Se não for assim, continuaremos marcando o passo, procurando atacar as consequências, quando deveríamos combater as causas.

Como sou professor há 45 anos, sei bem o tamanho do desafio que temos pela frente, por causa do descaso com a educação pública, descaso de sempre. Nunca houve um projeto de educação pública no Brasil, obrigatório e incontornável, porque sempre é mais fácil fazer perfumaria. Um dia, com tanta inutilidade sendo apregoada e transformada em lei, acordaremos imbuídos da mais pura convicção de que cocô cheira mais do que jasmins.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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