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Antônio Colaço Martins Filho é chanceler do Centro Universitário Fametro – UNIFAMETRO (CE). Diretor Executivo de Ensino do Centro Universitário UNIESP (PB). Doutor em Ciências Jurídicas Gerais pela Universidade do Minho – UMINHO (Portugal), Mestre em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal), Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Autor das obras: “Da Comissão Nacional da Verdade: incidências epistemiológicas”; “Direitos Sociais: uma década de justiciabilidade no STF”. E-mail: [email protected]

O gordo e o magro

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publicado em 03/05/2021 às 14h10

Uma velha história árabe fala sobre dois inimigos viscerais – um gordo e um magro. O primeiro teve a sorte de encontrar uma lâmpada mágica. O gênio emergiu do artefato e informou ao seu novo amo que realizaria um desejo. Contudo, qualquer que fosse o seu pedido, o seu mais atroz inimigo seria contemplado em dobro. Após breve ponderação, o gordo enunciou sua vontade:
– Gostaria de perder 70 kg! A massa que lhe foi suprimida o tornou magro, até em demasia. À míngua de reservas adiposas para suportar a perda em dobro, o seu inimigo feneceu.

As restrições legais a atividades econômicas têm sido defendidas, com muita ênfase, por diversos grupos econômicos. As mensagens de otimismo e de sinalização da própria virtude são propagadas nas redes sociais e televisivas. A estratégia é coerente com a necessidade de engajar o cliente, em um contexto em que fica cada vez mais difícil fazer com que o consumidor receba a informação de forma involuntária, dado o avanço das mídias não tradicionais.

Contudo, nem todo o autoproclamado bom-mocismo é altruísta e desinteressado. Muitos conglomerados de expressão nacional e global, em todas as indústrias, estão a pensar como o gordo da fábula que inaugura este texto. Àqueles que têm reservas suficientes para enfrentar a queda de faturamento decorrente de dois anos de proibição de atividades econômicas, pode ser mais interessante a eliminação de concorrentes menores (pequenas e médias empresas) do que o breve retorno à licitude de determinadas atividades econômicas. Acresce que, quando as atividades retornarem à licitude, o contexto regulatório, notadamente, no que diz respeito a licenças e exigências sanitárias, tende a dificultar ainda mais o ressurgimento dos pequenos concorrentes.

As perspectivas são, portanto, de fortalecimento de oligopólios, em detrimento de concorrentes de menor porte e de atuação local. Uma das consequências esperadas é o aumento do desemprego, haja vista que as pequenas e médias empresas são as que mais geram emprego com carteira assinada no Brasil.

Os processos decisórios das grandes empresas tendem a ocorrer longe do cliente. Muitas decisões são definidas em escala nacional ou regional, ignorando peculiaridades regionais e locais com vistas a evitar custos com a customização. Assim, como consequência da proibição de atividades das pequenas e médias empresas e do seu consequente desaparecimento as decisões empresariais tendem a ser tomadas por atores que estão longe do consumidor. Ademais, quanto menor é a concorrência, menor é a propensão a inovar e apresentar soluções que agradam o consumidor.

Os grandes grupos econômicos, contudo, não são os únicos a adotar a visão do gordo afortunado. O fortalecimento de oligopólios e a relação que o governo tem estabelecido com as atividades econômicas (ora permitindo-as, ora as proibindo) favorece a visão política intervencionista. O capitalismo de compadrio (sistema em que poucas empresas desfrutam de liberdade de mercado) também tende a sair mais fortalecido nesse contexto.

Em suma, a dieta da restrição à liberdade econômica atualmente imposta tende a beneficiar as empresas que têm mais reservas, em detrimento daquelas que dependem do fluxo de caixa diário para sobreviver. Respeitadas as exigências sanitárias, o retorno das atividades econômicas à licitude deve ser encarado como questão de bem-estar da população e não como mera ânsia cumulativa.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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