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Antônio Colaço Martins Filho é chanceler do Centro Universitário Fametro – UNIFAMETRO (CE). Diretor Executivo de Ensino do Centro Universitário UNIESP (PB). Doutor em Ciências Jurídicas Gerais pela Universidade do Minho – UMINHO (Portugal), Mestre em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal), Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Autor das obras: “Da Comissão Nacional da Verdade: incidências epistemiológicas”; “Direitos Sociais: uma década de justiciabilidade no STF”. E-mail: [email protected]

Napoleão, estratégia e times ágeis

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publicado em 20/09/2021 às 11h18
atualizado em 20/09/2021 às 08h27

No dia 6 de setembro de 1812*, as tropas russas e francesas – estas, compostas por franceses, holandeses, belgas, suíços, genoveses, romanos, entre outros – aguardavam o início da sangrenta batalha de Borodinó, na Rússia. Após consultar seus generais e conselheiros de guerra, Napoleão Bonaparte (foto) teria voltado para a sua tenda e redigido sua ordem de batalha para o dia seguinte.

Os historiadores relatam que L’ Empereur estabeleceu, de forma pormenorizada, quando e por onde as baterias e divisões deveriam avançar. Ademais, estipulou comandos condicionados aos movimentos das tropas russas e determinou que suas tropas preservassem reservas, na medida do possível.

Nenhuma das ordens foi cumprida, conforme relata Liev Tolstói, no romance “Guerra e Paz”. No caos do campo de batalha, os encarregados de reportar a situação nos fronts e levar as novas ordens dos comandantes, muitas vezes, não conseguiam chegar ao epicentro da batalha, relatavam o que ouviam de terceiros, segundo os arremates da percepção de cada um.

Também sucedia que, no momento em que os relatos chegavam ao conhecimento do alto comando, a situação do campo de batalha já se alterara e as novas ordens se revelavam inócuas. Na batalha, avançar ou recuar são movimentos determinantes para a vida ou morte dos comandados. Por esse motivo, no encontro mais sangrento da Campanha da Rússia, as decisões efetivamente cumpridas emanavam dos oficiais mais próximos da baioneta do inimigo.

Como resultado, poucas ordens provenientes do Imperador francês, de seus marechais e dos generais que estavam a uma distância segura dos projéteis foram efetivamente executadas e, muitas vezes, ocorria o contrário do que havia sido determinado.

Sandro Magaldi e Salibi Neto (“Estrategia Adaptativa: o novo tratado do pensamento estratégico”) relatam que, no início do século XIX, o termo estratégia começou a ser utilizado no âmbito militar. O termo ficaria adstrito ao contexto bélico até meados do século XX, quando grassou no meio empresarial.

Desde então, os planos estratégicos ganharam força como documentos que guiam o desenvolvimento das empresas. Tais documentos soem tomar como base um cenário mais ou menos estável de forças, fraquezas, oportunidades e ameaças,  entre outros aspectos. Ocorre que o dinamismo da economia digital e as inúmeras possibilidades de criar ofertas digitais a partir das novas tecnologias tornam o ambiente empresarial atual extremamente instável.

Nesse sentido, Citando Henry Mintzberg, os autores brasileiros chamam atenção para o perigo de os planos estratégicos já estarem desatualizados antes mesmo de serem finalizados.

No âmbito da educação superior particular, as dificuldades relatadas no bojo da malsucedida Campanha da Rússia podem fornecer importantes lições. Desde o começo de 2020, a vasta utilização de tecnologias digitais (cloud, web-conferências, etc) tornou-se o cotidiano do ensino superior. Nesse quadro, é razoável afirmar que o comportamento dos alunos em face das inúmeras possibilidades de ofertas de ensino e de suas combinações tornou-se imprevisível.

Desde a batalha de Borodinó até os dias atuais, as comunicações sofreram notáveis avanços. Há uma plêiade de ferramentas digitais que facilitam o acesso da alta gestão das organizações às informações estratégicas.

Não obstante, para lidar com o caos e o desconhecido desse “campo de batalha”, é necessário ter mais do que informações. As percepções e os julgamentos daqueles colaboradores que estão no calor da batalha são elementos que a estratégia institucionalizada não pode subjugar.

Nesse sentido, parece-me conveniente, mais do que nunca, conferir autonomia para que times multifuncionais aprimorem os serviços existentes, bem como criem novas ofertas educacionais e as apliquem, mensurando a receptividade dos alunos. A cultura de aprendizagem, da qual a implantação de times ágeis é apenas uma ferramenta, revela-se fundamental para a sobrevivência das faculdades no campo de batalha do ensino superior.

Em síntese, o cotejo entre o planejamento estratégico militar e as atividades efetivamente desenvolvidas no âmbito da batalha de Borodinó traz algumas importantes reflexões acerca do planejamento das organizações. Em face das mudanças que o setor da educação superior sofreu durante o último ano, é necessário reconhecer a conveniência de descentralizar parte das decisões em favor daqueles que efetivamente pisam no “campo da batalha” educacional.

* 25 de agosto, segundo o calendário juliano, adotado na Rússia.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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