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Há 40 anos o Brasil perdia Nelson Rodrigues

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publicado em 21/12/2020 às 09h25
atualizado em 21/12/2020 às 07h15

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

“No Brasil, quem não é canalha na véspera é canalha no dia seguinte”. O que Nelson Rodrigues diria sobre o Brasil de hoje? O biógrafo do dramaturgo, Ruy Castro costuma citar outra frase dele, escrita em 1968 para alongar a permanência de Nelson Rodrigues: “Em Brasília, todos são inocentes e todos são cúmplices”.

Nelson é tão atual que sai na boca da multidão inteligente (se é que existe uma multidão inteligente), e essa atualidade reside não só nas peças teatrais, que não param de ser reencenadas, mas sobretudo na obra não teatral (que o próprio Ruy Castro organizou em 12 volumes, um dos quais, “Flor de obsessão”, reunindo cerca de mil frases lapidares. Nelson é quem não morre nunca.

Como escritor, Nelson produziu 17 peças de teatro, um romance (O casamento) e oito folhetins (seis assinados por Suzana Flag, um por Myrna e um com o próprio nome). O material que deixou como jornalista, em mais de 55 anos de carreira profissional, é imenso e ainda hoje provoca descobertas, entre pesquisadores, de novos contos, artigos e crônicas. Para se ter uma ideia, nas décadas de 1950 e 1960, chegou a manter colunas diárias em dois ou três jornais. Em todas elas, não escondeu a marca da sua opinião a respeito de qualquer assunto.

A época de sua atuação na imprensa coincidiu com a dos cronistas mais espetaculares: Rubem Braga, Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Antonio Maria, Carlinhos Oliveira, Clarice Lispector, Elsie Lessa. Com mais ou menos intensidade, essa turma cultivou o lirismo — do qual Nelson sempre passou longe — e a pequena história boêmia e mais sofisticada da Zona Sul carioca. Nosso herói, que usava suspensórios, não bebia uísque e tinha uma voz quase bovina, sempre preferiu os mais dramáticos e adúlteros subúrbios da Zona Norte.

No livro Inteligência e dor: Nelson Rodrigues ensaísta, publicado em 2009, Luís Augusto Fischer mostra que, em seus textos jornalísticos, Nelson está mais para Michel de Montaigne do que para Rubem Braga. “O tipo de texto que ele praticava carrega traços que a crônica está longe de ter — um autoexame profundo, uma enorme coragem para confessar suas próprias mazelas, que permitiram aquela coragem meio suicida de confrontar a opinião média do seu próprio leitor. Estamos falando de um texto superior, que se destaca contra o fundo de uma excelente tradição de textos breves que o Brasil tem”, afirma o crítico, que indica quatro obras principais: as memórias de A Menina sem estrela (1967) e as coletâneas O óbvio ululante (1968), A cabra vadia (1970) e O reacionário (1977).

Autor do recém-lançado Saudades dos cigarros que nunca fumarei, uma seleção de ensaios, Gustavo Nogy aponta a diferença entre os gêneros para melhor situar Nelson Rodrigues: “Crônica e ensaio são aparentados, semelhantes, mas há distinções. Dos cronistas brasileiros, certamente Nelson é o mais ensaísta. Ele explodiu os limites da crônica e navegou no mar aberto, revolto, do ensaio. Porque ensaio é isso: uma crônica que excede seus limites, seu provincianismo criativo, e se abre universalmente. A crônica parte do anedótico e fica no anedótico; ela se contenta em dar um passeio no bairro. Já o ensaio, muito embora parta também do pessoal, do anedótico, do cotidiano, não se contenta com isso: ousa, instiga, questiona, ironiza. Nelson Rodrigues é um dos maiores ensaístas brasileiros”, garante.

Crítico que melhor estudou a obra rodrigeana, Sábato Magaldi escreveu no seu longo prefácio ao Teatro completo: “Um dia, será necessário rever o epíteto de reacionário que o próprio Nelson se afixou. Na verdade, há muito de feroz ironia nesse qualificativo. Porque Nelson Rodrigues foi reacionário apenas na medida em que não aceitou a submissão do indivíduo a qualquer regime totalitário. Quando a pessoa humana for revalorizada, também desse ponto de vista ele será julgado revolucionário”.

Um pouco mais sobre Nelson

O garoto Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 1912. Aos 5 anos, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, indo morar na Rua Alegre, em Aldeia Campista, bairro que depois seria absorvido pelos vizinhos Andaraí, Maracanã, Tijuca e Vila Isabel. Em contato com a imaginação fértil do futuro escritor, a realidade da Zona Norte carioca, com suas tensões morais e sociais, serviu como fonte de inspiração para Nelson construir personagens memoráveis e histórias carregadas de lirismo trágico.

Aos 13 anos, ingressa na carreira de jornalista, trabalhando como repórter policial em A Manhã, um dos jornais fundados por seu pai, Mário Rodrigues, que marcaram época – o segundo foi Crítica, palco de uma tragédia que abalaria o dramaturgo profundamente: o assassinato de seu irmão, o ilustrador e pintor Roberto Rodrigues, em 1929.

Lado a lado com o teatro, o jornalismo foi para ele um ambiente privilegiado de expressão. Dentre seus textos propriamente jornalísticos, destacam-se aqueles dedicados ao futebol, em que empregou toda sua veia dramática, transformando partidas em batalhas épicas e jogadores em heróis. Trabalhou nos mais diversos jornais e revistas, assinando artigos e crônicas, como a popular e discutida coluna “A Vida Como Ela É…”.

Em 1943, a consagração no Teatro Municipal do Rio de Janeiro: sua segunda peça, Vestido de Noiva, montada por um grupo amador, Os Comediantes, dirigida pelo polonês recém-imigrado Ziembinski e com cenários de Tomás Santa Rosa, revolucionava a maneira de se fazer teatro no Brasil. Sua peça seguinte, Álbum de Família, de 1946, que trata de incesto, foi censurada, sendo liberada apenas duas décadas depois. Dali em diante, sua obra despertaria as mais variadas reações, nunca a indiferença.

O prestígio alcançado pelo reconhecimento de seu talento não livrou-o de contestações ou perseguições. Classificado pelo próprio Nelson Rodrigues como “desagradável”, seu teatro chocou plateias, provocando não apenas admiração, mas também repugnância e ódio, sentimentos muitas vezes alimentados por seu temperamento inclinado à polêmica e à autopromoção.

Nelson Rodrigues morreu no Rio de Janeiro, em 1980, aos 68 anos. Além dos romances, contos e crônicas, deixou como legado 17 peças que, vistas em conjunto, colocam-no entre os grandes nomes do teatro brasileiro e universal.

Hoje, 40 anos sem o gênio Nelson Rodrigues.

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