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Jornalista paraibano, sertanejo que migrou para a capital em 1975. Começou a carreira  no final da década de 70 escrevendo no Jornal O Norte, depois O Momento e Correio da Paraíba. Trabalha da redação de comunicação do TJPB e mantém uma coluna aos domingos no jornal A União. Vive cercado de livros, filmes e discos. É casado com a chef Francis Córdula e pai de Vítor. E-mail: [email protected]

Alucinatoriamente normal

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publicado em 12/01/2021 às 06h28
atualizado em 12/01/2021 às 05h10

EU estou preso na vida, preso na arte de escrever, preso no fio da meada, preso a nada. Não sou poeta, não sou nada, mas minha prosa me liberta.

Estou preso nas cordas do violão do meu filho, procurando viver nessa grande avenida de gás neon, (deixada por Gonzaguinha) para saber até quando existe pulso, se sou homem ou caranguejo, minha boca, teu desejo, num memorialismo simbólico.

Estou preso a minha criação, não a mim. Preso ao meu texto, e eu, e eu, e eu, e eu sem ele?

Grudado na saudade, no olhar discreto do voyeur, no suave beijo que a cadela vira-lata Lili dá na minha canela e rouba meus sapatos com sua fórmula física, minúscula, louca por comida de panela, que nem nós e sente o cheiro já no tilintar dos talheres em movimentos.

Eu caio na vida, leio sem parar, escuto Jobim tocar “Corcovado” (The Composer of Desafinado, Plays, de 1963) e isso já me basta, além do feijão, arroz, legumes, a boa comida que a mulher faz e ainda fica melhor no dia seguinte. Nada se perde: uma torta mexicana, no outro dia vira um suflê com rodelas de mussarela de búfala e pra cima me deixa. Só danço samba.

Eu subo na torre da Igreja São José para ver a cidade que me pariu, mas eu estou sonhando.

Eu mato o tédio e os boletos, bobagens e panfletos, mato quem não sabe estar preso na vida e fujo dos genocidas.

Mato a Revolução Russa, mas não mato Tolstói, mato a subordinação mental e os parasitas da esquina.

Estou preso na vida urbana, longe das cenas sacanas, longe dos bacanais e das aberrações mundiais. Estou preso nos filmes que vejo, entro e saio deles com explosões demais.

Não preciso de rota de fuga, não aguento a voz daquela moça do waze mandando eu dobrar à direita e depois à esquerda na Rua Machado de Assis. Outro dia fui ao centro, num pé e noutro, em busca do boogie woogie de João Gilberto. Estou certo?

Estou preso sem saída, não precisa, o trem das onze, só amanhã de amanhã. Estou a espiar um jarro antigo, um jarro com flores amarelas, de uma natureza que já morreu e resiste.

Eu atiro no claro, jamais um tiro no pé, sequer pela culatra. De manhã cedo um jorro de mijo, o primeiro jato para fazer exame, mas não estou preso ao resultado.

Um relógio parado, presente de uma amiga, é lindo, mas ele não tem hora marcada pra nada.

Nada é pra sempre, eu preso na vida, fazendo sala de espera pra mim mesmo, esperando essa vacina com meu barco à vela ou a vapor barato. Que chato, sou eu.

Perdão e fé.

Kapetadas
1 – Yeah, is it too late now to say sorry?
2 – Eu discordo do que muita gente diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dar uma pesquisada boa antes de falar.
3 – Som na caixa: “Eu quero ser como um telefone de plástico/Pra ligar só pra você/Fazendo trrrim, trrrim, trrrim, trrrim, trrrim, trrrim…Alô, alô, quem fala? É o meu grande amor? Vou saindo pra te ver”. Jorge Mauther

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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