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ENTREVISTA MAISPB

Aos 90 anos, Elza Soares esbanja energia e sucesso: “Acabei de nascer”

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publicado em 29/08/2020 às 09h21
atualizado em 20/01/2022 às 15h57

Kubitschek Pinheiro/ Especial MaisPB

(Fotos de Pedro Loureiro e divulgação)

A cantora Elza Soares chegou aos 90 anos inteira e continua ativa, como sempre. Elza, que encarou a fome, a pobreza e tantas outras injustiças ao longo da vida, falou em entrevista ao MaisPB sobre temas como o racismo, o passar do tempo, o Brasil e sobre ser mulher, num mundo machista.

Elza lançou a versão de “Juízo final” (com clipe), de Nelson Cavaquinho e Elcio Soares. Ela se junta a Flávio Renegado e lança a faixa “Negão Negra” (de Flávio Renegado/ Gabriel Moura), que já está nos aplicativos de música, pela Deck gravadora. Além disso, a canção vem com um clipe que está disponibilizado no YouTube.

Esse é o terceiro lançamento de Elza Soares em 2020 e o “Carinhoso”, imortalizada por Pixinguinha e João de Barro.

O aniversário da Elza Soares é sempre comemorado em várias datas, sendo dia 22 de julho o dia do seu nascimento e 23 de junho a data que consta em seu documento, quando foi emancipada.

De qualquer forma, a data correta e sua idade é o que menos importa numa trajetória como a dela, que segue artisticamente tão potente e se reinventando a cada novo trabalho. “Estou vivendo os melhores dias da minha vida. Nunca parei para ver quantos anos eu tenho, não vai ser agora”, diz ela.

O jornalista Zeca Camargo é o autor da biografia Elza, ( Editora Leya), lançada em 2018, que tem 40 horas de depoimentos e autorização da cantora.

Em “Elza” vamos encontrar um resgate da trajetória da artista, da infância pobre ao sucesso, consagrada em discos que marcaram a música brasileira e seguem cativando gerações. São muitas histórias, muitas alegrias e tristezas. Fosse pela necessidade de colocar comida na mesa para os filhos, fosse pela busca de seu sonho de cantar, de gritar até o fim, Elza não mediu esforços, enfrentou derrotas, driblou obstáculos, viajou por boa parte do mundo, foi do inferno ao céu, mas nunca desistiu. A filha de dona Rosária, nascida no bairro carioca de Água Santa, recebeu o título de Voz do Milênio, atribuído pela BBC de Londres. Essa não foi a primeira biografia a contar a história de Elza Soares. Em 1997 foi publicado o livro “Cantando para não enlouquecer”, (Editora Planeta” de José Louzeiro. Elza é show!

Mais PB – Como é chegar aos 90 anos tão ativa e cantando?

Elza Soares – Olá, 90. Acabei de nascer agora. Me sinto bem cheia de vida, pronta pra luta. Com saúde e disposição para cantar até quando Deus quiser. Faço fisioterapia, malho. Estou ótima, cada dia melhor.

MaisPB – No dia do seu aniversário você fez uma live Elza in Jazz. Como foi esse evento pela internet?

Elza Soares- Foi maravilho, um show incrível. Eu amei. Não sou muito de festejar aniversário, mas Jazz é tudo que eu gosto. É muito bom ouvir jazz e saber que a música nos salva.

MaisPB – Você gravou “Juízo Final” de Nelson Cavaquinho. É sua resposta a esse tempo cruel em que estamos vivendo?

Elza Soares – “Juiz Final” foi uma música mandada por Deus, que eu já conheço há muito tempo. Ela chega a minha voz no momento exato, mas eu gravei bem antes da pandemia. Caiu com uma luva, gosto muito da obra de Nelson Cavaquinho. Eu gostei muito de ter gravado esse clássico.

MaisPB – E a canção “Negão Negra” com a participação de Flávio Renegado? Como essa canção chegou até você?

Elza Soares – Ah, foi Pedro Loureiro, meu empresário maravilhoso, ele é iluminado, me apresentou o Flávio e a música também, amei a letra sensacional. Ele é um grande artista também. Renegado é um poeta, e Pedrão é foda, foi ele que me trouxe essa canção.

MaisPB – Como você tem visto o aumento do racismo no mundo, com tantas cenas desumanas?

Elza Soares – Isso sempre houve e sempre vai haver. Vivemos hoje num Big Brother, todo mundo vendo todo mundo. Cada um com seu celular, para gravar, filmar, uma coisa louca. O racismo é coisa antiga. O Brasil é o país mais racista do mundo. Tá na cara. Antes eu pensava que seria a Alemanha ou Europa e Estados Unidos. O Brasil é um país muito racista, safado, sem vergonha na cara. Eu vejo isso com muita dor no coração. Mulher preta, pelo amor de Deus, pra frente, Deus na veia!

MaisPB – Na década de 80 você gravou sua participação na canção “Língua” no disco “Velô” (1984) de Caetano Veloso e também aparece no filme dele “Cinema Falado”. Como aconteceu o convite de Caetano, você se lembra?

Elza Soares – Caetano Veloso é tudo na minha vida. Eu ia parar de cantar. Fui procurá-lo para dizer a ele que eu não queria mais cantar. Foi quando ele disse: minha rainha, você não vai deixar de cantar. Perguntou o que eu estava fazendo. Na época, meu Garrinchinha era pequenininho e eu estava num sufoco, a música não ia para frente, estava vivendo um momento muito ruim. Nesse tempo, eu morava em São Paulo e foi lá que nos encontramos. Ele disse para eu voltar para o Rio, que tinha uma surpresa pra mim. Voltei, estava fazendo um show no Teatro João Caetano, no “Projeto Seis e Meia”. Ele foi me pegar lá no teatro, direto para a gravadora. Gravei “Língua”, foi um estrondo tão grande, que eu voltei a brilhar nos palcos. São Caetano, eu sou muito grata a você.

(A resposta de Caetano, retirada do livro “Elza”, de Zeca Camargo. “Falei veementemente que não dava, que não era possível. Ela é de uma potência criadora. É um esteio para o Brasil. Desde que apareceu, já apareceu com aquela afirmação do talento, da personalidade, com uma visão de mundo aguda. Então, puxa, isso não se joga fora.”)

MaisPB – Quem é Elza Soares?

Elza Soares – Você sabe que não sei, nunca parei para pensar quem sou, porque sou e como sou. Eu vou indo, eu vou vivendo, vou levando, vou seguindo em frente. Deixou a vida me levar, vida leva eu ( cantarolou). Eu nunca parei para saber quem é Elza Soares. Sou uma mulher, mulher preta, que respeita os outros, e quer respeito, que briga pelas mulheres. Brigo pelos gays, adoro eles. Brigo contra preconceito racial. Essa é a Elza Soares, a mulher que briga pelos meus direitos.

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