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Professor de História pela UFPB e analista político

O sentido do golpe de 2016

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publicado em 01/09/2016 às 10h44

Depois de anunciado o resultado da votação do Senado que afastou definitivamente, ontem, uma presidenta eleita, não se viram ou ouviram comemorações, foguetório, a alegria entusiasmada nos bairro de classe média, como no dia em que Eduardo Cunha conduziu a votação na Câmara que iniciou a consumação do golpe.

Com exceção das poucas manifestações nas redes sociais, o que se viu ontem foi uma constrangida e silenciosa atitude daqueles que, meses atrás, enchiam as ruas para pedir o afastamento de Dilma Rousseff, a maioria com plena consciência de que a alternativa possível era um governo do PMDB chefiado por Michel Temer.

Essas pessoas não podem dizer, portanto, que nada tiveram a ver com o desastre institucional, econômico e social que se anuncia para os próximos dois anos, porque não temos motivos para acreditar no contrário.

Regrediremos – paradoxo que revelará o falso moralismo dos que iam às ruas “contra a corrupção” – no campo do combate à corrupção, ou você acha que um governo que tem por base uma aliança do PMDB com o PSDB, Dem e Cia., resiste a uma leve investigação?

Ora, mesmo sem serem investigados, as principais de suas lideranças – a começar pelo próprio “presidente” Temer e pelo principal líder da oposição, Aécio Neves – caíram na rede da Lava-Jato. Imaginem quando forem investigados.

Como definiu bem um dos frequentadores da cozinha de Temer, Romero Jucá, esse governo é para “estancar a sangria da Lava Jato”! E estamos conversados, Juiz Moro!

Mas, há muito mais por baixo da espuma gerada pelo fervilhante embate político que se arrastou ao longo de meses e que se consumou ontem, através de um golpe de Estado perpetrado no Congresso.

Assim como em 1964, o impedimento de Dilma vai além de ser um caminho mais curto para aplacar os desejos de políticos ávidos pelo poder, muitos deles derrotados nas urnas não faz muito tempo. A maioria, envelhecendo longe do governo federal, essa galinha dos ovos de ouro!

Isso o povo perceberá logo e entenderá em definitivo o sentido do golpe de 2016. Quando, por exemplo, forem retirados os alguns direitos de aposentadoria, que distanciará ainda mais quem trabalha no Brasil do merecido descanso na velhice.

Notem que os defensores dessa tese são os que menos trabalham, ou trabalham atrás de birôs e computadores, no conforto do ar-condicionado. E tudo isso para quê? Para sobrar dinheiro no caixa do governo e acalmar banqueiros e especuladores para manter intocada a perversidade dos seus lucros.

Tudo no orçamento é cortado, menos a parte que é destinada ao pagamento dos serviços da dívida pública.

O golpe de 2016 também fará sentido para o povo quando, por exemplo, a saúde pública, a educação pública, a construção de moradias subsidiadas para os mais pobres, entre outras coisas, tiverem seus recursos congelados por 20 anos, apenas atualizada a inflação, como já foi anunciado – isso tendo por base 2016, um ano que cortes violentíssimos no orçamento federal!

A ideia de chegarmos a um investimento de 10% do PIB em educação, compromisso para os próximos anos? Podem esquecer.

É como se esses setores, historicamente carentes de investimentos para melhorarem os seus serviços, ao invés de mais recursos, precisassem de menos. Mas, como são destinados aos mais pobres…

E tudo isso para quê? Mais uma vez, para sobrar dinheiro no caixa do governo e acalmar banqueiros e especuladores para manter intocada a perversidade dos seus lucros.

O golpe de 2016 fará sentido para o povo quando as riquezas petrolíferas do Pré-Sal forem entregues a preço de banana, como, aliás, já está ocorrendo – em julho, o campo de Carcará foi vendido para a petroleira norueguesa Statoil por 8,5 bilhões de reais, quando vale, segundo alguns especialistas, mais de 30 bilhões!

Carcará não estava incluído nas regras de partilha instituídas por Lula e, por isso, foi logo vendido. Quem é o atual presidente da Petrobras? Pedro Parente, o ministro tucano do “apagão” de FHC.

No âmbito da exploração do Petróleo, a intenção do governo Temer é aprovar rapidamente o projeto de outro tucano, José Serra, atual ministro das relações exteriores, que pretende acabar com o regime de partilha, o que deve ocorrer ainda esse ano.

Se isso acontecer, vão para o lixo as regras de exploração do Pré-Sal que fortalecem a Petrobras (dois terços da exploração de petróleo da jazida é assegurado à empresa), o desenvolvimento da indústria nacional, através da obrigatoriedade de fornecimento de equipamentos, e parte dos seus lucros, através de royalties, que são depositados em um fundo social para financiar, principalmente, a educação e a saúde. Entendeu porque querem destruir a Petrobras?

Entreguismo da pior espécie!

Além disso, vamos assistir o retorno da diplomacia que, como descreveu Chico Buarque, “fala grosso com a Bolívia e fino com os EUA”. Toda a construção de relações diplomáticas soberanas iniciada por Lula que abriu mercados para empresas brasileiras na América Latina, Oriente Médio, África e Ásia, tende a ir por água abaixo.

Os BRICS, a aliança geopolítica com Rússia, Índia, China e África do Sul, que, entre outras coisas, gerou o Banco dos BRICS, uma alternativa ao FMI, deve perder espaço e ser enfraquecida para que se priorizem as velhas relações de subalternidade que marcaram nossas relações com EUA e Europa.

Eis o sentido do golpe que ontem afastou Dilma Rousseff.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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