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João Medeiros é pediatra e presidente da Academia Paraibana de Medicina. E-mail: [email protected]

As Belezas do Cabo Branco

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publicado em 03/12/2020 às 08h01

As caminhadas matinais diárias na orla do Cabo Branco, desfrutando do papo e da companhia agradável de um grupo de diletos amigos, a contemplação das belezas – e não apenas as naturais -, a constatação da impressionante expansão imobiliária ( e da lamentável erosão da falésia da ponta do Cabo Branco, que já foi a mais oriental das Américas) , a par dos benefícios inegáveis à nossa saúde física e mental, nos traz doces recordações da infância, quando veraneávamos nesse logradouro, que era a praia de veraneio por excelência da época , conhecida como Tambaú; posteriormente é que passou a denominar-se Cabo Branco. Na verdade, talvez o grande escritor e político José Américo de Almeida, “o solitário de Tambaú” e os pescadores fossem os únicos moradores permanentes.

A avenida Epitácio Pessoa foi inaugurada em 1933 e, portanto, o acesso à orla era muito precário; daí a preferência dos mais antigos pela praia Formosa, que era servida por uma linha regular de trem, que existe até hoje, saindo da estação ferroviária, na cidade baixa. Minha pranteada genitora contava que meu avô, durante o veraneio, às sextas-feiras, ao encerrar o expediente no seu estabelecimento “ A Farmácia Londres”, situada à rua Maciel Pinheiro, pegava o trem rumo à Formosa, levando a tiracolo uma garrafa cerveja – apenas uma – para “degustar” no final de semana; certamente, àquela época, já seguia fielmente o jargão “ beba com moderação “.

Consoante relata Rafael Sousa em sua interessante monografia “A Evolução da Ocupação de Tambaú – Do início do Século XIX ao Século XXI “(2013), o bairro (ou a praia) de Tambaú surgiu numa localidade onde existia uma comunidade de pescadores artesanais da Praia de Santo Antônio, antigo distrito de João Pessoa. Os bairros de Manaíra e Cabo Branco foram criados posteriormente, tendo como limites em relação a Tambaú, as avenidas Rui Carneiro e Epitácio Pessoa.respectivamente.

Na minha infância, falava-se apenas na Praia de Tambaú; Cabo Branco referia-se unicamente à falésia, cujo nome se deve à presença de caulim na água, massa esponjosa branca usada na fabricação de tinta, cerâmica e giz; este último, ferramenta indispensável às aulas – hoje substituído, na maioria das escolas, pelo pincel atômico – e que era produzido na fábrica Luxor de propriedade de Paulo Miranda.

Os veraneios eram muito agradáveis, não havia arranha-céus, as casas eram simples, mas confortáveis, conheciam-se praticamente todos os veranistas e o logradouro mantinha o status de aprazível e tranquilo: uma fuga do frisson do centro urbano – que, aliás, diga-se de passagem, não era tão movimentado assim – ,além da brisa noturna que aliviava o calor do verão tropical.Não havia colégios, mercadinhos , farmácias e o único restaurante era O Elite Bar, onde se saboreava a famosa sopa de cabeça de peixe. Linha telefônica, nem pensar. Próximo à nossa casa, havia o Bar São Salvador, onde, além de bebidas, numa necessidade, era possível adquirir-se, no máximo, uma aspirina ou um alka-seltzer.

Havia poucas residências nas ruas detrás e, consequentemente , existiam muitos terrenos baldios, onde eram abundantes os cajueiros e outras árvores frutíferas ( que nos abasteciam) e que também serviam de campos para peladas.

No final da década de 1960 passou a registrar-se significativo crescimento urbano: surgiram alguns edifícios, bares mais sofisticados, restaurantes, boates e clubes: Elite, Calamares, Casablanca, o Circo, Maravalha (clube dos solteiros), etc., além de algumas “casas suspeitas”no final da Rui Carneiro.

A partir daí o crescimento foi vertiginoso, sobretudo nas últimas décadas; os bairros do Cabo Branco, Tambaú, Manaíra e Bessa deixaram de ser o refúgio dos veranistas, passando a importantes logradouros com vida própria, com grande expansão da rede hoteleira – que se seguiu à inauguração do Hotel Tambaú no início da década de 1970 -, shoppings centers , colégios, restaurantes, farmácias e movimentada vida noturna.

A orla marítima tornou-se, assim, o local de morada dos mais cobiçados da população.

As belezas naturais persistem, mas o cenário urbano mudou bastante. E lá distante continua deslumbrante a falésia do Cabo Branco, clamando por socorro contra à sua insidiosa erosão.

*Pediatra e Presidente da Academia Paraibana de Medicina

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

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