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ENTREVISTA

Paraense Lia Sophia lança EletroCarimbó

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publicado em 24/04/2021 às 12h03
atualizado em 24/04/2021 às 14h53

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

Fotos: Tereza e Aryanne

A cantora e compositora paraense Lia Sophia acaba de lançar mais um disco solo. Seu novo projeto, é o EletroCarimbó. O disco segue a linha do carimbó pop que a projetou nacionalmente e investe em novas sonoridades e beats eletrônicos. O projeto de oito faixas ganha as plataformas digitais e conta com a coprodução do DJ Lucio K, que assina ainda os remixes de Ai Menina e Incendeia, dois sucessos do repertório de Lia Sophia, e da inédita O Que É Que Ela Tem?

Além dos remixes, Eletrocarimbó reúne três inéditas e duas regravações. Dentre as inéditas, Vem Me Namorar é um eletro carimbó merengado, parceria de Lia Sophia com Matheus VK. Já O Que É Que Ela Tem? foi composta à distância no ano passado, durante a quarentena, em parceria com Jana Figarella, atriz, compositora e instrumentista do Norte do país, que também participa da gravação. Além da versão com a banda, a música ganhou um remix que fecha o álbum. Ninguém Estraga o Meu Dia foi composta no início do ano, inspirada em frases com expressões paraenses publicadas no perfil do Instagram Manga Poética (@mangapoetica).

Entre as regravações, músicas que fazem parte dos shows da artista, como Carimbó Cabloco, do compositor Sóstenes Rodrigues, e Sinhá Pureza, do mestre Pinduca. “Quis abrir com Sinhá Pureza, clássico emblemático para o carimbó que inspira muito o meu trabalho, para em seguida apresentar a inédita Vem Me Namorar, inspirada nesse universo do carimbó”, pontua Lia Sophia.

Nove anos depois de lançada, Ai Menina contabiliza mais de 8 milhões de visualizações no YouTube e mais de 2 milhões de streams no Spotify; agora, ganha remix assinado por Lucio K.

Participam do projeto Igor Capela (guitarra), Márcio Jardim (percussão), Marcelino Santos (banjo), Adelbert Carneiro (contrabaixo), Daniel Delatuche (trompete), Jó Ribeiro (trombone) e Edvaldo Cavalcante (bateria). Lia Sophia produziu em casa as faixas Vem Me Namorar, Ninguém Estraga o Meu Dia e Sinhá Pureza, e também gravou guitarra, baixo, teclado e synths. O DJ Lucio K gravou as bases eletrônicas, synths e teclados.

Mesmo em tempos de pandemia a artistas seguiu produzindo bastante: no final de 2020 lançou os singles Ela Chegou pra Ficar e Parece Feitiço, que ganhou videoclipe gravado em Alter do Chão.

Nascida na Guiana Francesa, Lia Sophia mistura ritmos da Amazônia como o carimbó e a guitarrada com batidas internacionais como o zouk e a música pop, para criar uma música tropical e dançante. Com quatro discos lançados, Livre (2005), Castelo de Luz (2009), Amor Amor (2010) e Lia Sophia (2014), um Ep – Salto Mortal (2011), o Single – Sempre Te Esperei (2015) e o Single Incendeia (2017), a artista emplacou várias músicas em trilhas de Tv, com destaque para Ai Menina, trilha sonora de “Amor, Eterno Amor”, novela da Rede Globo, música que tornou-se sucesso em todo o Brasil. Além de Lero Lero, Quando eu Te Conheci, Amor de Promoção e Um Beijo que também embalaram a trilha sonora da série global “A Grande Família”. Seu álbum “Não Me Provoca” foi produzido por Pedro Luís e tem as participações especiais de Ney Matogrosso, Paulinho Moska e Sebastião Tapajós.

Confira a entrevista ao MaisPB e descubra a importância da artista, que tem levado o ritmo do Carimbó para o mundo todo. “Sinhá Pureza” de Pinduca (Vai dançando, Sinhá Pureza/Rebolando, pode requebrar/Carimbó, sirimbó é gostoso/É gostoso em Belém do Pará) tem um destaque especial desse novo disco de Lia Sophia.

MaisPB – Como veio a ideia dessa junção do tecno com o Carimbó?
Lia Sophia – Inspirada no grande Mestre Pinduca que eletrificou o carimbó pau e corda colocando guitarra, contrabaixo e bateria, eu já venho fazendo experimentações com o carimbó e a música pop nos meus trabalhos. Mas o meu desejo era ir além. Aí surgiu a ideia de convidar o Dj Lucio K para contribuir com essa mistura.

MaisPB – O primeiro single “Parece Feitiço”, saiu em novembro e veio acompanhado do clipe gravado em Alter do Chão, onde mostra a vida do caboclo amazônico Vamos falar dessa coisa pop misturada ao carimbó? E da direção do Thiago Pelaes?
Lia Sophia – O carimbó faz parte das minhas referências musicais, da minha memória afetiva, mas a música contemporânea é a minha atualidade, então essa mistura é inevitável. Então, mesmo tendo minhas raízes amazônicas muito claras na minha música, e trazendo comigo toda a originalidade desse cultura periférica, eu acho importante que o diálogo com a música do mundo aconteça. O Thiago Pelaes foi fundamental para esse trabalho, pois trouxe esse olhar contemporâneo sobre imagens amazônicas muitas vezes relegadas ao que é folclórico e pitoresco.

MaisPB – Como o Carimbó é o ritmo predominante no Pará, dançante, esse disco já está emplacou. Ficou satisfeita com o resultado?
Lio Sohpia – Estou super feliz com o resultado. O Dj Lucio K foi muito sensível nessa co-produção comigo, tendo o cuidado de manter o equilíbrio entre os elementos que fazem parte do carimbó e os beats da música eletrônica.

MaisPB – A quarta faixa, “Ninguém estraga o meu dia”, é um recado para geral?

Lia Sophia – É um recado para geral numa linguagem bem paraense. Essa música foi a última a ser composta para esse EP. Ela é inspirada em um perfil do instagram chamado Manga Poética. As expressões e modo do paraense ver a vida são o tema principal desse perfil. E eu acho sensacional que uma jovem produtora de conteúdo digital, que é a Tiane, use as redes sociais para reverberar o nosso sotaque e a nossa cultura de uma forma bem-humorada e contemporânea.

MaisPB – As canções como “Ai Menina e Incendeia” foram sucesso nas novelas da Globo. Você poderia detalhar essas canções. Quando foram feitas e porque só agora elas estão num disco?

Lia Sophia – As duas músicas são importantes para a minha trajetória. Elas me abriram espaços importantes e me fizeram alcançar um público enorme por causa das novelas que fizeram parte. Ai Menina foi composta em 2011, em um momento não muito tranquilo da minha vida, eu estava insatisfeita com a música e pensava em mudar de profissão. Mas ainda assim neste ano lancei um EP com 3 músicas (Ai Menina, Amor de Promoção e Salto Mortal) e coloquei em uma plataforma de música gratuita para que as pessoas pudessem ouvir e baixar gratuitamente. E foi assim que o produtor da novela Amor Eterno Amor encontrou a minha música. Daí aconteceu que ela entrou na novela e foi a segunda música mais executada da trama. Aí a minha vida deu uma virada. Rodei o Brasil todo fazendo shows, ela estourou em várias rádios, eu fui a dezenas de programas de tv e rádio, eu participei de uma cena da novela, etc. Enfim, ela é um divisor de águas na minha carreira. Já Incendeia foi lançada na novela A Força do Querer, em uma cena que participei fazendo um show. Aí de novo aconteceu todo o movimento que a visibilidade de uma novela traz. Os remixes só vieram agora porque eu realmente não sentia a necessidade de apresentar uma nova versão delas antes. Elas cresceram naturalmente e mesmo Ai Menina que já fez 10 anos, ainda é muito bem recebida pelo público. Como sou muito fã do Dj Lucio K, resolvi entregar a ele a missão desses remixes. E estou muito feliz com resultado.

MaisPB – Abre o disco com Sinhá Pureza de Pinduca, ( que é clássico) que e foi gravada por várias pessoas, na década de 70 por Eliana Pittiman. Não podia faltar no seu disco né?

Lia Sophia – Essa música é inspiradora para o meu trabalho e para a bandeira que eu carrego, de levar essa cultura para mundo. Ela diz: “vou ensinar Sinhá Pureza a dançar o meu sirimbó…” essa é a ideia. É difícil pegar um clássico, super conhecido e regravado, e fazer uma releitura ousada como essa. Mas eu conversei com o mestre Pinduca, expliquei para ele o projeto e pedi a permissão dele. E ele me disse, com todo a sua torcida e carinho de sempre, que eu sou a sucessora nesse caminho de experimentações com carimbó e que ele torce para que as pessoas estejam mais abertas a isso e me critiquem menos do que fizeram com ele no passado.

MaisPB – Esse disco foi pensado nessa pandemia?
Lia Sophia – Sim, ele foi pensado na pandemia. Na verdade esse período de isolamento social acabou sendo bastante produtivo. Eu compus, gravei dois clipes em casa, fiz lives, gravei bastante no meu home studio. E assim, teremos algumas coisas para lançar durante o ano de 2021 ainda. A produção de um EP a distância não é fácil. Pequenos detalhes que seriam modificados rapidamente presencialmente, demoram e exigem mais paciência de todos a distância. Por isso fiquei feliz de trabalhar com esses parceiros que foram muito gentis e pacientes durante esse processo.

MaisPB – A canção O que é que ela tem? fala da região, do Tapajõs, dos signos, dos lugares e você no meio na canção, no encontro das águas, chama por Lia. Vamos falar dessa canção de Jana Figarella?
Lia Sophia – Essa é uma parceria minha com a Jana que surgiu em junho de 2020. Ela me propôs fazermos uma música para o aniversário de Santarém, que ela cantaria em um telejornal local e queria apresentar algo novo. Tínhamos pouco tempo para compor e fizemos em um dia a música. Inclusive gravamos um clipe, eu dentro de casa e ela em Alter do Chão, o qual lançaremos em breve. Afinal acabamos não lançando no ano passado a música e agora ela entrou nesse EP. A música faz um paralelo entre uma personagem feminina e a cidade de Santarém, perguntando sempre o que é que ela tem. Aí vamos falando das belezas e da cultura da cidade.

MaisPB – Carimbó Caboclo, é genial e chegar a criar uma palavra nova “carimbolar”. Fale aí dessa maravilha?
Lia Sophia – Carimbó Caboclo é uma composição de Sóstenes Rodrigues, um pernambucano de Caruaru apaixonado pelo carimbó. Eu já gravei outras canções dele e também temos algumas parcerias juntos. A primeira parte da música nos remete ao coco de embolada (ritmo nordestino) com versos rimados ao som energético dos tambores do carimbó. A expressão carimbolar é bem conhecida no Pará, assim como outras derivações que o ritmo sugere. Mas ele conseguiu unir toda a energia do carimbó, com rimas emboladas e as imagens que nos levam para uma verdadeira festa carimboleira.

MaisPB – A faixa “O que é que ela tem?”, aparece repetido no final do disco. Proposital?
Lia Sophia – Essa é a versão original da música gravada no ano passado (2020) e que não foi lançada. Resolvemos fazer esse lançamento do remix do DJ Lucio K junto com a versão original da música.

MaisPB – Você se apresentou no Festival de Artes do Caribe em Paramaribo, no Brazil Summerfest em Nova York e Brazil Day em Londres. Vamos falar dessa experiência?
Lia Sophia – A experiência de fazer show fora do país é incrível. Mas não entenda isso como glamourosa. É difícil levar um show que você faz no Brasil com uma equipe grande, com cenário, iluminação definida etc, para outro país que você precisa levar uma equipe super reduzida, muitas vezes e ainda assim não descaracterizar o seu trabalho. Mas o aprendizado é enorme. Poder levar a música que é produzida na Amazônia brasileira, com a sua originalidade e sua diversidade, para um público inteiramente diferente, é sensacional. Ver como eles recebem, como eles ficam curiosos para entender de onde vem aquela música e aquela dança, como se interessam e se entregam a novidade. Os shows que fiz nesses lugares foram super bem recebidos, mas ao mesmo tempo me mostrou o enorme desconhecimento que há sobre o que é a Amazônia, sobre quem vive ali e sobre a cultura desse lugar. E esse desconhecimento não existe somente lá fora, aqui no Brasil também é assim.

Mais – Você está no trabalho novo de Márcio Moreira. Poderia descrever sua participação?
Lia Sophia – Eu conheço o Márcio desde Belém há alguns anos e ele sempre escreveu muito bem, principalmente poemas. Quando o Márcio me convidou pra esse feat. eu fiquei feliz. Sabia que seria coisa boa. Mas quando eu ouvi a música, que fala de uma paixão fulminante e tem muito suingue, me apaixonei por ela. Topei na hora. E esse também foi um trabalho feito a distância. Eu gravei a voz em casa, sugeri alguns vocalizes, gravei alguns vocais e fiquei muito feliz porque essas sugestões foram aceitas e ficaram na música. A música foi super bem recebida e está bombando nas plataformas digitais.

MaisPB – Penso que há um preconceito de que o Carimbó é brega, como você reage a isso?
Lia Sophia – Não sei se o preconceito se refere a ser um ritmo brega, nunca tive essa impressão. Mas o preconceito existe. É incrível como o olhar colonizador e desbravador sobre a Amazônia, a sua gente e a sua cultura são presentes e atuantes ainda hoje. Há sempre alguém achando que descobriu uma grande novidade escondida nos remotos recantos amazônicos. Na verdade, essa é uma cultura pulsante, original e plural e que está em constante diálogo com a cultura-mundo.

MaisPB – Mas seria uma cultura de raiz?

Lia Sophia – No geral coloca-se o carimbó como uma música regional isolada no passado e que não tem diálogo com a atualidade e por isso é muitas vezes colocada em uma caixinha do folclorizada. Os mestres e mestras que fazem carimbó ainda hoje, são o nosso elo de ligação com esse imaginário amazônico original e riquíssimo, e tão necessário para a globalidade da cultura-mundo. E os jovens que produzem inspirados no carimbó, como eu, fazem esse constante diálogo entre a cultura de raiz e a atualidade. Assim você pode conhecer sobre mulheres guerreiras, as icamiabas, ou sobre o Boto, o nosso namorador que corresponderia ao Dom Juan, ou sobre seres encantados da floresta, em uma linguagem tanto tradicional como contemporânea.
Portanto, mais uma vez digo que o Brasil precisa conhecer a Amazônia e o seu povo para poder entender a sua cultura.

MaisPB – Quem Lia Sophia?
Lia Sophia – Uma mulher que coloca a mão na massa, e ainda que tenha medo, vai produzindo e realizando seus sonhos.

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