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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Ele ri com os dentes de Bethânia

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publicado em 21/07/2020 às 06h36
atualizado em 21/07/2020 às 05h12

Não sei se forçado ao exílio de João Pessoa, o “waiter” Valmir Pontes, que conheci na casa da professora Zarinha, é o mais Betânia que eu já vi. É como se ele fosse ela. Uma cena que me parece surgir de uma luz estonteante. Pra ser Bethânia tem que vir de um lugar distante. Luminoso.
Durante o período em que nos encontrávamos, nas sessões de cinema, depois, jantares, Valmir mostrava-se um ser humano que queria aprender muito. Chegou até a fazer cursos no Zarinha Centro de Cultura. Calma, Valmir está vivo. Sua cuca batuca, eterno zig-zag, entre a escuridão e a claridade. Certa vez eu disse: Valmir, você é a própria Bethânia: só falta a chatice, que dizem que a cantora baiana tem. Ele riu com os dentes de Bethânia.
Valmir me contou que só consegue fazer a faxina de sua casa, ouvindo Bethânia (imagino nessa pandemia) “Eu boto o DVD e vou varrendo minha vida, limpado a mobília e os cômodos”. Isso dele dizer varrendo, lavando a alma como se estivesse num rio, revelou que tinha nascido para ser: Bethânia. Ou seja, Maria Betânia veio ao mundo para que muitas pessoas fossem felizes.
Assim como Bethânia, Valmir exerce forte impressão para um mundo melhor. Magrinho, quase franzino, “brilhante ê! de noite, dentro da mata, na escuridão, luz exata, vejo você, Divina ê!” Eu imagino ele recitando um poema de Fernando Pessoa, o que deve fazer em casa sozinho, diante de Narciso.
Valmir transcrito, eu penso, é a parte sublime de um conjunto de poemas que dialogam através de citações das canções que Bethânia interpreta. Refiro a um poema, já que a poesia existe como uma necessidade de nos unir e de nos apaixonar por meio da linguagem: as raízes profundas de quem escreve belos versos. Acho engraçado quando um amigo meu diz que aqui em João Pessoa existem milhões poetas…
Não sei porque estou escrevendo sobre Valmir sem lhe pedir licença ou sobre Bethânia, um astro da MPB, se um é o outro, mas esse elo deve ter sido muito antes de terem chegado a isso. Valmir não se veste de Bethânia, nem canta em boates. Aliás, de quem eu gosto até as paredes confesso.
O mundo moderno tem sido deveras imparcial na distribuição das suas personagens. Penso nisto por causa da simplicidade de Valmir, um rapaz que não sei onde mora, com quem vive, mas sei que trabalha muito e Bethânia é sua guia. Até porque não tem sentido querer saber com quem Valmir se deita. É preciso avançar.
No caso de Valmir, o que me importa não é a referência a Maria Bethânia, coisas e hábitos dos fãs, como os amigos, os amantes, a boemia, os encontros, a confraternização que diariamente se sucede no mundo. Valmir é mais. Bem mais.
É tão lindo Maria Betânia cantando as vidas que se apagam a sorrir ou quando o carteiro chega e seu nome grita com uma carta na mão. Além de Valmir ser Betânia, eu gosto dele, da chuva, do circo, da esperança de dias melhores, menos da repetição e do besteirol dos imbecis e idiotas.
Sim, Valmir é Bethânia!

Kapetadas
1 – Queria tomar um chazinho com a Monja Coen.
2 – O Objetivo da existência é ser tranquilo. Disserte sobre.
3 – Som na caixa: “Quem ouve nunca mais dela se esquece, barcos sobre os mares, voz que transparece, uma vitoriosa forma de ser e viver”, de Caetano Veloso

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