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Antônio Colaço Martins Filho é chanceler do Centro Universitário Fametro – UNIFAMETRO (CE). Diretor Executivo de Ensino do Centro Universitário UNIESP (PB). Doutor em Ciências Jurídicas Gerais pela Universidade do Minho – UMINHO (Portugal), Mestre em Ciências Jurídico-Filosóficas pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto (Portugal), Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Autor das obras: “Da Comissão Nacional da Verdade: incidências epistemiológicas”; “Direitos Sociais: uma década de justiciabilidade no STF”. E-mail: [email protected]

Tempero do luto

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publicado em 21/09/2020 às 06h24

Na Polônia do pós Segunda Guerra Mundial, a Adega de Cebolas do Schmuh prestava um serviço peculiar. Por doze marcos e oitenta pfenning, a gente de vária idade e procedência que acorria ao recinto recebia uma tábua de picar, uma faca, uma cebola e se acomodava em canhestros caixotes.

Devidamente guarnecidos, os clientes começavam a cortar as cebolas em pedacinhos até que o suco extraía dos frequentadores aquilo que o cotidiano não lhes propiciava – lágrimas. Ao pranto induzido, seguia-se o choro real, convulsivo, comedido, febril ou contido, frequentemente secundado pelo relato oral das tragédias pessoais, em jeito de catarse coletiva.

A imagem acima, extraída do romance “O Tambor”, de Gunther Grass (foto), retrata uma demanda da enlutada e traumatizada sociedade polonesa do pós guerra. Após duas grandes Guerras, a sociedade polaca se ressentia de um local, um pretexto, uma situação que lhe permitisse extravasar o luto, compartilhar feridas, liquefazendo a recôndita dor.

Nos dias atuais, a humanidade transmontará uma pandemia avassaladora que nos restringe o contato com aqueles que amamos, enluta inúmeras famílias, torna os netos saudosos do tenro afago dos avós que se foram, implanta o medo no seio familiar.

As chagas ainda estão abertas e o ambiente de clausura familiar dificilmente propicia uma abordagem aprofundada do sentimento que a pandemia suscitou. Ao trauma soma-se uma panóplia de incertezas. Terei emprego e renda para garantir o provimento da minha família? É seguro retornar às minhas habituais atividades?

Em que pesem as angústias, pais e filhos são instados a reassumir papéis sociais (empregados, profissionais autônomos, estudantes) outrora atenuados pela restrição social.

Nesse contexto, é altamente recomendável que gestores dos ambientes que retomarão suas atividades tenham especial atenção para a saúde mental dos seus colaboradores e alunos. Esse processo, que envolve escutas individuais e/ou coletivas, deve ser conduzido por psicólogos e propiciado por profissionais da área de gestão de pessoas.

Em suma, gestores têm faca e cebola ao alcance das mãos. Cabe agora temperar o acolhimento de seus colegas e clientes, com vistas a garantir um retorno mais consciente, estável e sustentável às atividades socialmente relevantes.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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