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ENTREVISTA MAISPB

Numa Ciro lança primeiro álbum aos 70 anos

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publicado em 05/12/2020 às 12h04
atualizado em 05/12/2020 às 14h08

Kubitschek Pinheiro MaisPB

Fotos de Cláudia Ferreira

Ela é atriz de muitos palcos. É uma artista nossa – nasceu em Campina Grande, e é a maior cantora que interpreta à capela que temos no Brasil. Numa Ciro está lançando aos 70 anos, seu primeiro álbum, que leva seu nome “Numa”. Ela é surpreendente em tudo. Seu canto ecoa. “Lançamos agora porque é o tempo que define tudo, mas lançarei muito mais”, disse

O disco é muito bom, um elo com toda sua vida e todo esse tempo a cantar e colocar letras em músicas e suas performances modernas e ousadas, a exemplo de quando cantou nua, tendo seu corpo pintado pelo artista plástico, Hidelbrando de Castro, na Academia Brasileira de Letras, em 1986, cujo presidente era Austregésilo de Athayde. Foi marcante.

São treze faixas em que reúne parcerias com Luiz Gonzaga, Hermeto Pascoal, João Donato, José Miguel Wisnik, Tibor Fittel, César Lacerda, Socorro Lira, Claude Burg, Tania Christal, Flaviola e Lan Lanh (da banda de Cássia Eller), que assina a produção do CD que está nos ouvidos mundiais nas plataformas e aplicativos com selo da Dubas Música.

Dentro de “Numa” há vários sons e ritmos. Do xote, a valsa, fado, rock, com arranjos impecáveis e de uma força nas interpretações da artista, que desde cedo impacta com sua presença pelos palcos de nosso país e da Europa. Seus monólogos cantantes reúnem plateias e muitos aplausos.

Numa é o máximo e faz a gente entrar “numas” vontades de não parar de ouvir ela cantar. A parceria com Hildebrando Castro (artista plástico olindense, que migrou para o Rio de Janeiro no final da década de 60), é quase um filme da sua vida. Ela pousou para muitos quadros dele e a performance “Natureza viva: Acrílica sobre pele” colocou Numa no mundo das artes plásticas como performer. À partir disso, todos os seus trabalhos tinham e têm o toque de Hildebrando Castro nos figurinos, cenários, cartazes etc. É o próprio Hildebrando quem assina a capa deste álbum, que lembra a arte de Andy Warhol.

O disco abre com Numa cantando à capela, uma canção inédita “Desproporção”, que é uma parceria com César Lacerda, e segue com os beats e levadas de Deeplick e Lan Lanh em “Psicodélica”  a segunda faixa. É a Numa no estilo moderno que arrebenta.

Do músico João Donato, ela ganhou a melodia de “Do esperar”, (letra dela), a terceira faixa, que tem no piano Donatinho (filho de Donatão e coro de Nanda Costa).

“Vigésima Hora”, a quarta faixa, é duo com a cantora pernambucana, Tânia Christal, um encontro de vozes que liga o Recife pegando fogo e o Rio Lindo de Janeiro, onde reside Numa. Vejamos: “Estou louca, louca, louca. Preste atenção no detalhe”, diz o refrão.  As outras canções são “A Arte é Mulher” “Xote À Primeira Vista”, “Dada Isso”,  “Os Quatro Elementos”, e  “Meu Nome é Numa”.

Em entrevista ao MaisPB, Numa Ciro conta tudo sobre esse primeiro disco, fala da sua trajetória inicial no Rio de Janeiro, de todas as canções, a parceria com Hermeto Pascoal, (sim, ela colocou uma letra numa música de Hermeto), da presença de Daniel Gonzaga  ( neto do rei do baião Luiz Gonzaga) nesse disco. Numa Ciro é uma artista brasileira. Leia a nossa conversa e saiba mais sobre Numa de muitos Círios.

MaisPb – Nos anos 90 você fazia muitas performances e monólogos andantes…
Numa Ciro – Não era só performance não, eram apresentações longas, já que eu cantava à capela, um espetáculo do tamanho de uma peça, de um show. Eu chegava a cantar 40 canções. Como não era acompanhada por músicos, só a voz, eu fazia muitas colagens de canções. Quando me apresentei em Portugal, o sociólogo José Machado Pais (Pesquisador Sênior da Universidade de Lisboa e integrante do Instituto de Ciências Sociais) me convidou para abrir o mega evento dos 50 anos do Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa.  Foi um show incrível.

MaisPB – Então, o público europeu já conhece o trabalho de Numa Ciro?
Numa Ciro – Eu fiz um monologo incrível “A Beleza da Voz com a Língua”. Também me apresentei no Teatro Trindade (de Lisboa), com “A Viagem o Amor e a Saudade”. Depois dessas apresentações na capital de Portugal as portas se abriram e fui chamada para fazer mais show.

MaisPb – Onde tudo começou? Você se apresentava na Casa de Cultura Laura Alvim, em Copacabana?
Numa Ciro – Sim, me apresentei lá, na Laura Alvin. Na Casa da Gávea e em vários lugares. Isso começou nos anos 90.

MaisPB – Como você conheceu Lan Lahn?

Numa Ciro – Eu já trabalhava com Hidelbrando (Castro), que é muito amigo de Jussara Silveira (consagrada artista que gravou em 2017,  o álbum Fruta Gogoia – Uma homenagem a Gal Costa com Renato Braz) e de Lan Lahn e as duas foram me ver num show. Lan Lahn ficou indo várias vezes, ela me observava em tudo. Lan Lahn dizia sempre: “eu não consigo escutar a Numa em casa, ela tem que ter seu disco”. Ela só me ouvia no palco e eu não tinha disco e essa força veio dela, Lan Lahn

MaisPB – Ela é uma excelente musicista….
Numa Ciro –  Exato, ela produziu tudo, meu primeiro álbum, de uma sabedoria grande, se existisse a Academia Brasileira do Batuque, Lan Lanh estaria no lugar de Nana Vasconcelos (artista pernambucano falecido em março de 2016)  Ela é uma excelente percussionista.  Conhece muito de música. Lan Lahn dirigiu meu projeto, acompanhou toda gravação. Ela é generosa, tem paciência e é muito inteligente.

MaisPB – Você abre o disco cantando “Desprioporção”  à capela, foi para manter essa chama acessa…
Numa Ciro – Não só por isso, eu ainda canto à capela. Ainda faço esse trabalho, que é o grande lance da minha carreira, porque quase ninguém faz isso no Brasil. Se for atrás do novo, tem sempre pessoas fazendo as coisas bacanas, mas cantar à capela como eu faço, não vejo ninguém. Desde de 1994 que eu me apresento cantando assim e tenho meu público e não é fácil cantar à capela.  Tudo muito bem estruturado, viu?

MaisPb – Cantar à capela é bem difícil…
Numa Ciro –  É sim, é um trabalho que eu criei, um estilo de cantar, eu gosto. As pessoas me perguntam como é que você entra no tom? E eu respondo.  Eu não sabia que precisava entrar no tom. Agora nesse disco, acompanhada de uma banda, tenho que entrar sempre no tom.

MaisPB – Como aconteceu você colocar uma letra sua numa canção de Luiz Gonzaga?
Numa Ciro – A canção de Luiz Gonzaga, veio porque eu fiz muitos monólogos cantantes dirigidos por Cláudio Olivetto. Ele sabe tudo de música e como eu já colocava letra em música há muito tempo, ele disse: você poderia colocar letra em uma música de Luiz Gonzaga, que tem seu nome, “Numa Serenata” (nova faixa). Mas isso tem muito trabalho. Quem fez o arranjo foi Daniel Gonzaga, filho de Gonzaguinha. Gravamos no estúdio dele, com Marcelo Costa, um dos maiores percussionistas do Brasil. Ele fez a ponte com o neto de Gonzagão.

MaisPb – Você colocou outro nome na canção de Luiz Gonzaga, né?
Numa Ciro – É o seguinte: a música quando foi gravada em 1941, ela tem seu fonograma, que não pode mudar nome e número. Por exemplo: A feira de Campina Grande, (sexta faixa) é uma novena, mas na música do Hermeto Pascoal que já tinha sido gravada, eu queria gravar com esse nome, nem pensei em fonograma, queria gravar com esse nome da Feira de Campina.

MaisPB – Como foi seu encontro com Hermeto Pascoal?
Numa Ciro –  Eu gosto muito da obra dele. Botei uma letra numa melodia de Hermeto e cantava à capela. Estava havendo um evento na UFF e ele havia se apresentado às 21h e eu mais cedo. Sai do meu camarim, que era perto do dele. Hermeto me recebeu muito bem. Eu disse logo – eu sou Numa Ciro, canto sozinha e ele disse: “Você não canto só, canta com Deus” Eu botei uma letra numa música sua, disse a ele, que pediu que eu cantasse e no final ele arrematou: “sua letra foi feita para minha música”. Isso foi em 2006. O maestro Itiberê Zwarg (parceiro de Hermeto Pascoal) gravou a música. Hermeto disse eu vou fazer um show no Teatro Rival ( Rio) e quero você cantando comigo. Eu fui lá e foi belo, ele tocando um berrante, não esqueço nunca.

MaisPB – E a parceria com João Donato?
Numa Ciro – Foi incrível. Fui na casa dele com a atriz, minha amiga Mirian Juvino.( participou de vários filmes, entre eles “Nem Tudo São Flores”)  Ela trabalha com teatro, muito talentosa. Estava fazendo uma produção de pianistas e me chamou: “vamos na casa de João Donato, comigo”. Ele é um encanto, eu disse que adorava botar letra em música. João pegou o piano fez uma melodia, gravou na hora e me deu. Eu fiquei muito feliz e está no meu disco.

MaisPB – Nos fale de Donatinho (filho de João Donato) que participa de seu disco?
Numa Ciro – Donatinho veio com Lan Lanh, é genial, gravamos no estúdio dele, incrível os equipamentos, as maquinas de fazer som que ele tem, antigas e modernas. É uma fábrica de fazer som.

MaisPB  – A canção “Rua da Saudade”,  (oitava faixa) é uma parceria com José Miguel Wisnik?
Numa Curo – Eu sou fã dele. Desde quando eu fiz 40 anos, que eu ganhei seu livro “O sonho e o sentido”.  Eu gosto muito de tudo que ele faz. Eu mandei a letra e Zé fez a melodia.

MaisPB –  O sociólogo Hermano Viana, escreveu tão bem sobre e seu trabalho… (“Ter Numa Ciro se apresentando na cidade deveria ser algo tão garantido quanto o canto gregoriano no Mosteiro de São Bento. O bom é ver repetidas vezes, religiosamente”, disse Hermano Viana em um de seus textos)
Numa Ciro – Hermano é meu grande amigo. Foi ele quem levou Caetano Veloso para ver meu show “Lamina Voz”. Hermano ia sempre. Fiquei emocionada. Ele é muito atencioso.

MaisPB – É Hildebrando quem assina a capa de seu álbum, que abre com Numa cantando à capela, a inédita “Desproporção” – uma parceria com César Lacerda. Vamos falar sobre isso?
Numa Ciro – César Lacerda é um musico excelente. Bom instrumentista, toca flauta e violão, guitarra e é grande compositor. Foi Mirian (Juvino) quem me apresentou. Na verdade, tinha que ter uma canção à capela e escolhemos “Desproporção”

Mais PB – E a capa do disco, que lembra os desenhos de Andy Warho?
Numa Ciro – Eu amei, tudo que Hidelbrando faz, reluz, tem uma força imensa, se multiplica.

MaisPB – Todas as letras são suas, menos “Hipótese do Hipopótamo Tartamudo”, que é de Bráulio Tavares…
Numa Ciro – Antes dos monólogos, eu já cantava essa canção de Bráulio, desde quando morava em Campina Grande. E as pessoas pedem, eu canto essa canção há mais trinta anos.

MaisPb – Você lembra daquela performance em que canta nua na Academia Brasileira de Letras, com seu corpo pintado por Hildebrando Castro?
Nunca Ciro – Eu tenho as fotos, foi em 1986. Foi minha primeira performance. Foi aí que entrei pelas artes plásticas. A gente ficou uns três anos fazendo isso. Até nesse dia que ele me pintou, também pintou uma bomba atômica. Eu ainda me chamava Socorro Brito, me chamavam de a psiquiatra e ex-cantora punk da Paraíba. Os acadêmicos adoraram. Hidelbrando fazia um vestido de tintas e  eu cantava pintada. É isso, mas tenho mais o que falar sobre minha arte.

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