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entrevista

Premiada duas vezes com o Jabuti, escritora Nélida Piñon fala ao MaisPB da vida e obra

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publicado em 16/07/2022 às 11h59
atualizado em 17/07/2022 às 15h26

Kubitschek Pinheiro MaisPB

Com novo projeto gráfico, a Editora Record, casa da escritora Nélida Piñon, está relançando sua obra. Já está nas livrarias e nas plataformas digitais “A Casa da Paixão”, livro lançado há 50 anos. O projeto começou em abril com “Uma Furtiva Lágrima”.

Vencedora do Prêmio Jabuti duas vezes, nas categorias Melhor Romance e Livro do Ano em 2005, “Vozes do Deserto” também ganha nova edição. Em 2020, com o livro “Uma Furtiva Lágrima”, Nélida ganhou o Jabuti na categoria crônica. Em novembro próximo, a Editora Record fará o relançamento de “Tebas do Meu Coração”, outro grande romance da escritora, dos anos 1970.

Em outubro de 2020, em plena pandemia, Nélida Piñon publicou o inédito “Um dia chegarei a Sagres”, romance ambientado em Portugal, que traz a vida de um andarilho em busca do Infante Dom Henrique – o livro foi um dos finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura de 2021. A escritora prepara mais um inédito para este ano.

Em dezembro de 2021, Nélida participou do projeto “Caja de Las Letras”, iniciativa promovida pelo Instituto Cervantes, do qual ela é integrante. Coube a cada um dos escritores depositarem em um cofre – artefatos e registros emblemáticos de nossos tempos, que só serão abertos futuramente.

Integrante da Academia Brasileira de Letras, Nélida foi a primeira mulher a presidir a instituição e, atualmente. é secretária-geral da diretoria da ABL.

Nélida Piñon nasceu no Rio de Janeiro, descendente de imigrantes espanhóis e desde criança escolheu o ofício de escritora. Ainda muito menina escrevia pequenas histórias e as vendia ao pai e familiares. Formou-se no curso de Jornalismo, da Faculdade de Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Com vasta bibliografia, suas obras foram traduzidas em mais de 30 países, e contemplam romances, contos, ensaios, discursos, crônicas e memórias.

Indagada sobre seu vínculo com a Paraíba, ela disse: “Eu gosto muito da Paraíba. Tenho grandes amigos aí, o saudoso Sivuca era meu amigo e sua mulher, Glorinha Gadelha. Também Ângela Bezerra, minha amiga, uma mulher encantadora de vasta cultura”

Em conversa com o MaisPB, a escritora fala da vida, da obra e dos novos livros que serão lançados pela Editora Record.

MaisPB – Vamos começar pelo relançamento da sua obra, com selo da Editora Record?

Nélida Piñon – Eu sou muito ligada à Editora Record, sou amiga da família Machado, desde o tempo de Alfredo Machado, o fundador. Era muito amiga dele e de Glória Machado. Então, eu me sinto em casa, orgulhosa, por essa indicação que é desde sempre. Eles sempre demonstraram muito apreço pela minha obra, publicaram tudo.

MaisPB – Nélida está escrevendo um novo livro?

Nélida Piñon – Sim, agora mesmo acabei um, que em breve estará nas mãos do leitor.

MaisPB – Como é o nome?

Nélida Piñon – Você sabe que eu não sei ainda…

MaisPB – É um romance?

Nélida Piñon – Não, é um livro de fragmentos, reflexões e memórias. O livro é muito bom, mas não consegui chegar ao título. Acabei outro livro. O nome é Infanto Juvenil, destinado às crianças. Vou mandar logo para Espanha, para ser publicado.

MaisPB – Vai ser lançado primeiro na Europa?

Nélida Piñon – Não, não, tudo junto, lá e aqui no Brasil. Mas eu tenho que entregar primeiro a minha agência literária, a Carmen Balcells que é quem resolve tudo meu, há mais de 40 anos.

MaisPB – O livro “Um Dia Chegarei a Sagres”, já foi lançado em outros países?

Nélida Piñon – Acabei de receber a edição francesa de “Um Dia Chegarei a Sagres”, ficou linda.  Já saíram as edições portuguesa e espanhola.

MaisPB – Seu livro “A Casa da Paixão” que a Record lançou, está fazendo 50 anos?

Nélida Piñon – Pois é, cinquenta anos. A Record já relançou e ficou uma beleza essa edição e, acabou de ser vendido para os Estados Unidos.

MaisPB – Marta, a protagonista de “A Casa da Paixão”,  vive entre o desejo incestuoso do pai e a submissão quase animalizada da ama de criação, mas ela  busca a libertação do prazer, não é?

Nélida Piñon – É um livro que de algum modo, vamos dizer, é uma análise e uma reflexão sobre o corpo, a anatomia da alma. A Marta representa o desejo humano. Tem uma coisa interessante: depois que ela tem a primeira relação com o Jerônimo, Marta se encontra com um fato definitivo de alta radicalidade no ser humano. Qualquer mudança no corpo, altera o pensamento.

MaisPB – Essas edições “A Casa da Paixão”, e outros relançados pela Record já chegaram às mãos de quem já leu e de outros que vão conhecer sua obra?

Nélida Piñon – É verdade. Agora eles vão preparar o relançamento de outro romance meu “Teba do Meu Coração”, que foi lançado há muitos anos e que acho que deveria ser redescoberto, é um livro importante.

MaisPB – Aliás, novos leitores, os jovens brasileiros?

Nélida Piñon – É isso que eu mais quero, uma boa iniciativa da Record. Isso eu quero demais. Recebo muitas correspondências dos jovens, que estão se acentuando, eles estão descobrindo cada vez mais a minha obra, eu fico muito emocionada e muito agradecida. Meu desejo é que com esses livros contemporâneos, os jovens me descubram como escritora. Então, eu sinto que está a ressurgir muito forte, da minha obra sobretudo o livro, “A República dos Sonhos”, que acabou de ser vendido para a China.

MaisPB – Seu primeiro livro é “Guia Mapa de Gabriel Arcanja”?

Nélida Piñon – Esse foi publicado há 60 anos, é um livro muito interessante, deverá ser relançado.

MaisPB – A sua obra é vasta?

Nélida Piñon – Quase trinta livros.

MaisPB – Lembra dos primeiros escritos?

Nélida Piñon – Desde menina, eu me sentia atraída pela escritura, pela linguagem, mas sobretudo quando menina, pela narrativa, para contar histórias. Eu descobri que era possível para mim, acreditar que as histórias poderiam ser contadas e colocadas no papel. Ou seja, estava ao meu alcance entender a história humana. É a melhor maneira de entender a trajetória de cada um, é contar a história da humanidade. Então, desde menina, eu pensava que o livro refletia, não uma invenção, mas uma realidade que o escritor escrevia e contava, porque ele tinha vivido essa realidade. Depois, eu descubro que não era assim, que o escritor é quem inventa o que conta, porque não precisa ter vivido para que a história seja fascinante. De verdade, o livro nasce de uma combinação muito rara, do que se pensa, do que você inventa e memoriza. Foi isso e a partir disso, que eu vi o meu alcance na literatura. Eu não precisava viver para contar, bastava que eu inventasse.

MaisPB – Como era a relação com seus pais?

Nélida Piñon – Eu vivo dizendo o quanto devo a eles. Outro dia, me perguntaram a quem devo ser como sou. Eu sou muitas, sou múltipla e eu falei uma frase que me emocionou muito, que eu devia o que eu era, o que sou, por ter sido muito amada por eles, meus pais. Eles abriram as portas para que pudesse voar, para que pudesse descobrir o mundo, para explorar o meu imaginário, a minha inteligência. Os livros que eu vim a ler e assistir os espetáculos de teatros e  as óperas.

MaisPB – Seus pais lhe encaminharam bem para a vida, então?

Nélida Piñon – Sim, eu tive uma formação intelectual muito rara para minha idade. Nós viemos de uma família de imigrantes. Meus pais me deram uma possibilidade, que me fez uma mulher autônoma, soberana, capaz de tentar tudo porque sabia que o mundo era possível para mim. O estudo é tudo que os pais podem fazer por um filho.

MaisPB – Tudo é uma evolução para o conhecimento?

Nélida Piñon – Todos nós somos pessoas em progresso, em mudanças, em alterações. Nós nunca somos hoje, o que fomos ontem. Por isso, o conhecimento é importante, para que possamos evoluir cada vez mais.

MaisPB – Como a senhora viu a chegada de Gilberto Gil e Fernanda Montenegro, a Academia Brasileira de Letras?

Nélida Piñon – Foram recebidos com muita admiração, com amor, porque são grandes personalidades brasileiras. Não houve hesitação. Agora são irmãos de armas. Estão lá para sempre. Tem sido maravilhosa a convivência.

Nélida Pinõn com Gravetinho

MaisPB – Por que o romance “Um Dia Chegarei a Sagres”, foi ambientado em Portugal?

Nélida Piñon – Esse livro estava em mim, há muitos anos, mas pelas circunstância da minha vida eu não pude ir para Portugal para ficar pelo menos um ano, eu precisava ir para fazer pesquisas, visitar as entranhas de Portugal, para contar essa história. Eu sabia tudo da História Portuguesa, dos séculos XV, XVI até o século XIX, mas eu precisava estar lá, sentir o frescor antigo da língua portuguesa, a língua de Camões, mas era muito difícil porque nos últimos anos eu tinha meu cachorro Gravetinho. Eu fiquei muito triste, quando ele morreu. Eu tinha paixão pelo Gravetinho. E não tive coragem de viajar sem levá-lo, ele estava muito gordinho e era muito temperamental. Não daria para conduzi-lo na cabine, por causa do peso. Em 2017 ele partiu, aí liberou para que nós fossemos para Portugal e levamos a Suzy Piñon,  nossa cadelinha, que amamos muito.

MaisPB – Mas deu certo a viagem?

Nélida Piñon – Sim, desde então passamos um ano lá trabalhando o romance, vivendo em Sagres, o mar, as aldeias, tudo, onde o Infante Dom Henrique morreu, além das grandes navegações portuguesas que alteraram a visão do mundo. Na volta ao Brasil, consegui fazer oito versões desse romance.

MaisPB – Esse livro foi lançado na pandemia?

Nélida Piñon – Eu quis que fosse lançado na pandemia. Eu não tive medo da pandemia. Eu tenho confiança no leitor, na literatura brasileira, no leitor brasileiro e foi um sucesso o lançamento.

MaisPB – Ainda vai ao cinema, aí no Rio?

Nélida Piñon – Não. A sensação que tenho é que eu vivi muito intensamente. Eu não tenho mais necessidade de fazer outras coisas. Por exemplo: depois de Portugal, eu voltei à Península Ibérica e a Espanha, para os lançamentos desse meu livro. Tenho uma vida intensa, mas não quero mais fazer certas coisas. Não tenho mais vontade, cinema, teatro, me convidam para shows. Eu tenho a voz humana no meu coração, o teatro também. Eu escrevi o discurso para saudar Fernanda Montenegro, falei o que é o teatro, a dramaturgia, tudo saído da minha cabeça. Mas sempre vou a Nova Iorque assistir Wagner (compositor e maestro alemão conhecido, principalmente, por suas óperas). Assisto Wagner vinte horas seguidas, Adoro assistir O Anel de Wagner, em New York.

MaisPB – Já tomou as vacinas todas?

Nélida Piñon – Eu vou fazendo o que é necessário.

MaisPB – Ainda lê Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector. Manuel Bandeira…

Nélida Piñon – Não, não, sei tudo na cabeça, mas já não leio mais. Uma poeta que eu adoro e vocês deveriam conhecer mais é Cecília Meireles, o Romanceiro da Inconfidência é maravilhoso, uma das maiores obras da literatura brasileira.

MaisPB – A senhora é integrante do Instituto Cervantes?

Nélida Piñon – Sim, é o Instituto Internacional da Espanha, tem mais de 90 sucursais no mundo. Eles têm esse projeto “Caja de Las Letras”, na sede de Madrid. É um cofre literário para grandes escritores, sob a presidência de Garcia Monteiro. Cada escritor tem uma Caja e ali é colocado algo, que só é aberto muito tempo depois. Eu estabeleci vinte anos. Quando forem abrir saberão o que depositei lá.

MaisPB – A senhora foi a primeira mulher a presidir a Academia Brasileira de Letras?

Nélida Piñon – Sim, mas não a única. Fui a presidente no ano do centenário, há 25 anos atrás.

MaisPB – Depois dos dois prêmios Jabuti, qual o melhor prêmio em literatura que a senhora ganhou?

Nélida Piñon – Foi o Prêmio Príncipe de Astúrias (em 2005). Fui a primeira mulher de língua portuguesa a ganhar esse prêmio, o segundo mais importante que o Nobel

MaisPB – Tem uma biblioteca em Salvador, com seu nome?

Nélida Piñon – É uma honra para mim saber que tem meu nome numa casa de leitura, na Bahia.

MaisPB – Aliás,  a senhora fez a doação de sua biblioteca particular…

Vozes do deserto, obra de Nélida Pinõn

Nélida Piñon – Sim, o Instituto Cervantes, inaugurou uma grande biblioteca no Rio de Janeiro, com meu nome. Eu fiz a doação de todos meus livros, foi uma cerimônia linda.

MaisPB – Como conseguiu se desfazer dos livros?

Nélida Piñon – Eu aprendi, fui me educando ao longo dos anos, me desprendendo dos livros, me despedindo deles. Claro que eu sofri, mas fui entendendo, que é um privilégio minha obras e meus livros todos estejam ao alcance do público brasileiro e visitantes do mundo inteiro. Eu doei peças raras. Cumpri meu dever de cidadania.

MaisPB – A senhora escreveu contos eróticos?

Nélida Piñon – Sabe por quê? É difícil você desprender de qualquer obra literária com uma visão erótica. O erotismo está no corpo humano, está no personagem. O importante é reconhecer que meu texto é forte, lírico e contundente.

MaisPB – Nélida acredita que o Brasil vai melhorar?

Nélida Piñon – Em que sentido?

MaisPB – Tanta violência, muitos crimes, crianças sendo estupradas, mulheres sendo mortas?

Nélida Piñon – Isso vem acontecendo desde sempre. Nós não somos santos. Ainda precisamos purificar nosso corpo e nossa alma

MaisPB – A Paraíba lhe tem muito apreço por Nélida Piñon…

Nélida Pinõn – Eu também gosto muito da Paraíba. Tenho grandes amigos aí: o amado e saudoso Sivuca, Glorinha Gadelha e Ângela Bezerra. Angela é uma mulher encantadora e tem cultura.

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