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ENTREVISTA MAISPB

Livro reúne história de amor entre prostituta e casal

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publicado em 31/07/2021 às 12h01
atualizado em 31/07/2021 às 14h51

Kubitschek Pinheiro – MaisPB

A publicitária e jornalista mineira Carla Madeira, é um nome forte da literatura brasileira. O romance ‘Tudo é rio’ tem chamado a atenção de milhares de leitores. O livro é maior que o tema – uma prostituta e um casal experimentam insólita história de amor, dor, erotismo e saudade.

Poucas pessoas sabem, mas a diretora de criação da Agência Lápis Raro, (uma das maiores e mais premiadas agências de comunicação de Minas Gerais) Carla Madeira, começou a escrever o livro há 15 anos. No início, contava a história de três irmãs, mas a trama secundária, envolvendo Lucy, Dalva e Venâncio, acabou dominando o romance. É estarrecedor.

A autora nos contou que estava grávida quando iniciou o trabalho e interrompeu. Só em 2013 ela voltou ao livro, editado pela Quixote e depois pela Record, sua nova Casa.

No caso desse primeiro livro de Carla Madeira, o deixar para amanhã valeu a pena. Lançado em 2014, “Tudo é rio” está na sexta edição e vendeu 6 mil cópias, um número raro entre autores de primeira tacada. O livro é capaz de provocar no leitor perguntas intrigantes como: Podemos perdoar o imperdoável? Há justiça divina quando há injustiça humana? Somos todos capazes do bem e do mal? Escrever “Tudo é rio” foi a melhor performance de Clara, que tem experiências artísticas outras: já cantou, teve banda, compôs e pinta.

No final de 2018, ela lançou “A Natureza da Mordida”, que segue o caminho de sucesso do primeiro. A segunda edição já está encaminhada. O livro trata do encontro de duas mulheres que vivem diferentes formas de abandono e desafiam as fronteiras entre o bem e o mal.

Carla Madeira nasceu em Belo Horizonte em 1964. Largou um curso de matemática e se formou em jornalismo e publicidade. Foi professora de redação publicitária na Universidade Federal de Minas Gerais. Em 2014, lançou seu primeiro romance “Tudo é rio” , um sucesso editorial, recebido com entusiasmo pelo público e pela crítica.

Em 2012, passou a fazer parte do time de autores da editora Record e lançará seu terceiro romance, “Véspera”, ainda este ano.

A autora conversou com o MaisPB e contou porque “Tudo é Rio”.

MaisPB – “Tudo é rio”, seu primeiro romance, quando começou a gestação e o parto?

Carla Madeira – Comecei a escrever em 1997. Muito pelo gosto de escrever, pela atração da prosódia, pela linguagem, muito mais do que por ter uma história me perturbando. Não tinha a ideia de que escreveria um livro. Não tomei essa decisão, o livro foi sendo escrito. Inicialmente, era uma outra história em primeiro plano, a história de Francisca que acabou indo de maneira coadjuvante para “Tudo é rio”. Mas nesse exercício de escrita, buscando a voz do narrador, abri uma segunda parte e comecei a vida de Lucy, Venâncio e Dalva, exatamente onde o livro começa. Quando escrevi a cena violenta de Venâncio com o filho, fiquei chocada e isso me paralisou por 14 anos. Não conseguia sair daquele lugar. Ter imaginado aquilo foi um espanto, mexeu com profundezas minhas. Por isso, quando voltei ao livro, eliminei tudo que veio antes e comecei por esse lugar que me abalou tanto. Era ali que eu queria mergulhar. Votei escrevendo um capítulo de uma só palavra: dor. Dali em diante foi um jorro. O rio, represado por tantos anos, veio num fluxo visceral e vertiginoso.

MaisPB – Fazia tempo que não lia uma obra tão completa de um escritor brasileiro. Isso coloca você num universo maior. O que isso provoca em Carla Madeira, que é mãe e pai das personagens Dalva, Venancio, Lucy?

Carla Madeira – Agradeço muito suas palavras, mas acho que tem um bocado de generosidade nelas. O mais importante, para mim, é a experiência do processo criativo ser arrebatadora, o que vem depois é imprevisível. Não quero temer nem me encantar demais com o que vem depois.

MaisPB -Meu pai dizia “tudo passa”, mas nem tudo passa. Em “Tudo é rio”, a gente sente o tudo passa, mas demora a passar. Proposital?

Carla Madeira – Sim, às vezes é preciso contar com o tempo para que as coisas retomem seu fluxo. Tempo de trocar as células e com elas as emoções que carregamos e que tanto afetam nossa maneira de fazer as coisas.

MaisPB – Você me disse que boa parte do livro foi escrito quando você escutava música, entre elas “Não me arrependo”, de Caetano Veloso. Fale desse prazer de ficar sozinha com sua literatura, sendo levada pelo rio das canções?

Carla Madeira – São horas maravilhosas nesse processo de criação. O sentimento é de um envolvimento imenso, visceral. É arrebatador. Fico tomada pela imersão. Ouvi muito Caetano durante a escrita de “Tudo é rio”. Tive a oportunidade de dizer isso a ele. Falei que o livro era um pouco dele de tanto que eu fui afetada pela emoção de suas músicas ao escrevê-lo. E ele disse: então, vou ouvir seu livro. Tomara.

MaisPB – O ciúme é o prato principal de “Tudo é rio”, um ciúme diferente, mais aguçado, na pele, com atitudes violentas que atingem outras pessoas. Seria o ciúme uma cordilheira, um mal do homem, uma doença ou a velha sensação de que a mulher ( bem mais ela) ou o homem são “propriedades” de ambos?

Carla Madeira – O ciúme é um sentimento muito poderoso e protagonista de muitas tragédias na vida e na literatura. A ideia da posse levada às últimas consequências tem sido responsável por uma quantidade imensa de violência. Ninguém é coisa de ninguém, mesmo quando pensa que é. Ninguém é “dono” de ninguém, mas muita gente pensa que é. Já é tão difícil dar conta dos nossos desejos, do que queremos para nossa vida, das nossas dores e ainda temos de administrar a loucura alheia. É infernal.

MaisPB – O livro começa com Lucy, uma bela prostituta que ao contrário de Geni, da canção de Chico Buarque (independente de gênero), ela atira palavras em formatos de pedras na cidade. Seria Lucy o resultado de várias perdas e desencontros?

Carla Madeira – Lucy por uma série de circunstâncias experimentou o encontro do sentimento de perda e rejeição com o gozo e a obsessão de conseguir tudo o que quisesse. Com essas forças fez suas escolhas e viveu as consequências.

MaisPB – Aliás, Lucy é voraz e provoca excitação no leitor. Vamos falar sobre isso?

Carla Madeira – Lucy gosta do poder de dominar, de exigir, de ser desejada. Tem o corpo interessado no prazer. Experimenta, seduz, inventa. Como diz o livro: é uma puta que gosta de dar! Naturalmente isso provoca a ira de muitos, não só no livro. A sexualidade feminina é um assunto interditado. Lucy dá uma banana para essa interdição.

MaisPB – Você arma uma história amorosa, mas que já começa doente… Ninguém pode viver isolado dos amigos. O casamento de Dalva e Venâncio afasta os dois de todos. Isso ainda acontece hoje e sempre. Alguma justificativa?

Carla Madeira – Acho que acontece. Muitos casais estão fechados em suas ilusões e em suas tragédias.

MaisPB – Mudou de editora, a capa também é outra?

Carla Madeira – A capa é outra! Gosto muito da capa nova do Leonardo Iaccarino. Conversa com o último parágrafo do livro de uma maneira comovente para mim. A água reflete o céu e pode ocultar o abismo.

MaisPB – Martha Medeiros diz na orelha que a autora “dá até raiva na gente”. Eu não senti isso, porque já tomei banho na água desse rio e sei que às vezes as águas são turvas, outras, cristalinas, mas nem tudo são flores num casamento, né?

Carla Madeira – Martha foi muito generosa com “Tudo é rio”, foi uma emoção indescritível a ressonância dela. Não sei se entendi bem a pergunta, mas certamente nem tudo são flores num casamento.

MaisPB – Você está escrevendo um novo livro que sairá este ano? É outro romance?

Carla Madeira – É outro romance. Vai se chamar “Véspera” e deve ser lançado em outubro. É uma história que vai fundo na pergunta: como chegamos ao extremo, o lugar onde somos capazes de tudo?

MaisPB – Vamos falar do segundo livro “Natureza da Mordida”?

Carla Madeira – O livro foi lançado em 2018, já está na segunda impressão e a Record deve relançar ano que vem. É um livro muito diferente de “Tudo é rio” em termos de linguagem. Exigiu mais de mim como escritora. Conta uma história sobre a amizade de duas mulheres que passam a se ouvir. Fala sobre as mordidas que a vida nos dá sem cerimônia. Tenho um imenso carinho por esse livro.

MaisPB – Desde quando percebeu que morava uma escritora dentro de você?

Carla Madeira – Desde de muito pequena, eu estou sempre às voltas com a linguagem artística: seja a música, artes plásticas, a escrita. Sou amadora – amo muito todas essas possibilidades de expressão sem dominá-las muito. Não sei estar no mundo de outra maneira. É assim que gosto de ver o tempo passar. Escrever tem sido uma das experiências mais arrebatadoras de minha vida.

MaisPB – O Brasil vai melhorar, vamos sair inteiros, apesar do volume assustador de mortos?

Carla Madeira – Espero que sim. Eu desejo que sim. É insuportável o que estamos vivendo. Um retrocesso inaceitável, uma desumanização criminosa. Tenho muita dificuldade e tristeza com esse momento. Espero que a gente saia dessa. Espero que seja logo.

MaisPB – Quem é Carla Madeira?

Carla Madeira – Estou tentando descobrir, mas ela sempre escapa.

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