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Jornalista, cronista, diácono na Arquidiocese da Paraíba, integra o IHGP, a Academia Cabedelense de Letras e Artes Litorânea, API e União Brasileira de Escritores-Paraíba, tem vários publicados.

Lima Barreto,  120 anos depois  

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publicado em 23/11/2022 às 07h00
atualizado em 22/11/2022 às 17h08

         Se Ernesto Sábato dizia que “depois de ler Proust você jamais conseguirá ser o mesmo”, com Gonzaga Rodrigues essa mudança radical aconteceu após a leitura de Lima Barreto, principalmente As Recordações de Isaias Caminha, este livro emblemático de um autor que, 120 anos depois de sua morte, continua conquistando jovens leitores, como seu deu com a crônica de Café Alvear, há mais de setenta anos.

         Esse jornalista e romancista revelado nas ruas cariocas, filho de escravos libertos, que quando criança assistiu num recanto do Lago da Carioca a Princesa assinar a libertação de seus compatriotas, foi para mim um achado muito tarde. Estimulado pelos pais de meu ingresso no Jornalismo e na Literatura, Nathanael Alves e Gonzaga Rodrigues, segui os caminhos das suas crônicas, foi um pulo para seus romances. Leitura apressada, como fazia na época, porque queria tirar o atraso, pois nos primeiros anos da década de 1970, era de pouco acesso aos livros.

         Minha biblioteca era na casa de Nathan, um templo sedutor à leitura para quem engatinhava pelo mundo da Literatura, um templo suntuoso em pequeno espaço onde passava a vista pelas prateleiras e retirava o livro que me achava agradável.

         – Zé, escolha o livro que quiser, dizia ele. Mas também nunca faltava o conselho do professor-pai adotivo: “Comece por esse, leve esse”. E assim, a cada semana, degustava o que me chegava às mãos.

         Quando recebo das mãos de Nathanael a obra de Lima Barreto, de quem nunca tinha ouvido falar, mas entre uma conversa e outra, com livro sobre as pernas, entro nas páginas, passo a vista com ânsia de chegar em casa para a leitura recomendada. A noite tornou-se curta, passava as folhas lentamente, revelando-me a cada página lida.

         Das crônicas passei ao romance de Lima Barreto, sobretudo As Recordações de Isaias Caminha que, bem recente, voltai às suas páginas com novas e inusitadas impressões. Livro que me fez conhecer a redação de jornal bem antes de ser acolhido em O Norte, em 1976, como “copiador” de telegramas, em cujo lugar me fizeram presentes os personagens recém-conhecidos no livro do escritor carioca. Mesmo que à época mais impressionante experiência de leitura para iniciante tenha sido Menino de Engenho, de José Lins do Rego.

Em maio de 1977, revelado nos ensinamentos dos meus dois mestres e estimulado pelas leituras dos livros de Lima Barreto que me chegaram às mãos, por ocasião do aniversário, escrevi texto ressaltando a importância deste autor para a Literatura brasileira, publicado em O Norte.  

Foi um texto que abordava mais sua trajetória de escritor do que uma análise de sua obra, mas fazia referência às mudanças causadas em nosso modo ver e sentir o mundo a partir das perspectivas de seus personagens.

Escritor depositado numa tumba, foi o jornalista Francisco de Assis Barbosa quem o ressuscitou com A vida de Lima Barreto, uma vasta biografia, lançada em 1952, trinta anos depois de sua morte, escrita em grande estilo. Essa biografia marcou o início da recuperação da obra deste escritor que é, aos olhos de muitos estudiosos, integrante da melhor literatura nacional, e deixou um legado de que a arte nunca desaparecerá. Mais cedo ou mais tarde a obra que você produziu, ressurgirá.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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